quarta-feira, 9 de novembro de 2011

"Sertão", de Pedro Salgueiro, para O POVO (9.11)



"Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar"

Triste Partida (Luiz Gonzaga)

Fui, sou e serei apenas um matuto exilado na cidade grande. Vim aqui apenas para sobreviver, terminar os estudos, ganhar a vida, criar os filhos, como muitos irmãos que foram para o Norte da borracha, para o Oeste desbravar fronteiras, para o Sul futurar sustento.

Sou aquele nordestino que saiu do Sertão dos Inhamuns há quase 70 anos e ainda hoje vive sonhando em voltar à terra em que nasceu a cada chuvinha que cai nos subúrbios mais distantes da cidade grande, a cada ventinho (eterno Aracati) que varre as ruas mais longínquas das favelas em que está irremediavelmente incrustado feito pedra de calçamento.

Este homem já quase cego que guarda no baú antigo os muitos discos de Luiz Gonzaga, as fitinhas de São Francisco de Canindé, a imagem de Padre Cícero, a rede com o fundo já trocado mil vezes, a mala de couro cru, a chinela de rabicho ainda com o barro seco, a lamparina de lata de óleo, a cartucheira e a espingarda socadeira. 
 
O que lembra toda noite de cada vereda do torrão natal, de cada terreiro, de cada vaquinha (e até do timbre de cada chocalho), de cada São João, de cada apanha e debulha, de cada inverno e estiagem, de cada surra dos pais, do gosto de cada canapum de beira de caminho, de cada canto de passarinho, de cada relâmpago no nascente...
 
Um sertanejo triste que espera pacientemente um dia retornar para uma visita aos parentes, para enfim conhecer os que nasceram depois de sua partida, ou acender uma vela nas covas dos que já se foram.

***
Sou um daqueles que espera, mesmo que morto, um dia voltar.



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