segunda-feira, 14 de março de 2011

"Dimas Macedo e o Doce Lar das Letras", por Nilto Maciel para o Literatura sem Fronteiras


Minhas amizades com escritores cearenses se iniciaram em três etapas: até meados de 1977 (quando me retirei para Brasília); deste tempo até setembro de 2002 (período em que vivi na Capital Federal); e o depois disto. A primeira começou pouco antes do surgimento da revista O Saco: Airton Monte, Batista de Lima, Carlos Emílio, Gilmar de Carvalho, Jackson Sampaio, Oswald Barroso, Paulo Veras, Renato Saldanha, Rosemberg Cariry, Yehudi Bezerra e outros. Na segunda, sobretudo quando a Fortaleza vinha de férias, me aproximei mais de Adriano Espínola, Floriano Martins, Carlos Augusto Viana, Luciano Maia, Márcio Catunda, Nirton Venâncio e Rogaciano Leite Filho, participantes do grupo Siriará. A seguir, conheci Dimas Macedo. Não me lembro da apresentação, quem a fez, onde e quando. Pode ter sido numa das noitadas no Estoril. Não sei, pois bebíamos além do que sorviam os idólatras de Baco e, assim, quase todo o meu viver de então o arrastou o vórtice do olvido ou se afundou nas reentrâncias da memória.


Sei, porém, que é de 1980 a divulgação de seu primeiro conjunto de poemas – A distância de todas as coisas –, que me ofereceu e li, com deleite, quer à primeira refeição, quer a desoras, vésperas de calar a boca. E escrevi um artigo, publicado em jornais: “Poemas das Lavras de um poeta”. A seguir, em 1986, compôs o prefácio, intitulado “Contos picarescos e alegóricos”, para minha terceira coleção de contos: Punhalzinho cravado de ódio. Não sei se lhe pedi (devo ter pedido) tão grande favor. Se pleiteei, o fiz por ver nele não apenas o poeta, mas o crítico. Eu havia lido Leitura e conjuntura, de 1984, seu primeiro volume de artigos de análise literária. Estávamos amigos e enamorados, eu de sua poesia e seu modo de ver a Literatura, e ele, certamente, de minha prosa de ficção. Passamos a nos corresponder. Cartas longas e curtas, sempre cheias de notícias e comentários de livros. Veio, então, o tempo da revista Literatura. 1992. Convidei-o, desde a primeira hora, para fazer parte do conselho editorial e colaborar com artigos e poemas.


Dimas esteve duas vezes em minha residência de Brasília. Conversamos muito, ele a me pedir informações dos escritores de lá, a me falar dos de cá (sempre com elogios aos mais velhos, assim como aos novos) e de Fortaleza, cidade muito amada dele. Quando a nossa capital visitava, ele me conduzia, de carro, aos mais requintados bares e restaurantes, me apresentava a personalidades da política e das artes, a mulheres elegantes, a noviços das letras, como se eu fosse um príncipe exilado: Fulano, este é Nilto Maciel, o mais... Já ouvi falarem do senhor. Sim, mas não o conhecia de perto. Sempre solícito, sempre bem humorado, sempre muito educado. E sempre sabedor de tudo: de obras a serem publicadas, da biografia quer dos antepassados, quer dos contemporâneos, do folclore que forja a aura de muitos, das dificuldades financeiras deste, da opulência daquele.


Em Brasília, todos o sabiam de nome e de livros. Nem precisava apresentá-lo. Então este é Dimas Macedo? Não o imaginava tão jovem. Admiro demais a sua poesia, rapaz. Um dos melhores poetas do Ceará, terra de grandes escritores. E choviam elogios, que se repetiam muito depois de ele regressar às praias.


Nunca falávamos de política, futebol, mulher, religião, clima, ciência ou qualquer outro assunto que não fosse literatura. Como vai sua família? Não, isso não perguntávamos. Pois não éramos amigos. Nem o somos. Falo de amigos no sentido popular ou tradicional da palavra. Não contamos um ao outro nossos conflitos pessoais ou questões familiares, como costumam fazer os amigos. Não tratamos de confidências do tipo “apaixonei-me por fulana”. Não, isso não. Porque essas comunicações de segredos não as fazem os escritores. Não precisam disso. Elas são traduzidas em poemas, principalmente. Ou nas memórias. Somos, pois, amigos pela literatura ou nela.


Dimas exerce mais de uma atividade profissional, como quase todo escritor, e a elas se dedica com abnegação. Entretanto, se difere de seus colegas na divisão do ano. Seis meses jurista e professor, seis meses poeta e crítico. Chegado o tempo destes, abandona a cátedra, o fórum e o gabinete de procurador do Estado, e se consagra a ler e escrever, participar de lançamentos de livros, festas literárias, encontros, proferir palestras, frequentar bares, restaurantes e livrarias. E eu não sabia disso, por não viver na mesma cidade. Quando recebi carta dele, na qual comunicava seu afastamento temporário das lides literárias, tomei um susto: “Não me escreva até o final do ano, não me mande livros ou quaisquer outras publicações...” Pensei loucuras: o coitado deve ter sofrido imensa decepção. Enviei cartas a amigos para saber o motivo de tão esquisita decisão. Todos me deram a mesma explicação: Não se preocupe, Nilto. Ele é assim mesmo. Logo voltará ao nosso doce lar de ilusões. E voltava mesmo. Com o ímpeto de antes, nova reunião de poemas, novo conjunto de estudos, projetos e mais projetos.


E assim tem sido esse poeta magnífico, esse teórico de ampla visão, esse pensador de altos voos.

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