quarta-feira, 9 de março de 2011

"Coisas Engraçadas de Não se Rir III: O Bloco da Literatura Carnaval", crônica de Raymundo Netto para O POVO (9.3)



Deu-se o fantástico, o inopinado, o irreal: os escritores, quem o diria, decidiram se unir! É certo que o motivo nem não era tão literário assim. Queriam porque queriam apenas criar um bloco de carnaval, acredita? Pois senta aí, Cláudia. Na busca da visibilidade, da contemporização (égua!) de costumes e da divulgação de uma imagem moderna do escritor perante o seu público (eterno desconhecido), decidiram-no como estratégia de enfrentamento.
Assim, parecia lógico que a sede para um bloco de escritores deveria ser no Benfica. Mas não, não seria. “Como desprezar o salão do Ideal?” “Perasse lá, também se tinha o do Náutico”... “E o Passeio Público, está podre?” “No Raimundo dos Queijos!” “E a cachaça?” “Que cachaça o quê? Uísque, diretamente do Piripiri (latitude 04º16'24")!” “E a gente pode cheirar?” “Só se for o pescoço dos brotinhos.” “Brotinhos? E você quer ser moderno é assim?” Ai, meu são Machado, era a primeira, dentre outras, rusga da categoria. Mas deu-se como se deu: dia marcado, o metro quadrado da pracinha da Gentilândia era tomado por escritores foliões, uns em camisas florais com pescoços rodeados em florezinhas de plástico, outros com máscaras de demônios, ou com as suas bastantes, outros fantasiados de suportes de cerveja e os poetas marginais — e/ou genéricos — em tapas-sexo. Por questão de ordem, a comissão de frente criou os sub-blocos — instaurou-se a custosa desunião oficial —, entre eles: “Os Acadêmicos das Letras” (os poucos a comparecer desfilaram em corsos, com exceção do seu Nunes, cadeira mais cativa do sodalício, que vinha pulando feito um macaco, a xaxadear), “Bloco do AcadeMiado” (composto por para-acadêmicos, ou seja, os agourentos, aqueles que não são acadêmicos, mas anseiam como carniça pela “passagem” de mais um imortal), “Os Parnasianus” (de poetas que vivem no mundo etéreo, embora ocupem muito espaço na Terra), “Um dia eu Publico” (o mais numeroso dos blocos, todos com CDs e pen-drives nas mãos, repletos de obras – nunca com revisão – de qualquer gênero e para qualquer público), “Poetas de Quinta” (turma que se dá melhor em cadeiras do que caminhando, à frente um carnavalesco de meia-tigela), “Não me AFELCE Não...” (das mulheres escritoras, em perucas com “anteninhas” e óculos coloridos), “Anjos do Augusto” (de poetas que não são homens, nem mulheres, muito menos gays... se dizem “indiferentes”), “CordeLisos” (bloco dos cordelistas que, sem dúvida, aproveitaram para vender folhetos), “Hoje eu me LIVRO!” (de gente que se diz escritor, mas não escreve e vive metendo pau em quem o faz), além de outros que, por si só, já vivem em carnaval, como o “Poesia é o Escambau!”, “Bloco dos Pindaíbas” e os “Clubeanos do Bode” (tinha o estandarte mais bonito, criação do Au Rios), enfim, era gente de dar pau em doido, em pleno Sanatório Geral.
Arrumação feita, começou o desfile. Era uma ruma de gente estranha pulando, como se em câmera lenta – os modernos dizem slow motion – , com passinhos curtos e dedinhos apontando ao firmamento, em gangorra, com saquinhos de confetes coloridos, a rebolar serpentinas e sorrisinhos e a se divertir, no dizer do Eça, a valer! Porém, bodega aberta, a turma partia para o reabastecimento – e foi nessa que perdemos de vista o corso dos imortais, cujo paradeiro só se saberá, quiçá, na quarta-feira de Cinzas. Alguns mais animados ensaiavam cantadecos às estudantezinhas, umas gracinhas, a iludi-las de sua posição intelectual. Mas o escritor, coitado, traz de berço a maldição: a mocinha que se dá com desenvoltura e frequência a outrem, com ele, entretanto, só casando, ao que responde: “Eu não, posso não, quero não, minha mulher não deixa, não, quero não, posso não...”
A charanga soprava animadas marchinhas de carnaval tentando salvar o pouco do que restou do esvaziado cordão – em menos de dois quarteirões, parece ficção! –, quando a polícia baixou e recolheu tudo, pois, logo ali, os nossos marginais, agora com carteirinha, urinavam, lombravamente, na estátua do escandalizado dr. Zamenhof1
Kompatinda!


(1) Ludwik Zamenhof (1859-1917), o criador do Esperanto, a dita “língua universal”, cujo busto encontra-se mais perdido do que cego em tiroteio na pracinha enlouquecida  da Gentilândia.

3 comentários:

  1. Olá, Raymundo. Sobre esse texto, pus um breve comentário na própria página do O Povo.

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  2. Sérgio/Chico (puxa, essa duplicidade sempre me confunde...), li o comentário de "vocês" n'O POVO. Quantas dúvidas, hein? Fiquei ainda mais confuso... Ei... hã... rapazes, vocês são dois numa única cabeça, então eu poderia dizer que "vocês" são xicópagos...Ops, desculpem, xifópagos? Putz, temos que resolver essa relação!!! AAAAAAAA!!!!

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