quarta-feira, 2 de março de 2011

"Caminheiros", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO (3.2)



Desde que me entendo por gente gosto de caminhar. Minha mãe atesta que andei cedo, muito tempo antes de balbuciar as primeiras palavras. Desde então me tornei este ser estranho que vagueia pelas ruas de minha cidade, de preferência em surdina, assim meio de esguelha e pelo ladinho da sombra. Perscrutando conversas, bisbilhotando janelas, aparando (com o chinelão) arestas de pedras das coxias.


Um punhal em cada bolso, um medo em cada olho.


Sou um ser andante nesta cada vez mais difícil cidade motorizada. Quase um carro para cada habitante. Ou mais precisamente: quase um imbecil em cada carro. Velozes, apressados em suas fúrias insanas. Sem nenhum respeito vão levando vantagens pelas ruas afora, povoando não só as vias, mas as calçadas, povoando até quase o céu.


No anos 80 íamos, um grupo de estudantes, da cidade 2.000 ao Colégio São João, desbravando dunas quase virgens e contando os poucos prédios da Santos Dumont; nos 90, diversos moradores da Réu-125 saíamos da Paulino Nogueira, no Benfica, para assistir a shows no alambrado do Pirata, voltávamos de madrugada e conversávamos até quase de manhã na pracinha da Gentilândia.


Poucos companheiros ainda resistem, ainda batem estacas pelas vielas de seus bairros. Jorge Tufic desce a Conselheiro Tristão e vai aos correios despachar seus sonhos. José Alcides Pinto pernava por todo canto até ser colhido por uma motocicleta. O Poeta de Meia-Tigela desbrava a José Bonifácio no rumo do Assis da Gentilândia. Silas Falcão junta o Tauape ao Centro em poucos minutos. Jorge Magrinho desbrava ruas e avenidas despistando sombras. O doido Nélson costura o Benfica catando bitucas. Airton Monte persegue pombos imaginários pela Dom Jerônimo.


Não à toa são todos poetas.


Pedro Salgueiro. Contato: pedrosalgueiro64@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Um voo ligeiro de volta a um tempo de sonhos, desejos e paz. Até meados dos 80 eu caminhava, madrugada passiva, da Praia de Iracema - que abrigava o antigo Estoril e via as ondas marinhas beijar as "longarinas da ponte velha" - até a casa paterna, na Vila Santa Eliza, na Rua Padre Mororó, perto do Cemitério São João Batista. Era um percurso por onde se via o Cirandinha e, se a memória não me trai, o Comercial Clube. Era um percurso que subia o QG onde quiseram silenciar Bárbara de Alencar, passava pelo Passeio Público, olhava a Santa Casa, cruzava a Praça da Estação e seguia pela Castro e Silva até o destino acolhedor da casa número 13. Considero um tempo "onde ainda havia fadas", mesmo sem bondes. Não havia medos. Não havia a "difícil cidade motorizada". Não havia os "apressados em suas fúrias insanas". Havia a juventude, havia os sonhos, havia paz.

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