quarta-feira, 21 de abril de 2010

Bienal Internacional do Livro do Ceará - CONCLUSÃO

Foto: Marília Camelo (DN)

Uma multidão barulhenta, andando desordenada pra todos os lados, se esbarrando apressada demais para pedir desculpas. A imagem dificilmente seria a melhor para descrever algo desejável. No entanto, quem ama os livros (e mais ainda: pessoas lendo livros) vai entender a exceção. Foi esta a imagem da IX Bienal Internacional do Livro do Ceará, que ocupou o Centro de Convenções entre 9 e 18 de abril.
A festa do livro e da leitura terminou domingo, mais ou menos como começou, em grande estilo, ao som de rock. A diferença é que o show da Pequeno Cidadão, projeto que reúne Edgar Scandurra e Arnaldo Antunes, encheu o auditório de crianças, enquanto Erasmo Carlos, na abertura, atraiu um público eclético, no qual não faltaram representantes da terceira idade. Talvez por influência da música, o gênero rebelde por excelência, das guitarras altas, a Bienal de 2010 tenha sido assim, de multidões de pessoas que não tinham frescura de ficar juntas e de sentimentos à flor da pele.
Prós: Entre os acertos deste ano, destaca-se a seleção de nomes que o grande público conhecia. Claro que eu também gostaria que tivesse trazido aquele escritor, meu favorito e de injusta fama mediana. Claro que, quem já tem mais bienais no currículo, não deve ter achado muito interessante a volta de figurinhas já carimbadas. No entanto, a edição de 2008 provou ser infrutífero trocar um autor de massas por um ídolo mais restrito. Não é caso de um excluir o outro, mas de serem conjugados.
Na Bienal passada, a curadoria se insurgiu contra os escritores e editores que apelidou como "vedetes do discurso vazio". E foram tais vedetes que encheram os espaços de palestras, ainda que o vazio do seu discurso seja questionável. Velhos conhecidos do público cearense, como o escritor e quadrinista Ziraldo e o poeta Affonso Romano de Sant´Anna, mostraram que dominam como poucos a arte de agradar o público com discussões que muitos achariam enfadonhas: a leitura, o livro, a relação destes com a educação.

O que dizer diante de um auditório lotado para ver o também quadrinhista Mauricio de Sousa? Pode-se pensar: público por público, gurus de autoajuda e padres popstars também atraem multidões. No entanto, a relação que se viu era de outra ordem. Quem se apertou no auditório cheio para ver Mauricio não estava querendo encontrar aquele "macete" para se dar bem na vida, passar num concurso para o qual não se tem vocação, encher os bolsos de grana e se livrar num piscar de olhos das angústias que a vida traz. O que estava ali colocado era uma relação de afeto, construída no exercício da leitura.

O que dizer dos fãs (esta é a palavra) de Thalita Rebouças? Quantos tiveram como herói da adolescência um escritor? Sem ter lido uma linha da autora, me arrisco a dar-lhe os parabéns e um sincero "obrigado".
Houve ainda um admirável cuidado com os convidados cearenses. O bom bairrismo na hora de estabelecer a programação evitou grandes choques de programação, e que lançamentos e palestras das pratas da casa tivessem concorrentes.

Abriu-se, gratuitamente, espaço para as pequenas editoras do Nordeste e para os escritores independentes apresentarem seus produtos. Do lado dos escritores, não faltaram lançamentos (o que só evidencia a demanda de uma profissionalização no setor das editoras e da distribuição de livros no Estado).
Contras: Que a festa poderia ter sido melhor, nem o secretário da Cultura do Estado pode negar. Mas estas melhorias exigem um esforço coletivo, no qual não nos cabe apenas a cobrança.

Uma das maiores reclamações foi a respeito de estacionamento. De fato, não há espaço para tantos carros. Aliás, Fortaleza já não suporta tantas veículos. Contudo, bem pior do que não ter estacionamento, é ter um transporte público proibitivo. No que toca a prioridades, é mais urgente exigir melhorias neste serviço, que atende a uma maioria arrasadora, se compararmos motoristas e pedestres.
Outros problemas são menos ambíguos. Faltou educação e bom senso a muitos usuários, gente que fez escândalo na fila de Mauricio de Sousa porque a produção resolveu fazer uma segunda fila, para pessoas com necessidades especiais. Como também faltou para os que achavam que podiam jogar lixo no chão, que um esbarrão não precisa de um "desculpa!", e que podem falar alto sobre qualquer assunto quando se está numa palestra que não lhe agrada.
Para a Bienal de 2012, a produção precisa traçar melhores planos para atender o público. Precisa sair na frente nas negociações com as atrações e seus agentes para evitar surpresas desagradáveis como "não vai ter mais sessão de autógrafos", "só tantos vão ter acesso" e por aí vai.
É preciso uma melhor distribuição de atrações por espaço, para evitar públicos grandes em espaços pequenos e vice-versa. A alimentação também exige mais atenção: a oferta foi exígua, a qualidade ruim e o preço, salgado.
Às editoras e aos livreiros, falta ouvir melhor o público, sobretudo quanto aos preços. Ninguém quer comprar livros pelos mesmos preços dos shopping centers. Quem dá mais desconto, vende mais: simples assim.
Felizmente, nada que representasse um impedimento para quem quisesse garimpar bons livros na feira.
Estrutura: O grande problema da Bienal foi a casa que o abrigou. O Centro de Convenções ficou com pouco espaço para as pessoas e a venda de alimentos. Falta até uma geografia mais clara, que só não dava um nó na cabeça por conta da sinalização e do pessoal da produção.
No show do Pequeno Cidadão, as goteiras deixaram a chuva entrar de penetra no espetáculo. A acústica do espaço Memorial da Maria Moura, palco de palestras como a de Ziraldo, só atrapalhava a comunicação entre autor e público.

Resta torcer - e cobrar - para que o novo Centro de Convenções saia no prazo previsto. E que a próxima Bienal tenha um teto melhor para abrigar os calorosos amantes do livro e da leitura.


Por Dellano Rios (Diário do Nordeste)

Um comentário:

  1. Olá amigo escritor, tive a oportunidade de visitar a Bienal por 2 dias e senti em suas palavras a real sensação vivida por mim e por todos que ali passaram (multidão, barulho nas palestras, lanches caros e até quentes, estacionamento precário, entre outros), mas também fiquei contente ao encontrar o espaço para a literatura cearense com seus poetas, livros e declamações.
    Abraço, Cris Menezes!!

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