quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

"Demócrito Rocha, o pai d' O POVO: 93 anos


“(...) É no jornal que o povo encontra o seu pão espiritual de cada dia. O jornal descortina-lhe o mundo, vencendo distâncias. É a lanterna mágica do progresso. É a força propulsora e condutora das massas insatisfeitas, para as grandes reivindicações de seus direitos postergados pela cáfila absorvente dos magnatas de todos os tempos. Quando o povo geme escravo, entorpecido pelas algemas do cativeiro, indiferente à violência paralisante do grilhão, o jornal é o sangue novo, forte e generoso a nutrir-lhe as células dormentes, a despertar-lhe os neurônios amortecidos, a ondear-lhe, nas veias, a torrente vigorosa e enérgica da revolta. O povo precisa de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento. Eis por que surgimos...” (Editorial de Demócrito Rocha para o primeiro número do jornal O POVO, em 7 de janeiro de 1928)

 

Foi assim que, em 7 de janeiro de 1928, há 93 anos, surgia O POVO, a mais tradicional, democrática e conceituada folha do Ceará, na voz corajosa e ousada de Demócrito Rocha, seu sonhador-mor.

Como era bem de Demócrito, tanto o nome do jornal como o seu logotipo foram escolhidos por meio de concurso. Ele gostava de ouvir a “voz do povo”, e, durante o período que dirigiu o jornal, escrevia, fazia enquetes, criava outros concursos, provocava o leitor, ao mesmo tempo em que liderava o “banco da Opinião Pública”, um dos integrantes das “sociedades dos banquistas” — pequenas agremiações que nasciam em torno dos bancos da praça do Ferreira, reunindo membros de diversos segmentos da sociedade (jornalistas, poetas, comerciantes, professores, políticos, profissionais liberais etc.) a discutir de um tudo: das coisas mais importantes ao trivial anedotário.

Demócrito teve origem humilde, cedo ficou órfão e teve que trabalhar duro (aos 12, era operário), fortalecendo-se em caráter, idealismo e senso de justiça e liberdade. Assim, não temia o debate, ao contrário, se alimentava da polêmica, tinha gosto pela interatividade, pela participação popular, pela opinião de outrem.

As primeiras edições de O POVO saíram de uma impressora de segunda mão, na sede alugada no entorno da praça dos Leões. Já no segundo ano de jornal, Demócrito, também poeta e notável cronista, lançou o suplemento literário Maracajá, veículo que revelou os nossos autores modernistas para todo o Brasil (Rachel de Queiroz, Jáder de Carvalho, Mozart Firmeza, Mário de Andrade do Norte, Heitor Marçal, Edigar de Alencar, Suzana de Alencar Guimarães e o próprio Demócrito, sob o pseudônimo de “Antônio Garrido”, entre outros), numa época onde isso dificilmente aconteceria (alguns dos textos foram reproduzidos na Revista de Antropofagia de São Paulo, e há matérias sobre o Maracajá em diversos dos grandes jornais do país).

Justamente no primeiro aniversário de O POVO, em 7 de janeiro de 1929, Demócrito presentearia seus leitores com “O rio Jaguaribe é uma artéria aberta”, poema que o consagrou, sendo um dos mais representativos do modernismo cearense. Apaixonado pelas palavras, mesmo quando extinto o MaracajáO POVO continuou durante toda a sua existência, até hoje, sendo a grande janela da literatura.

Também foi Demócrito o criador do título e do sistema eleitoral do “Príncipe dos Poetas Cearenses”, quando na sua Revista Ilustrada (1924-1925), além de promover concursos de versos na rádio PRE-9, de João Dummar.

Li, há mais de 20 anos, um livro do jornalista Daniel Carneiro Job, que nos conta algumas histórias de Demócrito, entre elas, a de uma emboscada no centro da cidade, em 1927, quando por ordem do governador (presidente da província) Moreira da Rocha, 12 policiais o encurralaram e deram-lhe murros, pontapés e golpes de rebenques, afastando os populares, indignados diante da covardia, com ameaça de revólveres. Não bastasse, arrastaram-no, sangrando, a Photo Salles, na praça do Ferreira, para tirar uma “prova da eficiência da lição”... O jornalista, com 39 anos, foi levado nos braços do povo para sua casa, onde até a madrugada, diversas personalidades, amigos, representantes de entidades e/ou partidos políticos, além de professores e estudantes de odontologia (ele era cirurgião-dentista) uniram-se em oratórias e em vigília ao seu bravo porta-voz. Anos antes, em 1922, em represália ao seu apoio ao comitê de Nilo Peçanha e J.J. Seabra, recebeu notificação de transferência (atuava como telegrafista, à época) de Fortaleza ao Mato Grosso, o que só não aconteceu devido à intervenção de dom Manuel e de Antônio Sales.

Da mesma forma, perseguido pela polícia, foi ele, em 8 de outubro de 1930, a anunciar no Palacete Ceará (prédio da Caixa Econômica do Centro) a vitória da Revolução e a deposição do presidente Matos Peixoto, o “dançarino”, sendo levado nos braços do povo para o coreto da praça onde discursou sob aplausos efusivos: “Como um tubo de matéria fecal jogada ao monturo, caiu o governo podre que infelicitava o Ceará!”, bradava.

Em 2021, o jornal O POVO aniversaria: 93 anos, dia a dia, de histórias do Ceará, o seu maior acervo jornalístico, seja na cultura, na arte, na política, na economia, nos esportes, na ciência e em todas as demais áreas, além de consolidar o seu papel de grande prestador de serviços ao povo cearense.




 

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