“(...) É no jornal que o povo encontra o seu
pão espiritual de cada dia. O jornal descortina-lhe o mundo, vencendo
distâncias. É a lanterna mágica do progresso. É a força propulsora e condutora
das massas insatisfeitas, para as grandes reivindicações de seus direitos
postergados pela cáfila absorvente dos magnatas de todos os tempos. Quando o
povo geme escravo, entorpecido pelas algemas do cativeiro, indiferente à
violência paralisante do grilhão, o jornal é o sangue novo, forte e generoso a
nutrir-lhe as células dormentes, a despertar-lhe os neurônios amortecidos, a
ondear-lhe, nas veias, a torrente vigorosa e enérgica da revolta. O povo
precisa de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao
sentimento. Eis por que surgimos...” (Editorial de Demócrito Rocha para
o primeiro número do jornal O POVO,
em 7 de janeiro de 1928)
Foi assim que, em 7 de janeiro de
1928, há 93 anos, surgia O POVO, a mais tradicional, democrática e
conceituada folha do Ceará, na voz corajosa e ousada de Demócrito Rocha, seu sonhador-mor.
Como era bem de Demócrito, tanto o
nome do jornal como o seu logotipo foram escolhidos por meio de concurso. Ele
gostava de ouvir a “voz do povo”, e, durante o período que dirigiu o jornal,
escrevia, fazia enquetes, criava outros concursos, provocava o leitor, ao mesmo
tempo em que liderava o “banco da Opinião Pública”, um dos integrantes das
“sociedades dos banquistas” — pequenas agremiações que nasciam em torno
dos bancos da praça do Ferreira, reunindo membros de diversos
segmentos da sociedade (jornalistas, poetas, comerciantes, professores,
políticos, profissionais liberais etc.) a discutir de um tudo: das coisas mais
importantes ao trivial anedotário.
Demócrito teve origem humilde, cedo
ficou órfão e teve que trabalhar duro (aos 12, era operário), fortalecendo-se
em caráter, idealismo e senso de justiça e liberdade. Assim, não temia o
debate, ao contrário, se alimentava da polêmica, tinha gosto pela
interatividade, pela participação popular, pela opinião de outrem.
As primeiras edições de O
POVO saíram de uma impressora de segunda mão, na sede alugada no
entorno da praça dos Leões. Já no segundo ano de jornal, Demócrito, também poeta
e notável cronista, lançou o suplemento literário Maracajá, veículo
que revelou os nossos autores modernistas para todo o Brasil (Rachel de
Queiroz, Jáder de Carvalho, Mozart Firmeza, Mário de Andrade do Norte, Heitor
Marçal, Edigar de Alencar, Suzana de Alencar Guimarães e o próprio Demócrito,
sob o pseudônimo de “Antônio Garrido”, entre outros), numa época onde isso
dificilmente aconteceria (alguns dos textos foram reproduzidos na Revista
de Antropofagia de São Paulo, e há matérias sobre o Maracajá em diversos dos grandes jornais do país).
Justamente no primeiro aniversário
de O POVO, em 7 de janeiro de 1929, Demócrito presentearia seus
leitores com “O rio Jaguaribe é uma artéria aberta”, poema que o consagrou,
sendo um dos mais representativos do modernismo cearense. Apaixonado pelas
palavras, mesmo quando extinto o Maracajá, O POVO continuou
durante toda a sua existência, até hoje, sendo a grande janela da literatura.
Também foi Demócrito o criador do
título e do sistema eleitoral do “Príncipe dos Poetas Cearenses”, quando na sua
Revista Ilustrada (1924-1925), além
de promover concursos de versos na rádio PRE-9, de João Dummar.
Li, há mais de 20 anos, um livro do
jornalista Daniel Carneiro Job, que nos conta algumas histórias de Demócrito, entre
elas, a de uma emboscada no centro da cidade, em 1927, quando por ordem do governador
(presidente da província) Moreira da Rocha, 12 policiais o encurralaram e
deram-lhe murros, pontapés e golpes de rebenques, afastando os populares,
indignados diante da covardia, com ameaça de revólveres. Não bastasse,
arrastaram-no, sangrando, a Photo Salles, na praça do Ferreira, para tirar uma
“prova da eficiência da lição”... O jornalista, com 39 anos, foi levado nos
braços do povo para sua casa, onde até a madrugada, diversas personalidades,
amigos, representantes de entidades e/ou partidos políticos, além de
professores e estudantes de odontologia (ele era cirurgião-dentista) uniram-se
em oratórias e em vigília ao seu bravo porta-voz. Anos antes, em 1922, em
represália ao seu apoio ao comitê de Nilo Peçanha e J.J. Seabra, recebeu
notificação de transferência (atuava como telegrafista, à época) de Fortaleza
ao Mato Grosso, o que só não aconteceu devido à intervenção de dom Manuel e de Antônio
Sales.
Da mesma forma, perseguido pela
polícia, foi ele, em 8 de outubro de 1930, a anunciar no Palacete Ceará (prédio
da Caixa Econômica do Centro) a vitória da Revolução e a deposição do
presidente Matos Peixoto, o “dançarino”, sendo levado nos braços do povo para o
coreto da praça onde discursou sob aplausos efusivos: “Como um tubo de matéria
fecal jogada ao monturo, caiu o governo podre que infelicitava
o Ceará!”, bradava.
Em 2021, o jornal O POVO aniversaria:
93 anos, dia a dia, de histórias do Ceará, o seu maior acervo jornalístico,
seja na cultura, na arte, na política, na economia, nos esportes, na ciência e
em todas as demais áreas, além de consolidar o seu papel de grande prestador de
serviços ao povo cearense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário