Susanabela nem não acreditava, senão o homem do noticiário
insistia: “Papai Noel estará neste domingo no shopping, aquele mesmo pertinho
de você!”
Por
trás dos olhos arregalados soluçava a duvidar do aparelho de TV: “Ele? Aqui?”
Trazia,
no pouco mais de trinta anos, uma beleza sofrida e esquiva. Após ser largada
por Genésio, o único e infeliz amor de sua existência, que a trocou
justamente pela irmã, a caçula, decidira largar de vez a sua cidadezinha de
sempre e buscar sustento em casa de família na capital, à custa da necessidade,
rotinando as únicas prendas de sua vida: varrer, lavar, passar e cozinhar.
Fazia
apenas alguns meses. Morava num quartinho reversível dos fundos, ao lado da
área de serviço, por trás do tanque. Sem família, sem amigos, sem ninguém,
abria mão até dos finais de semana, simplesmente por não ter, ou saber, o que
fazer fora dali. Não besta, a patroa a explorava carinhosamente, rasgando-a de
cínicos elogios toda vez que a surpreendia passando as roupas no perfeito
domingo, de costas para o café da manhã bem-posto, inda quentinho, na mesa de
vista para o céu mais azul e livre deste mundo.
Mas
naquele domingo, não. A patroa acordou de cara emburrada, estranhando a
empolgação da empregada no enfeito em tamancos, e o nada de café nem de janela
azul.
“É
namorado, não é? Olhe, tome cuidado com os rapazes daqui, Susanabela. Só querem
mesmo é tirar uma casquinha... E você, me desculpe, é uma tonta!”
“É
hôme não, dona Rubi. Deus me alivre. É mais que isso... é um sonho!”
Não
ouvia, pois estava cheia de seus próprios sons. A patroa resmungava: “Serviço
bom como este aqui vai ser difícil conseguir outro, visse?”
Susanabela
quase abria os portões do shopping. Desfiava conversa com o segurança, os
zeladores e taxistas. Mais ansiosa que caldeira de trem, numa felicidade
estranhamente sincera, perguntava: "Vocês não vão falar com o Papai Noé,
não?"
Riam-se.
Entre eles, apontavam para ela, meneavam a cabeça: “Não pode ser desse mundo.”
Com
pouco, a fila se esticou de crianças e de pais sonolentos de boa vontade. Ao
fim, chegava ele, o tal Noel, passando por ela num acolchoado encarnado e
luminoso sem dar-lhe a mínima atenção, rumo ao seu trono. Ela, a primeira da
fila, postava-se passiva e trêmula, enquanto as ajudantes do velhote lhe
perguntavam pelos filhos: Não os tinha.
Daí,
o canastrão, desconfortavelmente sentado na poltrona decorada, pôs-se ao papel,
lançando um afônico Hou-hou-hou e chamando Susanabela: “E
então, minha filha, o que você quer de seu Papai Noel?” Era o que faltava.
Susana livrou-se dos tamancos, saltou em seu colo, beijou o blush de
seu rosto e, num abraço caloroso e fatal, sussurrou-lhe ao ouvido: “O senhor se
alembra quando eu pedi uma irmãzinha? Agora quero que você morra ela.... Morra
ela, pra mim, Papai Noé, por favor!”