Meu
pai achava que filhas, erámos seis, para sair de casa teriam que estar
acompanhadas dele ou da minha mãe. Papai era um homem autoritário, com
princípios rígidos de honestidade e “machistas”. Mamãe, mulher determinada,
muito amável e carinhosa, orientava as filhas a obedecerem e ela aparentemente
obedecia.
Imitando Clarice Lispector vou contar de
um passeio da minha infância. Foi nos idos dos anos cinquenta e sessenta do
século passado, mas é como se fosse ontem. Meu pai combinava com minha mãe o
passeio. E naquele dia iríamos conhecer a Salina do Diogo, no Sítio Antônio
Diogo, Salina Barra do Cocó, que não era bem na praia e, sim, no Mangue do Rio
Cocó. A estrada carroçável acolhia com uma poeira vermelha os poucos carros que
ali passavam. O caminhão parava e a meninada, pois a rua toda era convidada,
aos gritos de alegria, pulava da carroceria em busca da felicidade, ouvindo as
vozes dos adultos dizendo: cuidado, cuidado.
Dirigíamos para a Ponte do Rio Cocó, onde
teríamos a melhor visão e ali também a grade de madeira viria a nos proteger. O
sol pousava contrário à nossa vista. Ficávamos ali por umas duas horas,
apreciando, correndo e arengando. Papai e mamãe cansavam logo. De volta para
casa era só fome e enfado.
Hoje, lembro aqui a imagem daquele mar de
sal, tudo branquinho, ligando-se com o azul do céu no limite do horizonte,
essas cores divinas elevavam a alma. O verde do mangue emoldurava a paisagem em
cores de realidade. Distante de nossa visão, alguns homens se moviam fazendo
não sei o quê, mas com certeza naquele sol nosso de cada dia não seria leve o
trabalho.
Impossível falar desse momento da minha
vida sem lágrimas a banharem meu rosto. Não só pela lembrança de uma infância
feliz, e pensar que muitas crianças ontem e hoje não a tiveram, mas porque nesse
lugar tomou assento o concreto de construção de um empreendimento comercial. É
ali nas terras ocupadas pelo Shopping Iguatemi (“Da Salina do Diogo ao shopping
de sua vida”).
Na época, por volta dos anos setenta, houve
manifestação contra a construção, mas sem resultado. Por sinal, há pouco tempo
houve um grande movimento em defesa da natureza e da vida, com manifestações
conflituosas para impedir mais uma vez agressão ao meio ambiente. De novo não
tivemos bons resultados e o viaduto exuberante se exibe aos olhos dos que ali
passam e até dele se utilizam.
“De noite eu ia dormir”, voltando a
história do passeio, com aquela linda imagem de brancas nuvens de sal cobrindo
todo o mangue até que adormecia e sonhava com toda aquela folia do passeio.
Acordava no outro dia com o pensamento viajando, aguardando o novo passeio.
“A quem devo pedir que na minha vida se
repita a felicidade?”
Sempre. Sempre. Nas lembranças da infância
e nas vivências do dia a dia descobrindo a beleza e o amor na visão madura e
sábia do presente.