Publicado originalmente em O POVO, em
março de 2011
Deu-se o
fantástico, o inopinado, o irreal: os
escritores, quem o diria, decidiram se unir! É certo que o motivo
nem não era tão literário assim. Queriam porque queriam apenas criar um bloco
de carnaval, acredita? Pois senta aí, Cláudia. Na busca da visibilidade, da
contemporização (égua!) de costumes e da divulgação de uma imagem moderna do
escritor perante o seu público (eterno desconhecido), decidiram-no como estratégia
de enfrentamento.
Assim, parecia lógico que a sede para um bloco de
escritores deveria ser no Benfica. Mas não, não seria. “Como desprezar o salão
do Ideal?” “Perasse lá, também se tinha o do Náutico”... “E o Passeio Público,
está podre?” “No Raimundo dos Queijos!” “E a cachaça?” “Que cachaça o quê?
Uísque, diretamente do Piripiri (latitude 04º16'24")!” “E a gente pode
cheirar?” “Só se for o pescoço dos brotinhos.” “Brotinhos? E você quer ser
moderno é assim?” Ai, meu são Machado, era a primeira, entre outras, rusga da
categoria.
Mas deu-se como se deu: dia marcado, o metro
quadrado da pracinha da Gentilândia era tomado por escritores foliões, uns em
camisas florais com pescoços rodeados em florezinhas de plástico, outros com
máscaras de demônios, ou com as suas bastantes, outros fantasiados de suportes
de cerveja e os poetas marginais – e/ou genéricos – em tapas-sexo. Por questão
de ordem, a comissão de frente criou os sub-blocos – instaurou-se a custosa
desunião oficial –, entre eles: “Os Acadêmicos das Letras” (os poucos a
comparecer desfilaram em corsos, com exceção do seu Nunes,
cadeira mais cativa do sodalício, que vinha pulando feito um macaco, a
xaxadear), “Bloco do AcadeMiado” (composto por para-acadêmicos, ou seja, os
agourentos, aqueles que não são acadêmicos, mas anseiam como carniça pela
“passagem” de mais um imortal), “Os Parnasianus” (de poetas que vivem no mundo
etéreo, embora ocupem muito espaço na Terra), “Um dia eu Publico” (o mais
numeroso dos blocos, todos com CDs e pen-drives nas mãos, repletos de obras –
nunca com revisão – de qualquer gênero e para qualquer público), “Poetas de
Quinta” (turma que se dá melhor em cadeiras do que caminhando, à frente um
carnavalesco de meia-tigela), “Não me AFELCE Não...” (das mulheres escritoras,
em perucas com “anteninhas” e óculos coloridos), “Anjos do Augusto” (de poetas
que não são homens, nem mulheres, muito menos gays... se dizem “indiferentes”),
“CordeLisos” (bloco dos cordelistas que, sem dúvida, aproveitaram para vender
folhetos), “Hoje eu me LIVRO!” (de gente que se diz escritor, mas não escreve e
vive metendo pau em quem o faz), além de outros que, por si só, já vivem
em carnaval, como o “Poesia é o Escambau!”, “Bloco dos Pindaíbas” e os
“Clubeanos do Bode” (tinha o estandarte mais bonito, criação do Au Rios),
enfim, era gente de dar pau em doido, em pleno Sanatório Geral.
Arrumação feita, começou o desfile. Era uma ruma de
gente estranha pulando, como se em câmera lenta – os modernos dizem slow
motion –, com passinhos curtos e dedinhos apontando ao firmamento, em
gangorra, com saquinhos de confetes coloridos, a rebolar serpentinas e
sorrisinhos e a se divertir, no dizer do Eça, a valer! Porém,
bodega aberta, a turma partia para o reabastecimento – e foi nessa que perdemos
de vista o corso dos imortais, cujo paradeiro só se saberá, quiçá, na
quarta-feira de Cinzas. Alguns mais animados ensaiavam cantadecos às
estudantezinhas, umas gracinhas, a iludi-las de sua posição intelectual. Mas o
escritor, coitado, traz de berço a maldição: a mocinha que se dá com
desenvoltura e frequência a outrem, com ele, entretanto, só casando, ao que
responde: “Eu não, posso não, quero não, minha mulher não deixa, não, quero
não, posso não...”
A charanga soprava animadas marchinhas de carnaval
tentando salvar o pouco do que restou do esvaziado cordão – em menos de dois
quarteirões, parece ficção! –, quando a polícia baixou e recolheu tudo, pois,
logo ali, os nossos marginais, agora com carteirinha, urinavam, lombravamente,
na estátua do escandalizado dr. Zamenhof1.
Kompatinda!
(1) Ludwik Zamenhof (1859-1917),
o criador do Esperanto, a dita “língua universal”, cujo busto encontra-se mais
perdido do que cego em tiroteio na pracinha enlouquecida da Gentilândia.