segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Lançamento "Bailarinos", contos de Airton Monte, 2 de setembro
domingo, 29 de agosto de 2010
"Fawcett", de Colin e Diniz, editora Nona Arte
Recebi — e já li — Fawcett, belíssimos quadrinhos em bom e velho P&B, ilustrado pelo mestre Flavio Colin (1930-2002) e roteirizado por André Diniz (1975), uma publicação que completa 10 anos, pela editora Nona Arte, especializada em quadrinhos e com diversos títulos premiados.
A história se passa na selva amazônica, 1925. O Cel. Percy Harrinson Fawcett, do Exército Britânico, e sua minúscula expedição de dois homens (um guia brasileiro e seu filho, o misterioso Jack) e dois cães, procuram pela legendária cidade perdida dos sobreviventes de Atlântida, índios de pele branca e cabelos ruivos.
A História, na vida real, registra que a expedição nunca mais voltou ou dela sequer se teve notícias. A história de Diniz, porém, quebra o silêncio e revela, num roteiro inteligente, a saga de um Fawcett encontrado por uma tribo de índios e forçado a casar-se com a pajé, e irmã do cacique, Pythia, a contragosto de ambos. A obcessão de Fawcett o faz tentar, mesmo assim, de todas as maneiras chegar à Muribeca, El Dorado, ou seja qual for o nome de tal civilização.
Uma mistura de aventura, suspense, mitologia e coragem. Uma receita de sucesso para segurar o leitor atento. Tudo isso, claro, devidamente ilustrado pelo traço original e artesanal desse carioca que esculpe em quadrinhos e que faleceu dois anos depois dessa publicação.
Sou fã do trabalho do Colin, desde que li, uma primeira vez, O Boi das Aspas de Ouro. Colin era um grande leitor e, acreditem, isso faz a diferença. Aliás, um bom exemplo para os nossos futuros quadrinhistas.
Creio que essa também é a boa fórmula experimentada pelo inquieto André Diniz que traça uma carreira sustentável nos quadrinhos por meio de muita pesquisa, leitura, investigação e, claro, de talento.
Quem quiser saber mais sobre o trabalho do André Diniz, dos títulos disponíveis para aquisição pela Editora Nona Arte e outros:
www.nonaarte.com.br
adiniz@nonaarte.com.br
P.S: Acabo de saber, pelo próprio André, que a Fawcett tem previsão de reedição pela DEVIR ainda este ano!
"O Encontro", conto poema de Chico Araújo para o Celeiro de Escritores.
O ENCONTRO
(um olhar para dentro da noite)
Sentou-se à margem do rio, ainda a noite a perdurar.
Naqueles dias havia lua, e o caminho de luz, riscando a água, iluminava a paz do lugar. Atrás de si, a mata resistindo e, além dela, a cidade crescida. À sua frente, após o frágil ondular das águas ao sopro manso do vento constante, nova mata, esta quase virgem, tocada apenas pelo dócil homem, ainda não por sua inteligência rebentadora de progresso. À sua direita, o vasto mundo que trazia o rio em descida de quilômetros acima, de onde o olhar não alcançava nem de dia; à sua esquerda, as águas que dançavam para seus olhos deixavam-se seduzir e acolher pelo mar, desfazendo-se/ampliando-se. Acima, as estrelas. Em tudo, o reverberar humilde daquilo que é sossego, o soar contínuo do canto noturno, entoado por seus intérpretes naturais.
Frio. Sem prudência, deixara qualquer agasalho em casa. Encostou as pernas dobradas ao peito e determinou-se abraçá-las por muito tempo, o queixo segurando a firmeza do olhar sobre os joelhos. Olhava. Um olhar além?
Dez anos. Quanta coisa mudou por aqui...
Agora era uma sensação estranha, uma dor-prazer por estar ali. Não havia pressa, nem nele nem na noite que estava bela, desavergonhadamente bela. E então o sorriso veio vindo devagarinho, passo a passo, de longe, muito longe. Surgiu aos poucos, como de fato poderia surgir. E era lindo... Tal qual a noite, um convite à entrega de uma busca que se fazia presente há tempos. Eterna.
Não havia espera dele, havia vontade a sete chaves dela emergindo sabe-se lá de onde, contanto que viesse, de uma vez ou aos poucos, não importava... Não, importava sim, deveria ser caminho que convida, dúvida-certeza que tomasse de conta devagar, instaurando a ambígua angústia de amar e não ter a certeza de que ama, de ser amado e jamais saber-se assim.
Chegou, por fim, não como queria, mas como ele sabia que deveria chegar... Devagar... Devagar... Até tornar-se forma, quase vida existindo de tão puro sopro de saudade verdadeira. O branco com que se vestia, fino, leve, destacava o corpo bem feito e cheio do viço de que só é capaz a juventude. Era linda. Sim, ainda era linda.
— Como você é...
A frase emocionada foi interrompida pelo indicador suave e carinhoso que pedia o silêncio dos lábios. Tantas vezes agira assim! Ele atendeu-a e quase beijou-a docemente na mão que já fugia. O sorriso que brilhava nos lábios – um contínuo cântico de paz. Por que ele estava inquieto? Sabia que daquele encontro em pouco tempo levaria mais saudade. Ela não poderia ter vindo para ficar! Sentou-se colada a ele sorrindo, pacífica, quase verdade na noite de estrelas e lua amante de brilho intenso beijando o rio e o mar que se encontravam mais adiante.
Mar e rio se encontrando – cumplicidade natural.
Ela estava ali, mas quando quis beijá-la, ela pôs-se de pé e olhando-o e sorrindo começou a valsear em volta dele, alegre, fugidia. Sua pele alva não expressava nenhuma dor, nenhuma amargura. Estava, de fato — via-se — em paz. Enquanto o branco do vestido era uma dança sem par na noite de lua e estrelas, vento e brisa marinha conspiravam para que se colasse cada vez mais àquele corpo em movimentos quase de volúpia insuspeita.
Os seios rijos, as coxas densas, o ventre... A dança...
— Estivemos aqui tantas vezes, lembra? E esse bailado que agora é só teu, já o bailei também. Gostávamos sempre de vir para cá por causa da solidão, por causa da paz. Ardíamos, lembra-se? Éramos fogo uno cuja brasa ardia em movimentos violentos que nos sacudiam para explodirmos tempos depois. Esses teus olhos claros nunca perderam o brilho. E os teus cabelos longos... Ainda escondo meu rosto dentro deles.A tua boca... Ah, a tua boca...
O ar da noite trouxe, de repente, o aroma de rosas.
As lágrimas começaram a cair enquanto a dança mais e mais e mais e mais rápida volteava o tecido fino branco bem perto bem perto bem perto o cheiro dela invadindo-lhe as lembranças e acordando-lhe os desejos as lágrimas a dança o branco roçando-lhe a memória o sorriso as pernas o ventre o ventre o ventre...
A noite era realmente linda! Uma lua jamais antes, as estrelas intensas em brilho conspirativo, o mar se encorpando do rio que agora descia forte e rápido de longe e corria forte e ele... E ela... Ela nesse instante mais próxima do rio, ele, de pé, em busca dos passos dela. A nossa cidadezinha, lembra? Pequenininha e pacata, só amizade e respeito de todos por todos. Agora está com pose de cidade grande, muitas lojas comerciais, muitos hotéis, muito turismo, é gente indo e vindo o tempo todo, de todo lugar. Só há um pouco de tranquilidade à noite, como agora. Acho que não me acostumo mais aqui, a não ser que você... Como eu a amava! E ainda a amo, ouviu!? A dança. Nós ainda nos amamos? Diz, ainda nos amamos? A dança a dança a dança... As lágrimas...
O urro intrépido não interrompeu a dança da moça no vestido branco que girava girava girava volteando agora sobre si mesma enquanto ele estendia a mão para alcançá-la mas ela escapava dançava rodopiava fugia sem ser tocada veloz veloz veloz veloz...
Jogou-se de joelhos na areia molhada do rio. Já faz dez anos! A água que vinha cada vez mais correnteza forte molhou-lhe dos joelhos aos pés. Viu que as pernas dela também se encharcavam enquanto o ritmo com que ela se movia aumentava-lhe a aflição. Ela sorrindo sorrindo sorrindo... Um olhar sereno, firme, brilhante... As mãos desenhando no ar imagens que só ela sabia de tão leves de tão mansas de tão etéreas...
Ele tentava alcançá-la, mas ela sempre rodopiando e fugindo, sorrindo sorrindo sorrindo... As estrelas no céu começaram a luzir distantes, também fugidias. Ele a olhava e compreendia que sua saudade não o deixaria enquanto com ela não estivesse. O rio avançava para o mar e se alargava para as margens. A lua escondia-se pelo sol. A noite iria sumir-se no dia. Ele lançou-se no rio, deixando-se levar pela correnteza que dançava uma dança frenética, sedutora, voluptuosa, branca, com cheiro de rosas...
Do único hotel próximo ao rio, por uma vidraça cujo tempo respeitou, um casal jovem olhava o rio naquela manhã, abraçados, felizes por aquele momento. Estavam molhados, e os cabelos longos e claros dela realçavam a beleza brilhante dos olhos claros sorrindo sorrindo sorrindo...
sábado, 28 de agosto de 2010
Programação Gratuita da Biblioteca Dolor Barreira (30 e 31 de agosto)
Encontro com o Escritor
DIA 31 DE AGOSTO, ÀS 14 HORAS
Encontro que proporciona aos participantes um contato direto com um escritor ou ilustrador, permitindo uma troca de ideias entre um artista e seu público. Na conversa, o autor fala sobre sua trajetória artística e sobre o processo de criação de suas obras. No fim, há sorteio de livros.
Autor: Rafael Limaverde
O livro: Pelos caminhos de Nuestra América
O autor: Artista plástico e ilustrador de livros infantis. Paraense de nascença e cearense de coração. Leitor assíduo das poesias escritas nas estradas. Explorador de boas estórias e sorrisos. Colecionador de amigos, alegrias e saudades. Apaixonado pela América Latina, continente de dores e delícias. Assim é Rafael Limaverde.
O livro: Pelos Caminhos de Nuestra América é um livro produzido a partir do diário de bordo, escrito durante a viagem de dois anos feita por Rafael Limaverde em sua passagem por 16 países latino americanos. Traz além das experiências do viajante, notas sobre fatos histórico-culturais e poéticos, ilustrações, mapas e impressões sobre esses “lugares de passagem”.
Um fim de tarde. Chá e biscoitos. Literatura. Essa é a proposta do Chá de Palavras, bate-papo com um convidado que acontece na Biblioteca Dolor Barreira. No menu, escritores, poetas, ilustradores, professores, músicos, cineastas, diretores, atores, ou seja, artistas que trabalham da palavra, batem um papo com o público sobre sua trajetória e sua relação com a linguagem, ultrapassando os limites didáticos da Literatura e buscando relacioná-la com outras formas de dizer, de pensar, de ser.
Dança, palavra e construção poética
Nos passos da palavra? Ou na palavra dos passos? Andrea Bardawil conversa com o público as relações entre as poéticas da literatura e da dança, através de um diálogo sobre seus trabalhos que tiveram inspiração em obras literárias, abordando também essa experiência no contexto geral da dança cearense.
A artista: Andrea Bardawil é coreógrafa, diretora da Cia. de Arte Andanças e uma das integrantes do Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção.
Informações e Contatos:
Diretora - Bibliotecária: CRB/3 Reg. 424.
Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira
Equipamento da Secretaria de Cultura de Fortaleza - SECULTFOR
Fone/fax: (85) 3105-1299
bibliotecadolor@yahoo.com.br
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
"Majornada Cearense", crônica de Raymundo Netto para O POVO (27.8)
Para ler a crônica n'OPOVO virtual: http://digital.opovo.com.br/reader2/
Finalmente! Estava já incomodado com a equívoca ideia que imprimi ao Lustosa da Costa de que não aceitava-lhe a companhia para almoço, repetidas foram as recusas involuntárias justificadas sempre à imprevisível agenda de escravo branco.
Marcamos o encontro no Centro, é claro, e fiel aos bons costumes, pensava em almoçarmos no L’Escale, restaurante de vista patrimônica, um dos poucos em que se pode sentir nos pés os luminosos estalos de soalhos tabuados. Entretanto, ao transpor a lateral do corredor da sacristia da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, gritos desesperados nos tomaram reparo:
— Tirem-me daqui, vamos! Quero sair... Exijo! Sou Comandante do Batalhão dos Nobres... Abram! Abraaaam!!!
Entreolhamo-nos e, curioso, Lustosa entrou com vagar na igreja, dando de cara com o Paulinho, agente pastoral, que girava de maneiras de peão a coçar a cabeça confusa.
— Que é que está acontecendo aqui, homem? — perguntou o Lustosa.
— É o Major... Ai, meu Deus... Amanheceu hoje com a macaca! Ai, meu Deuuuus...
Sim, gentis ledores, para quem não sabe, o Major Facundo, ex-Vice-Presidente da Província — ser Vice já não é fácil, imagine um ex-Vice... — aquele mesmo que emprestou seu nome à antiga rua da Palma, a que embeiça a praça do Ferreira, encontra-se sepultado ali, em pé, numa parede fria da igreja, de vistas ao Palácio da Luz, antiga sede do Governo do qual era servidor. Dos 168 anos que lá habita, até o presente, comportou-se disciplinarmente, sem incomodar os que pela nave arrastam joelhos em troca da serena paz de flores de lis, paz esta que, ao que parece, o Major não compartilha.
Por detrás de um bloco adornado artesanalmente em mármore e pedra sabão de Lisboa, encontra-se o corpo, velado pelo texto em letras de tipos variados, quase como a enredar um enigma:
“AQUI JAZEM/ OS RESTOS MORTAES/ DO MAJOR/ JOÃO FACUNDO/ DE CASTRO MENEZES/ VICE PRESIDENTE DA PROVÍNCIA/ ASSASSINADO/ A 8 DE DEZEMBRO DE 1841/ SENDO PRESIDENTE/ JOSÉ JOAQUIM COELHO./ NASCEO AOS 12 DE JULHO/ DE 1787.
TRIBUTO D’AMISADE/ DA SUA INFELIZ ESPOSA/ D. FLORENCIA D’AND[R]ADE/ BEZERRA E CASTRO/ A 8 DE DEZEMBRO DE
Ao passar levemente a mão no friso dourado que contorna a lápide, não sei como, mas devo ter acionado alguma trava secreta: uma porta rangedora se abriu e, com ela, uma mal cheirosa e encofrada poeira do tempo escapou. O Paulinho, com as mãos à cabeça raspada, correu atrás de um rodo: “O chão, o chão!!! Ai, meu Deeeuuuss... O Majooor!!!”
Assistimos então ao trôpego militar que saía, coitado, com um chapelão emplumado bamboleando sobre uma têmpora — a outra foi perdida no “acto delitoso que o victimou” —, o quase não-pescoço posto em forro por babados amarelados pousados à larga lapela azul, a sacudir a areia fininha que escorria pelas dragonas. Ainda assim, bateu continência ao Lustosa, conjecturando, em solene ato, estar de cara com um general. Não rogado, o Lustosa que o observava atento, colocou as mãos pacientes às costas:
— Descanse, meu filho, descanse... Mas me conte: o que te deu para depois de tanto tempo estar assim tão alterado?
— Desculpe-me, senhor, impacientei-me. Não sou homem de ficar parado. Gosto de trabalhar e tempos há que espero, ansioso, a pátria convocação.
— Mas você morreu, cristão... Que diabos ainda quer por aqui, criatura?
O pobre oficial qual sabia o que queria; vertia areia por todo poro, desculpava-se amiúde e, por um momento, ateve-se apenas a desembaraçar os braços à luz, afora da janela, sorrindo, ao senti-la desbridar-lhe o mofo. Vez ou outra o pobre Major engolia seus pensamentos — ou meio pensamentos — e ficava tanto que abestado... Não proferia duas palavras não fosse uma “casa”. Ora, o cadáver, numa crise pós-existencial alegórica platônica, não perdera seu costume provinciano e decidira rever sua casa. Tivemos que levá-lo, cruzando a praça dos Leões que, já acostumada a todo o tipo de “arrumação”, nem ligava para a figura espantalhesca do Major... É claro, eu sabia que a nossa Fortaleza — que tem a tradição de não ter tradição — não se trairia, e por certo haveria de ter posto abaixo a casa do Major. Deveras, passamos algum tempo ali, na Major Facundo com a São Paulo, à esquina, onde a tintura da memória desenhava-lhe uma imagem querida. Acocorado à calçada — era de dar dó —, o Major desfiava a fatídica noite: Estava ele e a esposa concluindo o jantar, às 8 h, quando deram por recostar-se a uma das sacadas que dava para a Palma. Era noite sem luar, negrume à rua. A Florência inda conseguira perceber na esquina da frente, no meio de entulhos, estranho cintilar. Quase conseguia alertar o marido quando o disparo se deu. Por um pouco, os estilhaços da carga do bacamarte não deram fim também à mulher. Tragédia. Antes, sofrera outras emboscadas, na rua da Ponte e na praça da Carolina, mas escapara. Por um és-não-és, escapara... Lamentava o som daquele tiro que não lhe deixava mais o ouvido. Chorou, por único olho, uma gosma amarelada, ralinha, granulada de areia.
O Lustosa acompanhava o relato com poucas falas. Como repórter que é, não resistia a interrogar o Major que, de vezes, o respondia:
— Ô, Joazinho, é verdade que seu partido colocou arsênico na água dos deputados?
— Era apenas tártaro emético, General. — exclamou de pronto, ainda crendo general o colunista. — Ideia do Dr. José Lourenço. Eu que nem sabia disto... Fechou a Assembleia. Foi um Deus nos acuda... Mas, mudando de assunto, e os meus assassinos? foram presos? condenados? morri em vão?
Expliquei ao pálido aracatiense que seus executores, o negro Abraão e caboclo Chagas, foram condenados, sim, e à prisão perpétua. Escaparam da forca por um pouquinho assim... Mas ainda hoje a sua morte é um mistério. A mandante do crime, acredita-se ser, a mulher do Presidente da Província na época. Estes saíram impunes.
— A baronesa? O Presidente? Mas... — Por esta, não esperava.
— Sim, e uns tais José Agostinho e Joaquim Jacarandá. — complementei.
— Agostinho é coronel do Icó, um “carcará”... Jacarandá, este é um sem importância, um alferes do palácio. Que vil traição...
— Não estranhe não, Major — interveio o Lustosa —, vejo urso de gola para entender essa tal de política... Pense numa máquina de fazer doido! Você é um herói. Eu mesmo é que não sirvo nem para comandar barraquinha de pamonha, e vossa mercê um Vice-Governador...
— E o senhor meu Rei? Qu’é dele?
—Rei hoje em dia é artigo de luxo de bloco de carnaval, João. Acorda, homem! O nosso Presidente é um operário que posa ao lado da rainha inglesa e é aclamado pelo Presidente dos Estados Unidos como o político mais popular da Terra. Nem fala tantas línguas quanto porteiro de hotel europeu, nem é sociólogo. Apenas um brasileiro, formado pela universidade da vida.
— República? Presidente? Um peão?
— Ora se... Os tucanos, aqueles que se opõem ao operário, não querem reconhecer os avanços e conquistas das classes menos favorecidas nos últimos sete anos de uma política econômico-financeira exitosa. Também não admitem discutir as delícias e vantagens do governo FHC, aquele em que o Brasil faliu duas vezes, teve de vender, a preço de banana, ativos preciosos e ainda agigantou dívida interna pequena deixada por Itamar Franco.
— Tucanos? FHC?
— Sim, e o Degas aqui é bem capaz de deixar seu jamegão no que digo... E, olhe, Major, digo mais, sempre aconselho a amigos de meu tope, a aposentados como eu e você, que é muito melhor, na atual fase da vida, ou da morte, no seu caso, adquirir um computador que arranjar uma rapariga. Porque uma mulher adicional, a esta altura dos acontecimentos, por razões óbvias, só vai lhe causar decepções. Eu conheço um restaurante, se permite um comercial modesto, o Barrigudo, lá na estrada de Massapê, em Sobral que eu não esqueço, que tem uma ova de curimatã... Depois podemos tomar um champã, percebo-lhe um pouco seco..., e conhecer minha biblioteca, o que acha? E sabe o que mais, se eu não fosse jornalista, Joãozim, eu seria que nem tu: defunto!
E assim, nosso esperançado almoço, mais uma vez, foi para as cucuias. O Major se foi em coreias com o filho do seu Costa e dona Dolores que decidiu, por fina força, atualizar o ressuscitado. E certo de que você não pode tirar da cabeça o que não botou dentro dela, me despeço, ainda com fome: até uma próxima!
Major Facundo, militar assassinado por questões políticas, em sua própria residência, a mando da esposa do, então, Presidente da Província. Em
Francisco José Lustosa da Costa nascido em 1938, em Cajazeiras da Paraíba, veio menino à Sobral, onde, em 1954, ingressou no Correio da Semana. Em Fortaleza escreveu para O Unitário, Correio do Ceará e colaborou no Anuário do Ceará, do amigo Dorian. Em 1974 passou a morar em Brasília e escreveu para O Estado de São Paulo e Correio Braziliense. Escreveu diversos livros, muitos sobre Sobral, e costuma dizer que as pessoas só batem palmas à gente morta. Pois tome essa crônica como tais palmas (a Major Facundo não era a rua da Palma?)
Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Pindaíba de Bolso ("na pindaíba?")
terça-feira, 24 de agosto de 2010
VII Semana de Artes do José Walter (25 a 29 de agosto)
VII Semana de Artes do José Walter
Mostra de bandas do bairro, apresentação de peças teatrais, poesia, folclore, shows musicais, exibição de filmes do festival Nóia, feira de artesanato, literatura de cordel e shows com representantes da cultura cearense, são algumas das atrações da VII Semana de Artes do José Walter que acontece de 25 a 29 de agosto no Centro de Cidadania Adauto Bezerra.
A semana de artes é um encontro anual de artistas, grupos e bandas de todos os estilos do bairro Prefeito José Walter e adjacências em ação conjunta voltada para expressar a arte da comunidade.
Fomentar a cultura da região, plateias e artistas em uma confluência comunitária e cultural provocando o intercâmbio de outros artistas e de Pontos de Cultura de outras localidades é o objetivo a semana de artes do bairro.
A VII Semana de Artes do José Walter é uma realização da associação Cultural do Conjunto José Walter, Rádio Cultura 87, 9, que é Ponto de Cultura do Ministério da Cultura, Secretaria de Cultura do Estado do Ceará e Secretaria da Cultura do Município de Fortaleza com apoio da Secretaria Executiva Regional V.
Serviço: VII Semana de Artes do José Walter
Data: 25 a 29 de agosto.
Horário: a partir das 19 h.
Local: Centro de Cidadania Adauto Bezerra (CSU).
Contato: Virgínia Tavares - 8886.6841
Assessoria de Comunicação SER V: Gerusa Rosa Oliva - 8713-4283.
A Volta de Vinícius de Moraes, na crônica de Ricardo Kelmer, para o blog do Kelmer
Em 1969 o diplomata Vinicius de Moraes foi forçosamente aposentado, após 26 anos de serviços prestados no Brasil, Los Angeles, Paris, Roma e Montevidéu. A decisão do Itamaraty ocorreu no contexto do Ato Institucional no. 5, o famigerado AI-5, que a ditadura militar decretou para conceder poderes extraordinários ao Presidente da República e suspender garantias constitucionais dos cidadãos. A alegação oficial era de que o comportamento boêmio de Vinicius não condizia com a carreira pública.
Na verdade, a boemia foi apenas o pretexto. O que era realmente insuportável para a mentalidade ditatorial era ter, em seu quadro diplomático, um poeta da paz e do amor, artista de sucesso e amigo de todos, um homem popular e amado pelo povo. Vinicius não criticava abertamente a ditadura militar mas a paz, o amor, a liberdade e a alegria que exalavam de sua arte e de sua vida simplesmente não cheiravam bem aos militares.
Evidente que Vinicius ficou muito chateado pela exoneração, ainda mais com a justificativa que teria sido dada pelo governo do Marechal Costa e Silva: “Precisamos limpar o serviço público desses bêbados, corruptos e homossexuais.” Mas ele não perdeu o bom humor. Conta-se que, ao reencontrar os amigos, Vinicius apareceu com uma garrafa de uísque debaixo do braço e foi logo dizendo: “Eu sou o bêbado, viu?”.
Autoexilar-se na Europa e juntar-se aos amigos que viviam lá – Vinicius até pensou nisso mas preferiu ficar no Brasil e continuar fazendo resistência política a seu modo, com a sua arte e sua mensagem de amor e paz. Se oficialmente não era mais diplomata, na prática ele prosseguiu representando e divulgando a cultura brasileira para velhas e novas gerações, no Brasil e no exterior, como nenhum diplomata fez e provavelmente jamais fará. Até que em 1980 ele deitou em sua banheira amiga e deixou-se morrer, vítima de um edema pulmonar. Ele se foi mas nos legou a herança de sua arte imortal e seu inspirador exemplo de vida.
Corta a cena para 41 anos depois. Estamos agora em 16 de agosto de 2010. Nesse dia, em Brasília, numa cerimônia que conta com a presença de amigos e parentes de Vinicius, o presidente Lula assina sua promoção póstuma ao cargo máximo de embaixador, respondendo ao movimento popular que se articulara em pró da reabilitação e promoção de Vinicius. A imprensa de vários países noticiou o fato e certamente muitas garrafas de uísque pelo mundo foram abertas para festejar a reparação histórica. Embora a exoneração tenha sido obra exclusiva de uns militares covardes e mal-amados, a promoção póstuma do nosso mais querido diplomata faz a sociedade brasileira se livrar de um peso moral que carregava havia quatro décadas.
E eu, que comecei a amar Vinicius em minha adolescência, ainda estou aqui vibrando e brindando de contentamento. Mais que poeta preferido, Vinicius de Moraes é um guia que ilumina meu caminho com seu radiante exemplo de vida. E foi para homenageá-lo que criei, em 2009, o espetáculo Viniciarte – Vida, música e poesia de Vinicius de Moraes. Levar às pessoas a vida e a obra de Vinicius, com humor e emoção, é pra mim um grande prazer. Mas também é a melhor maneira que eu poderia encontrar de dizer:
– Obrigado, poeta. Parabéns, embaixador.
domingo, 22 de agosto de 2010
Ensaio de Aíla Sampaio sobre Literatura Fantástica para o Cultura do Diário do Nordeste
Os labirintos da literatura fantástica
"Dolentes", de Lívio Barreto, na Coleção Nossa Cultura
"A Aguadeira e a Flor: memória e ficcionismo", de Arlene Holanda
Publicado pela Conhecimento Editora, em 2009, A Aguadeira e a Flor, obra de 112 páginas, da escritora e designer Arlene Holanda (também autora de Que Bicho é Esse?, Adedonha: o jogo das palavras,Saco de Mentiras; paixão de verdade, Cordel de Trancoso, Caixinha da Memória Ceará, Nina África, O Diário do Sol, Todas as Cores do Negro, O Fantástico Mundo do Cordel e muitos outros), da querida Limoeiro do Norte, que assina também o projeto gráfico e a capa do livro, teve a sua apresentação escrita por mim, e na quarta capa, palavras, como sempre coloridas, de Thiago de Mello. Segue um pouco das duas:
Apresentação
A Aguadeira e a Flor é uma obra para ler, viver e guardar. Livro que tem todo o jeito de uma fotografia, como de Itabira, na parede: como dói... Arlene Holanda, uma artífice da poética e da palavra, em especial a lúdica e popular, liberta as asas guardadas na gaveta, sem remorsos ou alardes, e enfeixa-nos breves histórias que, “cuidadas por ela, vicejam, crescem e florescem numa profusão de cores”. Quase em estilo musical, seu olhar atento, humano, afetuoso, nos apresenta uma trilha fluente de evocações (ou provocações?) da memória, esmerilada em saborosas imagens vividas ou colhidas dos mais antigos, e daí desdobradas e sacolejadas num redemoinho de folhas secas: os comboios em lombo de burros na madrugadinha à procura de arrancho, o cheiro das manhãs de leite mugido, as ferras de touros (só eles — os bisões e as capivaras — “sabem da fúria das flechas e dos homens”), as botijas, os desenhos a carvão na parede em ruínas, os “achadores” d’água, as cacimbas incrustadas no cristalino duro (como a lida sertaneja), as chuvas (e com elas o perfume de terra molhada), as máximas expressas em sabedoria de avós, a serralharia, as vacas pastando em fila indiana, os cata-ventos (muitos deles ventilam o livro), juazeiros, cajazeiras (cajaraneiras?), sapotizeiros, bananeiras, carnaubeiras, oiticicas, juremas, xícaras de café, cadeiras de balanço, velames e rezas, os sítios, os sinos de tempos perdidos, as moças-velhas, o colecionador de chuvas, a encantadora de serpentes, a latada, os medos (“parece ser o destino do homem”), as mantilhas e missais, as cruzes à beira da estrada, e tantas outras mais que nos levam ao “reino do vai-não-torna,/mundo povoado com o assombro/das histórias ouvidas no alpendre”.
Como numa máquina do tempo, descortina as sombras de fantasmas e mergulha em vôo mágico de pavão misterioso que “não permite palavras mordidas entre os dentes/ para que não fizessem um estrago” e nos revela: “O grande segredo/ é que a vida não tem segredo”. E por que escrever? “Sobrevivência?/ Vingança?/ Disputa?” “Essas e tantas outras perguntas jogadas num tempo que ficou para trás quando decidiu parar de perguntar”.
Uma certeza heráclita, porém, sua Aguadeira... nos deixa: “Nunca se lê por duas vezes o mesmo livro./ Nem o livro nem o leitor serão [jamais] os mesmos.”
Raymundo Netto
Li (algumas reli), devagar e como que ouvindo, as histórias que a poeta Arlene teve o gosto bom de contar neste seu livro novo, com um jeito de dizer que é só dela. A sua fala flui como água de regato, que às vezes tem fundura, mas é sempre clarinha. Ela me faz lembrar meu mestre Manuel Bandeira, dizendo que não confiava em poeta que na prosa parece cavaleiro desmontado. Minha confiança nesta cearense não vacila. O leitor há de ver.
As suas palavras caminham pela mão da Poesia, que no andar da contação (era assim que dizia a minha mãe dona Maria, esplêndida contadora), faz questão de dar o ar de sua graça ou vai entrando de cheio pelas frestas da madeira bem lavrada da sua suave prosa. (...)
O leitor vai ficar cismado com o mundo deste livro, que aliás é o mesmo nosso, onde os mistérios têm cores; as coisas têm alma; o verão enlouquece. A nossa única certeza é estar no mundo; as asas são leves como alguém que nada sabe; a saudade não cabe em casa de muitos cômodos; a moça Teresa Brasiliense jaz em continência diante da vida e a ensandecida da casa-do-alto não precisa de corpo para voar.
Te abraço, Arlene, o meu reino é igual ao teu, de árvore e vento, só que o meu tem muita água, da qual te mando a luz de uma escama esmaltada.
Thiago de Mello