Um mês se passou, foi em 30
de abril de 2014, desde que chegou a Palma e ao mundo adjacente a notícia do encantamento
do escritor e guerreiro de Monte-Mor Nilto Maciel.
Muito se falou sobre isso.
Como as pessoas, muitas delas, não o conheciam além das fronteiras de páginas de
suas obras, deram a pensar em um certeiro suicídio, pois era escritor e morava
sozinho, como se esses elementos se bastassem para justificar o ato.
Outros pensaram e até
comentaram sobre a negligência da família em "largar" aquele
"grande escritor" sozinho, à própria sorte, o que deixou a sua
família, naturalmente já desolada com a perda e a forma inesperada como se deu, ainda
mais abalada.
Quero, então, aproveitar o
momento para dizer o que digo a todos:
Nilto Maciel foi um afortunado.
Viveu como escolheu viver. Mesmo com a insistência da família em levá-lo a
Brasília, onde a esposa e a maior parte das filhas (são quatro) residiam, ele OPTOU
em ficar no Ceará, terra onde foi gerado, inclusive literariamente, onde
reconhecia seu chão. Morava só, porque precisava da solidão para compor, a
qualquer tempo e hora, o que quisesse, não estando preso a nenhum compromisso
doméstico, ou a coisa alguma. Rejeitou a proposta da família de ter uma
doméstica em casa, pelo mesmo motivo. Assim como também recebia a poucas
pessoas, e o fazia quando elas traziam conversas sobre literatura, seu mundo
particular. Mesmo dessa forma, geralmente, não gostava de "visitas
surpresa".
Costumava dizer que, por
vezes, sentia um comichão de ver pessoas (por isso era encontrado tomando cafés
e comendo tapiocas em shoppings centers, quando aproveitava para realizar suas operações
financeiras), mas logo era tomado de uma "saudade de si" e corria
para a sua casa.
Para quem não sabe, saía
pouco à noite, não bebia nem fumava há anos, sua alimentação era regrada e não
fugia dos horários. Dizia não sair à noite para não esquecer de tomar seus
medicamentos (não gostava quando a diarista mexia nos remédios e trocava as
caixas de lugar, pois tinha medo de tomar remédio por engano) e, nas últimas
semanas, estava comemorando: sua médica o havia elogiado pelos resultados dos
exames de rotina. Ele, como sempre, respondia: "E a senhora está achando que foi de
graça, é? Tenho me esforçado bastante!"
A seguir, alguns trechos de
e-mails de abril de 2014, que mostram que o amigo Nilto estava numa fase ótima,
entusiasmado em abrir o evento de literatura fantástica em Sobral, muito feliz
com seus últimos lançamentos, cheio de ideias e de planos para o futuro (já
havia encomendado mais duas coletâneas de artigos, planejava mais uma Fortuna
Crítica, além da reedição de A Rosa
Gótica e de inéditos), que a sua família, felizmente para todos nós, contribuirá
para concretizar-se.
"Na verdade, sempre pensei em ser vagabundo (desde menino). Era meu
sonho. Mas não consigo viver sem fazer nada. Vejo as pessoas rezando, fazendo
crochê, vendo TV, passeando pelas ruas, sentadas nos bancos, sem nada a fazer,
tristes. E é verdade, elas não sabem mesmo o que fazer da vida, do tempo. Tenho
muita pena delas. Mas eu não sou assim. Estou sempre muito ocupado, a cabeça
fervilhando de ideias para livros." (Nilto Maciel, sobre a sua correria do dia a dia)
"A Literatura é cachaça que não faz mal. Abraço de um
cachaceiro viciado desde menino e que vem se mantendo vivo por isso."
(Nilto Maciel, para um leitor)
"Se pudesse, viajaria até Brasília. Mas com medo de avião
(agora tenho mais, depois de saber de mortes ocultadas de passageiros com
problemas de coração, em voos).
Não quero morrer no ar. Não quero na terra. Não quero morrer na
água. Não é justo morrer, como dizia Gabriel García Márquez [morto em 17 de
abril de 2014]. Tenho tanto a pensar, a escrever, a ler, a viver!" (dia 21 de abril, menos de 10 dias de sua passagem)
Biobliografia
Breve
Nilto
Fernando Maciel nasceu
em Baturité, Ceará, em 1945.
Ingressou na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Ceará em 1970. Criou, em 76, com outros escritores, a
revista O Saco. Mudou-se para
Brasília em 1977, tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal
Federal e Tribunal de Justiça do DF, ano em que organizou, com Glauco Mattoso, Queda de Braço – Uma Antologia do Conto
Marginal (Rio de Janeiro/Fortaleza, 1977)..
Regressou a Fortaleza em 2002. Editou a Literatura: revista do escritor brasileiro, de 1992 a 2008.
Obteve primeiro lugar em alguns
concursos literários nacionais e estaduais: Secretaria de Cultura e Desporto do
Ceará, 1981, com o livro de contos Tempos
de Mula Preta; Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1986, com o livro
de contos Punhalzinho Cravado de Ódio;
“Brasília de Literatura”, 1990, categoria romance nacional, promovido pelo
Governo do Distrito Federal, com A Última
Noite de Helena; “Graciliano Ramos”, 92/93, categoria romance nacional,
promovido pelo Governo do Estado de Alagoas, com Os Luzeiros do Mundo; “Cruz
e Sousa”, 1996, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de
Santa Catarina, com A Rosa Gótica; VI
Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1996, Fundação Cultural de Fortaleza, CE,
com o conto “Apontamentos Para Um Ensaio”; “Bolsa Brasília de Produção
Literária”, 1998, categoria conto, com o livro Pescoço de Girafa na Poeira; "Eça de Queiroz", 1999,
categoria novela, União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, com o livro Vasto Abismo, além do Edital de
Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, com Luz Vermelha que se Azula e A Fina Areia das Dunas (último livro de
contos, no prelo, pelo Armazém da Cultura).
Participa de diversas coletâneas, entre
elas Quartas Histórias: contos baseados
em narrativas de Guimarães Rosa, org. por Rinaldo de Fernandes (Ed.
Garamond, Rio de Janeiro, 2006); 15 Cuentos Brasileros/15 Contos Brasileiros, edición bilingüe español-português, org. por Nelson de
Oliveira e tradução de Federico Lavezzo (Córdoba, Argentina, Editorial
Comunicarte, 2007); Capitu Mandou Flores,
org. por Rinaldo de Fernandes (Geração Editorial, São Paulo, 2008), "O Cravo Roxo do Diabo": o conto
fantástico no Ceará, org. Pedro Salgueiro (Expressão Gráfica, Fortaleza, 2011)
e Sonetos de Bolso: antologia poética,
org. por Jarbas Júnior e João Carlos Taveira (Thesaurus Editora, Brasília,
2013), dentre outros.
Publicou estudos
sobre o conto cearense, dentre eles Contistas
do Ceará: d'A Quinzena ao CAOS Portátil (1998), referência para pesquisa no
gênero. Deixou incompleta a pesquisa Notícia
da Literatura Cearense, recorte entre o período do Clã até os dias atuais.
O romance O Cabra que Virou Bode (1991) foi transposto para a tela pelo
cineasta Clébio Ribeiro, em 1993.
Os
Guerreiros de Monte-Mor, com 2ª edição pelo Armazém da
Cultura (a primeira é da editora Contexto, de São Paulo), foi um dos
contemplados no Edital do Programa Nacional Biblioteca Escolar.
Publicou ainda, coletânea de crônicas, Menos Vivi do que Fiei Palavras
(Penalux, 2012), e de artigos e resenhas, como Gregotins de Desaprendiz (Bestiário, 2013) e Sôbolas Manhãs (Bestiário, 2014), e um autobiográfico/memórias, Quintal dos Dias (Bestiário, 2013).
Tem contos e poemas publicados em
esperanto, espanhol, italiano e francês.