Mesmo não suportando a loucura da mulher, vê-la partir lhe seria insuportável.
Uma noite,
durante conflituoso jantar, a drogou. Tomou-a adormecida nos braços e a levou
para o mato, quase em frente à lagoa, ainda visível à janela de sua casa. Lá chegando,
amarrou-a rente a um tronco estreito de árvore, onde previamente havia
preparado baldes com água, areia e cimento.
Desacordada,
ela respirava suavemente, balbuciando seu nome e deixando que a lua revelasse a
ternura no rosto, à medida que ele punha e moldava sobre seu corpo a massa
ainda molhada do cimento. Começou pelos pés. Aos poucos, as pernas, o tronco,
os seios, os braços, até finalmente cobrir-lhe toda a cabeça.
Amanheceu. O
Sol o encontrou sentado no capim, ainda trêmulo, com uma pequena espátula à mão
e olheiras marcadas de despedida, enquanto iluminava e aquecia a figura tosca
daquela mulher. Foi quando teve a impressão de ouvir dela um soluço abafado,
quase como um estalo. “Acordara?”
Todos os
dias, seria a primeira imagem que veria ao levantar. Horas e horas à janela.
À noite,
tinha pesadelos. Ouvia os seus desaforos, as suas lamúrias. Imaginava que ela
lá não mais estaria, que mesmo em pedra pudesse lhe escapar, se lançando nas
águas lodosas da lagoa. Mas não. Ela permanecia ali, imóvel, como encantada, a
seu alcance, aquecida para sempre em seu amor e zelo. E assim foi durante
meses.
A ausência
dela era quase despercebida. Trabalhava em casa, poucos amigos, filha única de
mãe idosa. Quando muito, um telefonema — "Ela não está. Quer deixar
recado?" — Não queria. Sabia que a ingrata não retornaria.
Aos finais
de tarde, aguardava a noite ao lado da mulher. Falava sobre seus dias,
contava-lhe novidades, a presenteava, confessava a falta que lhe fazia e, por
fim, numa loucura própria e sincera dos amantes, a cobria em beijos amorosos,
se agarrando àquele corpo frio, áspero e inerte.
Em uma noite
quente, porém, ele acordou e viu ao pé de sua cama a mulher de pedra. Em
silêncio, e através de seus olhos nus e cinzentos, parecia mirá-lo, até
jogar-se sobre ele, e, com as mãos, tomar-lhe fortemente o pescoço e o ar.
Valendo-se do vagar desajeitado da estátua, ele conseguiu, com esforço,
escapar-lhe. Ainda torpe e surpreso, pegou uma marreta e a golpeou no abdome. O
corpo começou a rachar. Abriu-se de meio a meio. "O que foi que eu fiz,
meu amor? O que foi que eu fiz?", repetia. A estátua fez-se em pedaços e
de seu interior apenas um grito moribundo, aterrorizante, de uma agonia jamais
ouvida igual.
Ele,
abalado, jogou-se sobre os escombros, a procurar a mulher, qualquer pedaço
dela, mas nada encontrou. Saiu gritando, com restos de entulho nas mãos, e
jogou-se na lagoa, pondo-se no fundo da lama com o peso de sua própria
consciência e da imagem perdida de sua mulher amada.