Aconteceu quando eu estava numa fotocopiadora, inocentemente esperando o material didático que tinha levado para imprimir. De repente, um ex-aluno se aproximou, acompanhado de um amigo que não demorou a se apresentar sob a definição de “escritor”. Ora, para quem gostava de palavras sobre o papel, esse rapaz era singularmente falante – em menos de três minutos, desfiou a própria bibliografia, que ia desde livros técnicos até grossos tomos de “ficção genuína”, conforme ele frisou.
Fiquei sufocada só de ouvir aquela lista. O sujeito era um polígrafo maníaco: escrevia romances, cartilhas, panfletos, sermões, poemas épicos e fesceninos, artigos acadêmicos, diários e e-mails. Arriscava-se também com contos, fábulas, rondós, provérbios, peças de teatro e haicais. Eu estava me sentindo tonta, mas ele continuava falando de seus planos para escrever reportagens, textos policiais, ensaios, abecedários e hagiografias polêmicas. Realmente, ele poderia destruir uma reserva florestal inteira; nenhum papel do mundo seria suficiente para saciar sua compulsão – e, mesmo sem querer, comecei a imaginá-lo dentro de um grande tonel de tinta, caso fosse possível derreter todas as palavras que um dia ele gastou através de canetas ou cartuchos de impressão. Aquilo daria litros e litros de uma substância gosmenta, e ele bem poderia mergulhar no resultado de tamanho desperdício...
Interrompi meu devaneio homicida para perguntar ao tal escritor se ele tinha como meta superar a produção de Simenon. Ele desconversou, com um sorriso amarelo: era evidente que nunca tinha ouvido falar no autor belga, um dos mais prolixos do mundo, com seus quinhentos títulos. Em vez de me responder, o rapaz achou por bem acrescentar que usava um “método de psicografia” para não perder tempo dormindo. Mesmo em descanso, entrava numa espécie de sonambulismo que (conforme suas palavras) era um fenômeno espiritual. Assim, escrevia na fase de sono REM, e costumava acordar com a cama cheia de páginas rabiscadas em letra convulsa, que depois davam um trabalho imenso para organizar.
O polígrafo tinha aberto o leque da cauda, e agora não havia força que pudesse fechá-lo. Eu estudava as possibilidades de fuga, calculando o tormento que ainda teria pela frente. Se ficasse, talvez pudesse desligar o meu botão auditivo, pondo-me a repetir, mentalmente, algumas lições de polonês... Creio que essa seria a única estratégia capaz de me salvar de um derrame naquela hora, mas felizmente as cópias que eu esperava ficaram prontas. Saí correndo da fotocopiadora, após ouvir o refrão apreciativo que o escritor aplicava ao seu mais recente opúsculo. Quando estava na esquina, escutei o seu grito: “Espere! Eu não lhe disse o meu nome!” Não pensei duas vezes e entrei no primeiro táxi que passava.