sábado, 30 de janeiro de 2021

"Do Lado de Lá da Barra", de Pedro Salgueiro para O POVO

 

Um dos recantos que mais me encantavam quando cheguei à nossa loirinha destrambelhada pelo sol, lá pelo começo dos anos 1980, era a Barra do Ceará, principalmente o lado de lá da Barra: uma novidade pra mim, que vim de uma cidadezinha à beira da nascente do rio Acaraú, quase sempre seco. Aventura que se tornava mais emocionante porque temperada pelo medo de quem não sabia nadar. Agarrava-me com unhas e dedos o beiço do barcote que nos transportava por uma ninharia, então eu fechava os olhos e rezava em silêncio, perdendo parte daquela beleza de paisagem.

Dia desses, vendo uma postagem nas redes sociais do meu amigo jornalista Eliézer Rodrigues (que divide comigo tanto o amor à Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção quanto ao pequeno Fortim, à beira do rio Jaguaribe) vi uma linda foto em preto-e-branco dessas embarcações que atravessavam para o lado de lá da Barra do Ceará, acompanhada do texto: “O OUTRO LADO DA BARRA DO CEARÁ – Antes da construção da ponte sobre o rio Ceará que liga Fortaleza a Caucaia, em 1997, uma das diversões dos fortalezenses, principalmente aos domingos, era ‘tomar banho no outro lado da Barra do Ceará’. E a travessia era realizada por pequenos barcos artesanais, denominados de ‘bateira’, trabalhados em madeira de louro ou de cedro. Cada embarcação transportava 20 pessoas, e a passagem custava 1 cruzeiro, moeda da época, por cada passageiro. Ao todo, trabalhavam na domingueira cerca de 50 embarcações”. (As informações são detalhes contidos na primeira reportagem realizada pelo jovem Eliézer no jornal O POVO, no seu primeiro plantão de fim de semana, num domingo de janeiro de 1975).

O episódio me lembrou duma história que o saudoso amigo Nilto Maciel sempre me contava (e eu fazia questão de sempre fingir que não a tinha ouvido dele já uma dezena de vezes, esperando sempre um detalhe que ele acrescentava ou modificava nas inúmeras versões). Dizia de um casal de amigos recém-casados, que viera em férias com ele de Brasília, e depois de visitarem, num sábado de manhã, os pontos turísticos mais badalados da capital resolveram deixar as esposas voltarem de carro para o hotel e seguiu, com o empolgado turista brasiliense, para lhe mostrar um recanto belíssimo, de um pôr de sol inigualável; pegaram um barquinho nas areias do rio Ceará, deslizaram nas ondas calmas até o outro lado, deram uma volta pelos arredores e depois se sentaram numa barraquinha de palha, onde uma sujeito lhes serviu cervejas geladas em imensos isopores com gelo.

Conversa vai, lembranças vêm, assustaram-se com o adiantado da hora, o sol ainda nem acabara de mergulhar nas águas, pediram a conta apressados e procuraram os barquinhos. Nada, nenhum deles, um senhor lhes informou que aos sábados o último voltava às 16 horas, o desespero bateu, a inevitável escuridão os acalmou, com a ajuda do barraqueiro, que os deixou dormir nuns bancos e caixas de conservar peixes; esperaram o primeiro transporte do domingo para atravessar o manso rio, de onde pegaram táxi de volta ao hotel.

Resumindo a involuntária aventura: os familiares estavam em polvorosa, alguns tinham ido às rádios divulgar o desaparecimento, outros procuraram nos hospitais, até um mais pessimista fez visita ao IML. A vergonha das explicações, a confusão dos disse-me-disses resultaram numas férias interrompidas e quase um casamento desfeito.



3 comentários:

  1. Valeu, Pedro Salgueiro. Obrigado pela citação da minha postagem.

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  2. Perfeito. A Barra do Ceará esconde muitas histórias... sinto orgulho de fazer parte de algumas delas!

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