O polêmico infortúnio do Hotel São Pedro, edificação em forma de navio, que singra a região desde 1951, e que inaugurou o ramo hoteleiro na orla da cidade, entre outras peculiaridades arquitetônicas e turísticas, é apenas mais um capítulo da nossa Fortaleza distraída e ambiciosa. Uma cidade sem passado, sem rosto, sem futuro possível.
Há quem
diga, no azedo discurso nostálgico, idealizado e inútil: “Antigamente as
pessoas respeitavam mais o que era antigo”. Isso é uma disparatada ilusão e,
para não romantizar mais, outra mentira!
Contamos
nos dedos as edificações da cidade construídas no século XIX. As poucas que
restam, e muito poucas – por experiência, em breve, ainda menos –, datam do
início do século XX, pois que nossos pais e avós, que Deus os tenham e os perdoem,
já gostavam mesmo do “novo”, dos “modismos”. Naquela época, patrimônio era
apenas uma palavra horrorosa e sem sentido, a não ser para aquela minúscula e sempre
poderosa parcela privilegiada que já nasce em berço de ouro (que depois vira
patrimônio e até razão de morte em família) e sabe bem o valor que um
patrimônio – financeiro, diga-se – tem.
Daí,
justamente em 2021, quando o exótico e imponente prédio completa 70 anos de
existência e divina resistência, nós fazemos com ele o que a sociedade
ignorante, consumista e desperdiçadora faz com os nossos idosos: os reconhecem
como inúteis, desprezam a sua história, o seu legado, os seus feitos em vida
produtiva e passam a desejar que se vão, que morram logo para não dar mais trabalho
e ocupar aquele lugar que poderia ser de outro. Afinal, já viveu demais... e o
povo gosta mesmo é de plástico e espelhos!
Vejamos: há
15 anos – acredite, tempo suficiente – teve início o seu processo de
tombamento. O que foi feito desde então? Nada! “Deixa cair! Quero é ver!”
Como
acontece com outro prédio na cidade, do início do século XX, que, como não
poderia ser diferente, pertence a uma família respeitada (leia-se
“endinheirada”, nada mais artificialmente respeitador do que se ter muito
capital) na cidade. O empresário já afirmou, com toda a sua autoridade (ou
boçalidade) política e bancária: “se tombarem, eu derrubo!” Lembremos da inocente
canção: “quem tem mais do que precisa ter, quase
sempre se convence que não tem o bastante.”
Coincidentemente,
desde o início do processo, o São Pedro ficou à deriva diante do esvaziamento
dos últimos moradores e do seu desrespeitoso, gradual e acelerado desmonte. Alia-se
a isso, a falta de decisão e de ação do Poder Público (uma legislação que treme
feito vara verde) e os conflitos de interesses com a família proprietária, irmanando-o
com o “Mara Hope”, outro “encalhe” na nossa deflorada Praia de Iracema, a praia
dos amores, que devem estar por vir com os escafandristas do futuro buarquiano.
Nos meus
inquietantes sonhos, esses concentradores de renda têm a noção de retribuir à
cidade e à sociedade – que bem sabem ser explorada a seu serviço – esses
patrimônios. Que as grandes construtoras, curiosamente generosas em doações abundantes
e decerto despretensiosas durante as campanhas políticas, unidas, usassem
desses recursos na solução de casos como esse, quando a engenharia mostra o seu
valor. E que os gestores, com coragem e mais atentos aos clamores sociais (e
não políticos, partidários e/ou econômicos) e àquilo que a sociedade precisa,
mesmo quando não entende ou não sabe, abraçassem essas causas, articulassem
parcerias estratégicas e inteligentes, tomassem a frente de campanhas de
mobilização de recursos para cumprir e fazer valer o idílico “pertencimento”. E
que o nosso Titanic de tijolos, que há quem diga “Nem Deus derruba”, não se
choque com o vil iceberg “da força da grana que ergue e destrói coisas belas.”