Stanley era um
daqueles garotos que vulgar e pejorativamente eram carimbados de “nerd”
na escola. Com isso, sempre fora excluído das rodas mais populares, visto com a
mesma estranheza que aparentemente exalava. Silencioso, tímido, embora pouco discreto
– usava sempre camisas pretas com estampas coloridas, bottons e pins
em todo canto –, ainda conseguia reunir outros ao seu redor quando, na hora do
recreio, aparecia com gibis de super-heróis, distopias ficcionais, aventuras
espaciais e interplanetárias repletas de androides que, com o tempo evoluiriam
para publicações undergrounds, sci-fi, cavaleiros steampunks, mangás,
figurinhas e jogos de RPG.
Na
sua casa, sem irmãos e saindo da adolescência, trancando a porta do quarto, era
irreconhecível: vivia na sua mente fervilhante de imaginação as mais eletrizantes
aventuras de seus ídolos, fosse pulando nas paredes ao som do lança-teias de boca,
treinando sua espada Jedi coberto em lençol ou praticando um “gomu gomu no qualquer
coisa” contra maquiavélicos travesseiros e almofadas. De resto, quando não estudava,
era vidrado em TV, nas séries favoritas, numa crença de “vida longa e
próspera”, cercado por quadrinhos, álbuns de figurinhas, máscaras, batarangues,
modelos de naves espaciais – como a Millennium Falcon –, entre outros
brinquedos, o espaço e a fronteira final...
Entretanto,
os hormônios da juventude explodiam como supernovas por dentro e ele passou a
sentir falta da “mocinha” naquelas brincadeiras. Onde estaria a sua Mary Jane,
Tempestade, Lori Lemaris, Batgirl, a srta. Naaamiii...?
Sabia
que ali estava o seu ponto fraco, a sua icônica fragilidade heroica: diante das
garotas, entrava em um desconcertante e irrecuperável estado de letargia e
tartamudez.
Havia
uma, apenas uma garota a não lhe causar tais efeitos. Era a vizinha do oitavo
andar de seu prédio. Fã de mangás e animes, vez ou outra ela o encontrava no hall
do condomínio e aproveitava para consultá-lo sobre as novidades das revistarias
ou trocar ideias sobre os últimos episódios daquelas séries do Miyazaki. Os
olhinhos dela brilhavam por cima de seu sorriso branco e tímido, como a
bandeira nipônica, encantados com o falatório colorido e tão seguro daquele
rapazola.
Um
dia, inesperadamente, Shizuko – era esse o seu nome – o convidou para conhecer a
sua coleção de mangás em seu apartamento: “Não se preocupasse, estava sozinha!”
Stanley
a acompanhou no elevador, mas, de repente, sentia gelar as suas pernas. Olhando
bem – nunca reparara direito –, passou a perceber em Shizuko uma beleza singular.
Esguia, muito branca, pescoço longo e cabelos cor de rosa. “Como a Jessie... Tão
pokemônica!” Sim, estava quase apaixonado, uma dimensão inexplorada até então.
Todavia,
imaginou: aquilo tinha tudo para dar errado. Que mulher se interessaria por um cara
vestindo camiseta do Homem-Aranha, que ainda brinca com bonecos e é
completamente obcecado por quadrinhos? Tirando a sua mãe, ninguém!
De
fato, Shizuko apresentou-lhe a sua coleção, mas não se deteve ali. Atraída pelo
súbito acanhamento e seu excesso de inocência, se jogou num épico e
descompromissado beijo de dorama, conduzindo-o a um primeiro descuido de
amor... ou de sexo, vá lá.
Ao
final da tarde, ela, sentada na cama, abotoava a blusinha: “Você foi incrível,
Stan!”
Ele,
definitivamente inebriado por novas sensações, era outro, sentia-se empoderado,
seguro e alucinado, como se conquistara o Everest. Não parava de falar. Não
parava.
De
repente, pôs a camiseta e, para surpresa dela, saltou pela janela de seu
quarto. Porém, ao invés de lançar teias e se desembestar pelos arranha-céus comemorando
o grande feito, estatelou-se fatalmente na quadra próxima à piscina.
Afinal,
nós sabemos: em quadrinhos, nem sempre os heróis têm finais felizes...