segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"O Tiro (voto) que não sai pela Culatra", de Raymundo Netto para O POVO



Interrompemos a nossa programação literária normal para o pronunciamento de um autor, eleitor e trabalhador brasileiro: Minhas amigas e meus amigos, no momento dramático, atípico e histórico pelo qual passamos, como seria possível debruçar-me sobre a ficção quando a realidade me parece ainda mais fantástica e absurdamente irreal?
Votei pela primeira vez aos 21 anos. Até lá, não poderia votar, não porque não o quisesse, mas por que em meu país, em 1964, houve um golpe de estado. Depois veio a ditadura civil (a elite econômica, os poderosos que tiveram vantagens com o regime implantado no país) e militar, a repressão, as perseguições aos intelectuais, aos artistas, aos veículos de comunicação de oposição (os favoráveis ao golpe, ao contrário, enriqueceram), aos movimentos sociais, a censura, a perda dos direitos civis, a tortura, os assassinatos, o medo, o terror e, por fim, o silêncio.
Algumas pessoas, covardemente, decidiram cuidar da sua própria vida e pronto. Não reclamariam, deixariam que o governo fizesse o que bem entendesse. Outros sabiam de familiares e amigos desaparecidos – alguns  até hoje – ou torturados com elevado nível de barbaridade.
Hoje, 30 anos depois, vejo "emergir o monstro da lagoa". O pior, o mais desqualificado e despreparado candidato ao maior posto executivo do país fala claramente, sem vergonhas ou temor, de ser a favor da tortura e do assassinato de seres humanos. De não aceitar a democracia e não respeitar voto. De ser contra os direitos trabalhistas e desfavorável a trabalhadores, principalmente as mulheres, privilegiando empresários inescrupulosos. Que prega um discurso repleto de violência, de homofobia, de racismo, de misoginia e preconceito, enquanto é associado à corrupção (afirma ter recebido propina por meio de seu partido, assume a sonegação de impostos) e, misteriosamente, agora, nos aparece em uma campanha milionária de disparos em massa bancada por empresas divulgadoras de Fake News. E com que objetivo? Por amor a esse país? E afinal, a quem esse candidato fascista, que nada fala de educação e de cultura, realmente representa? Os nomes que se aliam ao dele são os de pessoas tão oportunistas e de caráter tão duvidoso quanto o próprio, também radicais, extremistas e autoritários. Pergunto: será que teremos que passar por isso de novo e desta vez entregando a nossa democracia e o nosso país de bandeja?
Não defendo o PT. Sou contra a ditadura, seja de direita ou de esquerda. Não sou ligado a nenhum partido, mas como artista, brasileiro e trabalhador, sou favorável à democracia, à ampla liberdade de expressão, à pluralidade de ideias, à diversidade, à maior igualdade social, à justiça e aos direitos humanos, à solidariedade, à educação acima de tudo, à cultura para união dos povos e à disseminação do amor, da gentileza, da paz e da liberdade.
Assim, HOJE, não vejo alternativa a não ser votar em HADDAD, um democrata, independentemente de seu partido. Ex-ministro da Educação, que ali deixou um legado impressionante de aumento de orçamento, expansão e interiorização do ensino superior e ampliação do número de matrículas escolares. Daí, peço a você, leitor(a), que reflita, dispa-se de seu ódio e antipetismo. Acredite que com Haddad, esse tiro (voto) não sairá pela culatra.




sexta-feira, 12 de outubro de 2018

"O Brasil do futuro depende do que fizermos HOJE!", por Raymundo Netto



Esse é o hoje o meu presente a todas as crianças deste Brasil
O candidato mais despreparado à presidência, que durante cerca de 30 anos não teve nenhuma utilidade nem repercussão, a não ser pelas tolices e bizarrices que diz, se beneficiando e defendendo a vida inteira aquilo que chama de "velha política", hoje, num movimento oportunista de SUICÍDIO ELEITORAL, serve de VOZ a muitos que tinham vergonha ou dúvidas do mau-caratismo do seu PRÓPRIO discurso e sentimento: gente que prefere ver o pobre cativo e dependente (na miséria, obrigado a aceitar esmolas); que se acha superior (inclusive na cor), que venceu pelo trabalho e/ou pelo estudo (quando teve melhores oportunidades, família bem constituída, condições financeiras e “peixadas”); que emprega mulheres, mas tem raiva de pagar o que paga para elas porque as acha inferiores ou porque (“droga!”) ainda engravidam; que paga os direitos trabalhistas porque é o jeito, mas explora e assedia (moral e até sexualmente) seus empregados sempre que pode (se pudesse, em troca do trabalho, continuaria, e “como favor”, dando comida, sabonete, pasta de dentes, absorventes e a dormida naquele quartinho ao lado da despensa); que não gosta de dividir assento com negros (não acredita que houve escravidão), índios (que acha o cúmulo “dar terra” a esses “preguiçosos”), gays (que se aprende a ser gay na escola, lendo folhetos, e que pode se curar, se apanhar, talvez até a morte) ou pobres (aliás, acha que pobre tem que andar é de ônibus, para deixar o trânsito melhor para ele); que não admite outras crenças (inclusive religiões) que não sejam a sua; que acha que filho de pobre tem é que virar encanador, eletricista, gari ou pedreiro, pois “ser doutor” é apenas para quem tem dinheiro para pagar boa escola; que sonega impostos do jeito que pode, pois não se interessa em "estar pagando" escolas e hospitais públicos "que nem usa"; que acha que a solução para violência é “na bala”; que o problema da Reforma Agrária se resolve é distribuindo fuzil para jagunço de latifundiário; que acha que o artista tem que parar de vagabundear e arranjar trabalho sério; que não se interessa que, ainda hoje, existam bairros tão próximos de sua agradável morada, onde pessoas não tenham luz, água encanada, saneamento básico, escola com professores, postos com médicos e/ou remédios, além de viverem imersos em violência, insegurança em um mar de drogas e facções, pois vive bem, noutra realidade, e o que importa é que essa É A SUA REALIDADE (por que a "Fortaleza Apavorada" só grita quando atinge bairro elegante?) etc. 
Não são todos, felizmente, assim como sabemos, claro, que nem todo eleitor do outro candidato, o que defende ideias democráticas, é santo. Mas HOJE podemos ter certeza que a máscara do BRASIL está caindo. Vivemos (e somos), sim, em um país preconceituoso, machista, misógino, elitista, desigual, injusto, egoísta, entreguista, anticristão (defender a tortura, como isso é possível, meu Deus?) e antidemocrata. Como nós poderíamos ser um país desenvolvido, admirado pelo mundo, carregando esse pensamento perverso, retrógrado e desumano?
Com o argumento (ou falta de) fácil de “PT Nunca Mais”, alguns desses eleitores cansados do mundo (outros são por crueldade e vilania mesmo) decidiram pular no abismo em forma de SUICÍDIO nas urnas (poderia ser qualquer um), acreditando em promessas “messiânicas” arranhadas de verde-amarelo (historicamente, todos os grandes fascistas e ditadores têm discursos nacionalistas e patrióticos para justificar e legitimar a sua tirania) e que podem conduzir o processo democrático brasileiro a um retrocesso imensurável.
Se você acredita não ser como essa gente que eu falei, se não pensa como eles, vamos refletir sobre isso? 
Não percamos a esperança, não votemos no desespero, não nos acovardemos, tenhamos FÉ (não dizem que somos um país religioso?) e vamos tentar de novo.
Eu acredito na vitória do POVO BRASILEIRO e por um país onde nossas CRIANÇAS possam ter orgulho e esperança na vida e não na bala: VOTO EM HADDAD!



domingo, 7 de outubro de 2018

"O Infiel", de Raymundo Netto para O POVO



Era noiva. Uma eterna noiva, poderia se dizer, e mesmo assim não causaria espanto. Porém, na sua idade e com a visível opulência de seus atrativos, anunciar a mais intransponível castidade de moça jamais tocada e bulida, impressionava.
Cândida trabalhava como doméstica desde adolescente, quando conheceu e enamorou-se perdidamente por Jacobeu, um jovem trabalhador, também de família humilde, evangélico fervoroso, mais assíduo à igreja do que cão sem dono.
No começo, conversavam a valer, sendo natural a intimidade vir com o tempo. Entretanto, o casal já cumpria uma quase eternidade, e ela estranhava a dedicação obsessiva do rapaz em permanecê-la “intacta e pura”. Justificava a religião: “Só me caso com mulher virgem, direita. Deus não quer assim?” Daí, ela se culpava e se envergonhava pela indignidade de seus desejos. E estimava ainda mais os cuidados daquele homem que, na promessa de matrimônio, resistia aos seus próprios ímpetos. O certo é que até esse jurado casamento era duro de chegar.
Às noites, muitas delas, ele a deixava em casa, após um amasso frouxo e ligeiro. Ela reclamava: “Queria mais...” Ele alertava: “Cuidado. Não se deixe dominar pela tentação da carne. Só me caso com mulher virgem!”
Na pracinha, porém, os rapazes a assediavam. Flertavam, acusavam as coxas e as nádegas salientes, enviavam mensagens pelo celular, chamavam-na de “carinha de anjo”. As amigas percebiam a popularidade de Cândida. Relatavam as suas experiências, as mais picantes, de corar a uma cafetina, e, em troca, cobravam-lhe intimidades. Inocente, respondia: “Não sei. Só namorei com ele...” Frustradas, sentenciavam: “Está perdendo tempo. Não sabe o que é bom!”
Outra noite, voltando com o namorado de uma confraternização, ela lançou: “Queria conhecer um motel!” O namorado empalideceu: “A casa do pecado!” “Do amor, meu bem, do amor. Tudo depende de como a gente vê e do que a gente faz. Vamos mais eu, só uma vez...” Pego de surpresa, Jacobeu entrou no primeiro que viu. Animada, ela pegou a chave, abriu a porta, apertou todos os botões que encontrou pela frente e anunciou o banho “para ficar bem gostosa”. De fato, nem precisava se esforçar, apareceu na penumbra do quarto frio, enrolada em toalha de mãos, escandalosamente sensual, encontrando-o ainda vestido, apático e assistindo à TV. Ia deitar-se ao seu lado quando ele, visivelmente irritado, a interpelou: “Satisfeita agora? Sabe, você está ouvindo demais as suas amigas. Elas não têm nada na cabeça e dá nisso. Pergunta se elas esperam se casar com homem sério. Pergunta!”
Contando, ninguém acreditava, nem a própria Cândida. Assim, no dia seguinte, desabafou com as amigas. De cara, alertaram: “Sua boba, ele só pode estar lhe traindo. Deve ter outra mulher, uma dessas sem-vergonhas que fazem de um tudo... Assim é bom, né?”
Chegou o Carnaval. Ela queria ir ao baile na pracinha. Ele não poderia. Lamentava: “Minha mãe precisa de mim, meu bem. E a mãe é sagrada. Sagrada!”
Com a pulga atrás da orelha e a chaleira apitando faz tempo deu uma de doida: desligou o telefone e, mais tarde, foi de surpresa à casa de Jacobeu. Atendeu a sacra mãe: “Saiu desde ontem, pensei que estava com você.” Indignada e certa da traição do noivo, resolveu ir à folia e a forra, Deus a perdoasse: “Se ele pode, porque eu não?” Era o fim. Entretanto, qual não foi a sua surpresa ao ver o Jacobeu ali, fantasiado, não como pierrô, mas à colombina, embaixo de plumas e glitter colorido, correndo em frenesi atrás de uma serpentina cor de rosa.