Publicado originalmente
em Os Acangapebas
Estacara a hora,
e pensamentos ondeados de recordações saudadejavam de distâncias o horizonte.
Silêncio.
Os
búzios urdiam o colorido da imensa solidão apresentada.
Os
pés firmes, artelhos tortos, unhas pretas, entranhavam-se na areia ao lamber
das águas brumaceiras. À mão em concha, proteção do Sol, o velho pescador
sorria em seu peito as fantasias de um menino de um dia, firme, garantir: “eu
quero ser é pescador!” E foi. Se foi. Lembrava.
Nas
vigílias das noites, o silêncio num manto azul de luzeiros cintilantes, a
fogueirinha no mar, a harmônica tristíssima e o marulhar a balouçar-lhe os pés.
Ademanhãzinha,
via lá do mais alto mar, os magros coqueiros a silhuetarem acenos aos ventos,
como os negrinhos correntes em felizes mantos de areias brancas.
Sentia-se
um deus, enquanto jangadeava; em casa, porém, a figura magra dos filhos, a
mulher maltratada, a comida quase posta à mesa, o entristecia. Deus morto era o
que era!
De
enquanto fora do mar, para engolir as mágoas, tornava-as com uma branquinha,
senão não dava... Francisco, filho mais velho, sempre de ir buscá-lo no bar:
“De novo, pai? Bora, a mãe tá chamando pra janta!” e o carregava nos ombros.
Ele, não muito mais do que uma criança, faltava de só chorar a vergonha diante
do seu Francisco.
Ah,
mas quando de chegada a hora da lida, era todo habilidade de mestre! Entanto,
devido às doenças a vir de idade e da má sorte, teve que parar. Desde então,
fazia a canivetes jangadinhas de vender aos turistas. Alguns zombavam do
infeliz:
–
Ah, desse tamanhinho é fácil. Quero ver é fazer jangada de verdade!
–
Eu faço, doutô! – orgulhava. – Não duvide, faço, sim, e das boa!
Mas
não havia de venda quase nada; bom de prosa, tempo gasto no leriado nas rodas
de rapazes e moças, era de sua volta à noite da vila umas poucas migalhas e
muitas, quase todas, jangadinhas.
Francisco
crescera na dificuldade e, mesmo tanto, um dia chegou ao pai: queria ser
pescador! De susto o velho logo se inquietou. Enfim, haveria de voltar em
braços jovens de filho ao mar, donde nunca de haver saído na vida. Pôs-se a trabalhar
a empenho:
–
Olhe, meu filho, escute: quem faz um cesto, tendo tempo e cipó, faz um cento! –
ria-se, remoçado. O filho iria ao mar!
Naquele
dia Francisco partiu. Partiu e voltou não. E mais nada. O mestre enlouqueceu.
Todos os dias, tomava as areias madrugueiras a divisar o vasto vazio de nada e
coisa alguma. Silêncio.
A
sua mulher, por outro lado, inda servia a mesa. Rezava. Estranhava-lhe os modos
do marido. Acostumara-se, ora. Quantas noites cruzadas ao claro? Quantas de
silêncio?
Mais
dias e, então, Francisco voltou. Havia um acontecido. Nem importa qual: voltou!
Depois,
por se esquecendo, pediu ao pai, a bênção de nova chance. Queria mesmo era ser
pescador bom como ele; não se dobrar a oceano algum, adestrar-lhe as vagas e
saber-lhe os cicios e segredos; queria, pois seu querer era tão mais forte
quanto ele.
O
velho pescador alucinou. Apertou o arrugamento da testa e coçou, sob o chapéu
de palha, pés de confusão. Ondas quebravam no dorso das pedras desabrolhadas ao
veludo frio do mar. A folgada sucessão de águas reconstruía memórias. Poesia
gritava aos seus ouvidos em voz rouca dos corais, e foi assim que respondeu.