quinta-feira, 31 de março de 2016

Lançamento revista "Mutirão # 2", organizada pelo Poeta de Meia-Tigela (7.4)


Capa de Zé Tarcísio para Mutirão # 2

Lançamento
Mutirão # 2

Data e Horário: 7 de abril, às 19h
Local: Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Apresentação: Raymundo Netto
Organização: O Poeta de Meia-Tigela
Participação especial: Zé Tarcísio (capista e homenageado da Mutirão # 2)
Investimento: R$ 10,00 (na compra de duas: PROMOÇÃO – R$ 15,00)

Sorteio de livros para os participantes!

O projeto Mutirão nasceu da vontade de reunir amigos em torno de uma produção que desse espaço a múltiplas linguagens, somando a diversidade e singularidade dos indivíduos à ideia de unidade do conjunto. Como dito na apresentação do Mutirão # 1: “O Mutirão é Contribuição de todos para cada um. Cada um contribui com sua Mão, seu Ademão e todos se beneficiam. O Mutirão, o Muquirão. Todos contribuem com a gratuita Colaboração e cada um se beneficia. Aqui, o benefício é a benfeitoria de um Livreto, uma Literaturação”.
O projeto Mutirão visa, pois, à confecção de um Livro-Revista em que apareçam unidas as palavras às imagens, sob a forma de poemas, poemas visuais, prosa, prosemas, fotografias, desenhos, colagens e o que mais convier – com-vier.
O primeiro exemplar da Revista encontra-se disponível no endereço - https://issuu.com/opoetademeia-tigela/docs/mutirao, em que o número 2 será também posto à disposição, logo após o seu lançamento.
O lançamento do Mutirão # 2 contará com uma atividade lúdica mediada por Zé Tarcísio, capista, ilustrador e artista homenageado nesta edição; e com a participação dos integrantes do Livro: Alves de Aquino (O Poeta de Meia-Tigela), organizador e colaborador; Raymundo Netto, apresentador do volume; e ainda os demais autores Aíla Sampaio, Augusto Secundino, Bernivaldo Carneiro, Bruno Paulino, Dércio Braúna, Ermínio Nascimento, Glauco Sobreira, Luciano Bonfim, Madjer de Souza Pontes, Nataly Pinho, Nina Rizzi, Patrícia Tenório, Pedro Humberto, Talles Azigon.

 No mais, é só vir dar uma mão.


sexta-feira, 25 de março de 2016

"Casa de Cultura Christiano Câmara" (na íntegra), de Raymundo Netto para O POVO


Rua da Escadinha ou Travessa Baturité, 162. Casa centenária que abrigou entre outros, Gilberto Câmara, jornalista, responsável pela campanha que edificou o mais belo conjunto escultórico de Fortaleza, aquele que representa José de Alencar, na homônima praça, e um dos maiores incentivadores da fundação da Associação Cearense de Imprensa, a ACI. É também a casa que hospedou o poeta paulista Guilherme de Almeida, em 1925, quando em suas peregrinações Brasil afora em defesa da corrente modernista. Ao final, abrigo de um dos maiores pesquisadores e defensores do patrimônio artístico, arquitetônico e cultural brasileiro e cearense: Christiano Câmara.
Há cerca de 9 anos o conheci. Bati palmas ao portão, sendo recebido por Douvina, a sua sempre guardiã e relações públicas, quando me disse, no corredor que dá para cozinha, onde colava tirinhas de papel em fitas K-7: “Se for jornalista, não recebo!” Estava zangado pelos inúmeros que o procuravam para explorá-lo, tomá-lo horas no cumprimento de pautas, mas que não se atrincheiravam com ele na defesa daquilo que lhe era mais sagrado: a história que exibia em suas paredes. “Nunca vi isso. Impressionante... eles não denunciam, não cobram nada às autoridades!” Deu-me como souvenir um texto impresso “Fortaleza sem Rosto”, escrito por ele em 2000: “No Brasil, 3% da população não tem do que reclamar, enquanto 97% não tem a quem”. Sentia-se sozinho em última trincheira, que a cada dia via mais espremida naquela rua, tomada por shoppings de camelôs, oficinas mecânicas, comércio de botijões de gás, estacionamento de caminhões, “um inferno!” Os políticos e autoridades iam lá, pediam-lhe a benção, beijavam-lhe as mãos e depois as lavavam e deixavam Christiano a ver navios, claro, se pudesse vê-los novamente, pois se vendia a beira-mar para arranha-céus de luxo, geralmente dos mesmos donos, os donos do Ceará, aqueles cuja fortuna tinha origem no contrabando, na especulação, em negociatas políticas do passado a preço da ignara alma popular. Afirmava o Christiano: “Raymundo Netto, não adianta. Nunca que essa elite burra e analfabeta vai atrás de passado e de manter tudo isso. Sabe por quê? Por que essa elite veio da merda e eles querem esquecer dessa merda toda!” – nessa hora, d. Douvina tentava acalmá-lo: “Meu velho, você não é de falar palavrão! Não precisa...”.
Há 5 anos, doído e quase choroso, confessou-me que dormia quando ouviu a voz da mulher discutindo com um caminhoneiro na calçada. Ela pedia educadamente que ele abaixasse o volume do som, “pois seu velho estava dormindo”. O caminhoneiro riu e aumentou ainda mais. Christiano foi à calçada, pegou-a pelo braço e a chamou para casa. O motorista falou: “É. Leva essa doida, mesmo!”. Christiano respondeu: “Vou levar, sim, mas só porque, infelizmente, nessa casa não existe mais um homem!”. Foi uma das declarações mais dolorosas que ouvi na vida. Não nos enganemos: esse foi o tratamento que mereceu o nosso Christiano nos últimos anos de sua vida. Aquele que recebia a todos com paixão, brilho nos olhos, falando alto e com entusiasmo sobre um mundo cada vez mais deixado para trás, também seria lembrado apenas pela máquina de afetos que alguns denominam, quando o tem, de coração.
Pois é, a morte não podemos impedir, mas o legado de Christiano podemos, sim, manter. Agora, alguns urubus cairão em cima, tentarão com promessas doces tomar o que puder para si, comprando ou não, algumas raridades. Outros, membros de associações pseudoculturais de vagas vendidas a preço de pagamento de dívidas, ou órgãos oficiais em que os responsáveis se escondem por trás das portas tentarão ganhar vantagem. 
A hora é de cautela e objetividade. Vejam a luta que seu deu para a permanência da Casa de Juvenal Galeno. É possível, sim. Esse é um exemplo.
E, Christiano, que Deus o receba, ao lado de seu Gilberto e dom Helder, com aquilo que ele criou e que você carregou com tanto amor em seus braços: a boa música.




quinta-feira, 24 de março de 2016

"Nomes que Passaram", de Sânzio de Azevedo para O POVO


Em palestra proferida na Academia Cearense de Letras em 2005, falei de Poetas Esquecidos, título que roubei de um livro de Mário Linhares. Mas no meu caso eu só contemplaria aqueles que tiveram fama e depois mergulharam no esquecimento. Como, entre tantos, Aureliano Lessa, Vitoriano Palhares, Narcisa Amália, Valentim Magalhães, Luís Murat, Hermes Fontes, Hermeto Lima e Alceu Wamosy.
Para me fixar num só exemplo, lembro Olegário Mariano, nascido no Recife em 1889 e falecido no Rio de Janeiro em 1958. Chegou a frequentar o famoso grupo de Bilac e seria eleito em 1938 príncipe dos poetas brasileiros, sucedendo a Alberto de Oliveira, que fora o sucessor de Bilac.
Em 1930, João Ribeiro disse que sua poesia era “conhecida em todo o Brasil”, e Peregrino Júnior, quando ele faleceu, disse: “foi um dos maiores poetas do Brasil”. Quem se lembra hoje dele? Ao publicar em 1920 o livro Últimas Cigarras, que seria reeditado várias vezes, ganhou o título de Poeta das Cigarras.
Ficou mais que famoso o soneto “O Enterro da Cigarra”, que resumo aqui: “As formigas levavam-na... Chovia!.../ Era o fim... Triste outono fumarento!... / Perto, uma fonte, em suave movimento, / Cantigas de água trêmula carpia.” E no final, “Pobre cigarra! Quando te levavam, /Enquanto te chorava a Natureza, / Tuas irmãs e tua mãe cantavam...”
Em artigo de 1937, conta Manuel Bandeira que em Petrópolis uma velhinha lhe disse haver lido uns versos tão belos que ela os decorou. Pediu-lhe o poeta que ela dissesse os versos e conclui: “fiquei enternecidíssimo quando ela começou: ‘As formigas levavam-na... Chovia...’ Desde esse dia passei a querer grande bem à poesia de Olegário. Compreendi instantaneamente que ela haveria de ficar”.
Mas a verdade é que não ficou. Nem mesmo a simpática homenagem de Herman Lima, seu amigo, publicando o Olegário Mariano da Coleção Nossos Clássicos, da Agir, em 1968, conseguiu resgatar sua obra do esquecimento em que mergulhou. E temos de reconhecer que se trata de um belo poeta. A literatura tem dessas coisas nem sempre explicáveis...

Sânzio de Azevedo, doutor em Letras pela UFRJ. Membro da Academia Cearense de Letras (ACL)
Contato: sanziodeazevedo@gmail.com

quarta-feira, 23 de março de 2016

"Jardim Zoológico Ecológico", de Ana Miranda para O POVO


Nicolas Behr, Ana Miranda, Raymundo Netto, 
Pedro Salgueiro e Tércia Montenegro

O escritor argentino Jorge Luís Borges nos deixou, num pequeno manual de zoologia fantástica, um dos trechos mais tocantes de sua obra. Ele imagina a primeira vez em que uma criança é levada a um jardim zoológico e, estranho, essa criança, que pode ser qualquer um de nós, irá esquecer esse momento tão fundamental para a sua consciência e o seu espírito.
É um jardim impressionante, diz Borges, em que surgem animais como jaguares, abutres, bisões, ou o mais belo e altivo do reino animal: a girafa. Borges não menciona, mas logo nos lembramos de elefantes, macacos, hipopótamos, tatus, onças negras, lobos, borboletas, siriemas... cada um desses animais, uma surpreendente, encantadora, ou divertida figura. Quase um sonho, quase um absurdo da imaginação criadora da natureza. Urros, uivos, rugidos, pios, cantos, odores, saltos súbitos, rufar de asas... E esse espetáculo que poderia causar medo à criança, no entanto, é apreciado, e tão apreciado que ir ao zoológico é uma diversão infantil.
Por que as crianças não têm medo nos jardins zoológicos? Pergunta-se Borges. Talvez porque elas já tenham visto os animais nos livros, nos brinquedos de pelúcia, nos filmes. Porque os pais as levam pelas mãos e as crianças confiam nessas indicações silenciosas. Talvez porque a criança seja, por definição, um descobridor, e descobrir o camelo não é mais estranho do que descobrir o espelho, a água, ou as escadas, diz Borges. Confirmando as palavras do escritor argentino, não me lembro de minha primeira ida ao zoológico, em minha infância. Mas lembro de levar meu filho, meus netos, e do encanto arrebatador que eles sentiam ao descobrirem os animais. E ver, e rever, e rever infinitamente.
Os zoológicos não são mais vistos com bons olhos, ali os animais vivem em cativeiro, fora de seu habitat, subjugados pela raça humana... Mas aqui em Fortaleza há um zoológico educativo. É o Ecopoint Parque Ecológico. Levei duas vezes os meus netos lá, com uma criançada da Prainha. E agora, tempo de férias, é um programa imperdível para os pequenos descobridores. E para os pais e avós, com o pretexto de levar as crianças.
Alguns animais ali também estão em jaulas, ou viveiros, mas há uma diferença: o Ecopoint recebe animais silvestres apreendidos pelo Ibama ao tráfico, em comércios irregulares, denúncias de maus tratos, também animais perdidos na cidade, ou mesmo de outros zoológicos onde não podem mais cuidar deles. Esses bichinhos, quase sempre maltratados, doentes, famintos, são entregues ao Ecopoint, e recebem cuidados de veterinários, biólogos, tratadores, até se restabelecerem. Se voltam às condições naturais, são devolvidos ao seu habitat, libertados. Se não, passam a morar no Ecopoint. Ali estão espécimes de corujas fabulosas de olhos imensos, da arara-azul, que é a mascote do lugar, papagaios espertos, o severo gavião, as engraçadas capivaras, os divertidos macacos, as fascinantes onça-pintada e onça-parda, iguanas contemplativas... Todos animais brasileiros, alguns exclusivos das nossas caatingas, uns ameaçados de extinção.
A história desse lugar começou nos anos 1930, quando o senhor Franz Wirtzbiki adquiriu um sítio, ali no bairro de Jóquei Clube. Chamou-o de Gluck-Auf. Na região onde Wirtzbiki passou a sua infância, na Alemanha, a expressão era usada para receber os mineiros que retornavam do fundo da terra. “Feliz regresso!” Nem todos conseguiam voltar à superfície, e o menino guardou esse sentimento na lembrança. Homenageou os antepassados batizando o estimado sítio com a expressão de esperança. Os descendentes de Wirtzbiki honraram sua memória criando um instituto ambientalista, chamado Aba-Yby – homem-terra em tupi – e no sítio funciona o criadouro conservacionista Ecopoint.
É agradável o lugar, cheio de gramados, samambaias, árvores refrescantes e belas. Há parquinhos, fazendinha, arvorismo, cascata, aldeia indígena... Bichos soltos, como pavões, patos, marrecos... Crianças por todo lado, em famílias, grupos, ou excursões escolares, assistem ao espetáculo da desatinada variedade do reino animal, e ali são elas mesmas um espetáculo de sonhos e fantasias. Ali talvez aprendam a amar os animais. Decerto vão fazer descobertas. Mesmo adultos podem ter surpresas. Foi ali que vi, pela primeira vez, a jandaia, ave que é símbolo do Ceará. Eu a conhecia apenas da frase de Alencar sobre a terra natal, “onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba”. Ali, a jandaia tornou-se realidade, toda colorida, linda, dando seus chamados estridentes.

(*) Raymundo Netto: Uma coisa que a Ana, creio, não sabe, é que a Rachel de Queiroz, novamente ela, ainda jovenzinha, visitou várias vezes o local do Parque Ecopoint. Morava não muito distante (no denominado Pici), e seu pai, Pedro, era amigo de Franz Wirtzbiki. Rachel gostava de ouvir o velho alemão e ao tornar-se adulta, quando de seu casamento, o convidou para ser seu padrinho na cerimônia.


segunda-feira, 21 de março de 2016

"O Mestre, Meus Erros, Nossos Livros", de Ana Miranda para O POVO

Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, por Carlus Campos

Vou contar por que às vezes gosto de errar: tenho um amigo que sempre me escreve quando cometo algum erro numa crônica; se passo um tempo sem errar, eu vou ficando com tantas saudades de suas mensagens que acabo cometendo mais um erro, para que ele me escreva. Ele cai nessa singela armadilha, como um patinho.
E quando ele me manda um elogio, para mim tem o valor multiplicado, pois este meu amigo é sempre austero em aprovações, já o ouvi a desancar livros considerados obras- primas. Ele é um verdadeiro intelectual, daqueles que já não se fazem mais por aqui nos dias de hoje, capaz de uma rara amplidão. “Sou como uma espécie de abelha que pousa por aí em qualquer flor e tenta extrair o material para produzir seu mel”, ele diz, sobre sua versatilidade. Além de sábio, é poeta.
Ouvi-lo é um encanto, para quem aprecia a inteligência. Como ele sabe muito sobre variados assuntos, envereda por laterais, faz voltas imensas, leva-nos por inesperados caminhos, ensina, questiona, informa, teoriza, filosofa, parece distante demais do ponto de partida, do tema central, mas, quando pensamos estar perdidos, subitamente seu pensamento volta à ponta da linha que estava desenvolvendo, e ele fecha a questão com alguma ideia inesperada.
Tão bom acompanhar essa mente em devaneios... Tantos compartimentos... A sensação é de que uma luz vai percorrendo a nossa cabeça, e vamos ficando também cultos como esse mestre, mas é só uma ilusão. A sua erudição é conta de uma vida inteira.
Sempre que o ouço, fico silenciosa, pensativa, sobre como é que uma pessoa chega a este ponto de guardar conhecimentos, e como é vasta a mente humana e como é infinita a nossa memória, capaz de reter tantas estrelas como se fosse um universo. É esta a impressão que ele nos passa, de que o ser humano é um universo infinito. De que não há limites para a mente humana.
Quando criança eu pensava que o conhecimento era nato, só com o tempo foi que percebi, vem dos livros – e dos mestres que o receberam dos livros. Confesso que amo perder-me na mente de outros seres, e quando não estou andando, estou lendo, não posso sentar e pensar, os outros pensam por mim. (Frase sem sentido.) O meu amigo pode ser visto como um livro que caminha e sorri. Ou se agasta. Vida entre livros. Não há limites para a mente humana (a repetição da frase terá sido um erro?) Vida através de livros. Uma erudição imensa, mas discreta, que pode ser muito engraçada e às vezes cruel, porque tais pessoas não podem enganar a si mesmas nem a outrem. Tudo isso, sem nenhuma utilidade aparente, a não ser tornar melhor o ser humano.
Outro dia eu o vi a escolher um livro, numa pilha de exemplares variados sobre uma mesa. Ele se curvava, reverente, até chegar bem perto de cada livro que averiguava, como se quisesse sentir o cheiro das páginas. Ou uma emanação de outra natureza. Ou entrar numa abóbada invisível que circundasse o volume. Ou como se estivesse a ouvir a voz do livro. A perguntar, e a ouvir respostas. Um diálogo silencioso, de gestos, de percepções. Suas mãos pareciam pássaros bem leves, luminosos, que quase não tocavam nos livros, quando retiravam algum da pilha. Quanta delicadeza! Seus olhos, como nascidos da deusa que confinou um fogo nas membranas e tecidos finos segurando uma água profunda que flui em torno mas deixam transparecer as chamas internas. Ele virava o livro, olhava por diante, por trás, a lombada, lia o que estivesse escrito na quarta capa. Às vezes um leve sorriso, às vezes uma leve desaprovação, uma recusa, um acolhimento. Abandonava o livro, mas com respeito.
Se ficava interessado, seus olhos se acendiam. E ele abria o livro para ler as orelhas. Folheava o miolo, lia aqui e ali, numa concentração absoluta, como se nada mais houvesse no mundo, só ele e o livro. Era possível ver em sua expressão um diálogo com o livro, a sucessão de memórias que ocorria a cada palavra lida, a profundeza dos atingimentos. A familiaridade no trato. O elemento delicadamente possuído. Uma beleza de instante inesquecível. Professor Diatahy Bezerra de Menezes. Aquele homem tão elegante em seu blazer marinho, sua camisa alva, a pureza de uma vida dedicada ao estudo, ao ensino, à casa com quintal, ao neto... Sabedoria. Flor que nasce do mel de uma flor que nasce do mel de outra flor...


quinta-feira, 17 de março de 2016

"Tudo Faz Sentido", de João Soares Neto


Fim de semana é muito tempo. Enjoado do que vejo na televisão, vou aos jornais. Na “Ilustrada” (12.03.2016), Folha de S. Paulo, leio que saiu agora, em português, pela Companhia das Letras, o livro A Conexão Bellarosa: quatro novelas, de Saul Bellow, filho de judeus russos fugidos das conflagrações que deram origem ao bolchevismo, em 1917, na imperial terra soviética.
Nascido em Montreal, no Canadá, em 1915, mudou-se, com a família na metade dos anos vinte, para Chicago. Viveu a “Grande Depressão”, dos anos trinta. Os seus pais fomentaram nele a ideia de que naquele lugar havia a possibilidade de crescer na escala social. Era antropólogo, professor da Universidade de Chicago e escritor consagrado com o Nobel, em 1976. Faleceu em 2005.
Paro um pouco. Vou às minhas desarrumadas estantes e encontro um livro de Saul Bellow, lido há anos: Tudo Faz Sentido: do passado obscuro ao futuro incerto. Não é romance. É compacto de textos literários seus, de observações sobre vida, pessoas e viagens; palestras mundo afora e o encontro com o tempo, pois escrito na velhice, depois dos prêmios Pulitzer e Nobel, dos anos setenta.
O livro Tudo Faz Sentido já está com a fenda perpendicular das traças. Nele, encontro páginas que apontei com lápis, as quais me permiti reler, enquanto buzinas, fanfarras, gritos e palavras de ordem desordenavam a quietude da noite de sábado e o dia de domingo.
Chicago deu a Bellow várias visões. Primeiro, a da sua rua, onde famílias judias e de outras etnias moravam. Daí vai se alargando com as transformações que a cidade passava, erigindo novos pontos de encontros em diversas mudanças urbanas acontecidas. Depois, o mundo.    
No Tudo Faz Sentido  está incluído o longo, erudito, bom, embora prolixo discurso que proferiu, em 1976, ao receber o Prêmio Nobel. Ele começa: “Há mais de quarenta anos, eu era um homem sem diploma universitário e muito voluntarioso. Certo semestre me inscrevi num curso sobre Dinheiro e Técnica Bancária e me concentrei na leitura nos livros de Joseph Conrad. Nunca me arrependi disso”. E se estende sobre o escritor Joseph Conrad, também imigrante, e outros autores. Divaga. 
Volto à Folha. Nela há realce para a amizade de Bellow com o escritor e acadêmico Allan Bloom. Remexo na página 317 de Tudo Faz Sentido. Lá, quando da morte do amigo, em 1992, Bellow afirma, em discurso: “Conheci e admirei muitas pessoas extraordinárias na vida que me foi dada, mas ninguém mais extraordinário do que Allan Bloom”.


sábado, 5 de março de 2016

Resenha sobre "Cada Um a seu Modo", quadrinhos de Júlio Belo, para o site Tujaviu


Cada um a seu modo, a HQ Linha Clara brasileira de Júlio Belo que você precisa conhecer

Um dos quadrinhos mais charmosos que vi nos últimos tempos veio das mãos de um bancário que não mora no eixo Rio-São Paulo. Produto genuinamente nordestino, feito no Ceará, Cada um a seu modo é uma obra em preto e branco do talentoso Júlio Belo. O tipo de trabalho que ele faz é profundamente inspirado pela Linha Clara europeia, mesmo estilo de Tintin, Blake e Mortimer, Adler, January Jones, Barelli e de muitos outros personagens incríveis que são completamente desconhecidos no Brasil.
Publicada em 2011, com o apoio do Banco do Nordeste, a HQ é ambientada em Fortaleza e em Granja, cidade localizada na margem esquerda do rio Coreaú. Tudo foi feito com a ajuda de referências fotográficas e apresenta três narrativas.
A primeira delas é uma trama bem família em que Sofia é uma linda garotinha que está à espera do pai, prestes a chegar de uma viagem. Boa parte do conto é desenhado do ponto de vista da pequena menina.
50 por hora fala de sexo e surpreende quando o argumento traz um final surpreendente para o que parece ser um relacionamento conturbado entre um homem e uma mulher.      
A Frase Riscada foi o quadrinho que mais gostei, atraído pelo traço de seu personagem principal, em sintonia com a estética da obra de Edgar Pierre Jacobs. A figura também me lembrou o barbado e igualmente bigodudo vilão Axel Borg, inimigo maior de Lefranc, herói criado por Jacques Martin. Desta vez, um escritor de meia-idade decide visitar a sua cidade natal, onde é recebido por velhos amigos. Ele vai a lugares que lhe trazem incríveis lembranças e decide escrever sua autobiografia.
Com 68 páginas, capa fosca em brochura e formato de álbum, Cada um a seu modo tem tudo para estar à venda nas melhores livrarias do país e, quem sabe, ter uma versão em francês. É digno do talento dos melhores quadrinistas nacionais! Perfeito, sensível e de extremo bom gosto, mereceria ganhar uma opção pintada em cores chapadas.
Saiba mais sobre o trabalho de Júlio Belo e de outros artistas bem legais em: https://www.facebook.com/TheComicsCafe/

Por PH (Fonte: site Tujaviu).
É ex-locutor do TOP TV da Record e radialista. Também produz a série Caçador de Coleções e coleciona HQs europeias, nacionais e quadrinhos underground


"Vintage Café", por Raymundo Netto para O POVO


Você algum dia chegou a pedir em restaurante um prato de batatas fritas e num segundo de nenhum esforço conseguiu contá-las no prato? Pois eu sim. Eram 4! Imaginei alguém na cozinha, com a ponta dos dedos, pegando aquelas tirinhas secas e meio que passadas do ponto fazendo “cruzinhas”. O pior foi sair do badalado lugar devendo quase uma perna de calça, com uma fome maior do que quando cheguei e a certeza de que essa vida gourmetizada, tempo em que bolinho se chama cupcake, nada tem a ver comigo.
Não sou especialista em coisa nenhuma, e incluo gastronomia na relação, entretanto, como gosto de comer bem. A isso associo o sabor da comida ao da(s) companhia(s), do local e a outras surpresas possíveis de nos inspirar a vida ou pelo menos uma crônica, como essa.
Almoço todos os dias no Vintage Café-Brechó-Antiquário. A casa, provavelmente construída ao final dos anos de 1960 para o início dos anos de 1970, tem no corredor – gosto de chamar de oitão –, placas de madeira grafitadas, garrafas de refrigerante penduradas, arandelas e uma maravilhosa área com uma mesa comprida e cadeiras de madeira, meu “canto”.
Chego cedo. O silêncio inda veste a casa. Uma fresca que vem lá do quintal me esquece o calor, e, enquanto me alheio do trabalho e de mim, assisto às pessoas que marcham apressadas na pracinha da Professora, em frente, É quando me vem o seu Gil Naddaf que, sorridente num bom-dia de quem traz também saborosas histórias de vida, vem guardando seus óculos de hastes amarelas para anunciar as duas opções do dia. Sim, há sempre duas, sem sofrimento de debulhar cardápios, numa lista de encher a boca: escalopinho de carne, bisteca de porco no forno, pescada branca, linguiça mineira, frango ao creme de maionese, filé de frango marinado ao gergelim, rondele, acompanhados de molho de cerveja preta, legumes refogados, caponata de berinjela, batata no forno, suflê de chuchu – incrível como conseguem dar sabor a coisas tão sem graça – ou a farofinha especial da chef Cris Naddaf. Como entrada, se assim o comensal o desejar, traz uma tigela branca de duas asas com feijão carioca ou preto. E o prato quando chega, meu Deus, que beleza! Todo colorido, quente, de acariciar o estômago, e há sempre uma surpresa de acompanhamento, além de sobremesas e o cafezinho.
Enquanto comemos, se estivermos nas áreas internas, podemos ver uma bicicleta inglesa sobre nossas cabeças, conjuntos de jantar, garrafas, vitrolas, castiçais, bibelôs, telefones, brinquedos de lata, aparelhos de rádio, entre outras inúmeras peças raríssimas do antiquário do Gil, do qual sou também cliente e “ouvidor”.
Com pouco, atravessa a porta americana da cozinha a Cris, esfregando as mãos, sorrindo de rosto inteiro num vestido floral, chamando a todos “filhinhos” pelos nomes, nos acolhendo em abraços, perguntando sobre o prato do dia, e, se der, ainda propondo opções – sabe quem come o quê e o quanto.
Para mim, os ingredientes essenciais do lugar são esses: qualidade, sabor, delicadeza, artesania e o invulgar tempero “gostinho de nossa casa”, experiência saudosa de todo que, franca e gostosamente, eu só sinto hoje no Vintage* dos Naddaf.

 (*) Acompanhe o Vintage no facebook: www.facebook.com/vintagecafebrecho/?fref=ts

quarta-feira, 2 de março de 2016

Ciclo de Palestras "A Invenção de Bárbara de Alencar", com Gylmar Chaves (3.3)


Clique na imagem para ampliar!

Lançamento do ciclo de palestras
A Invenção de Bárbara de Alencar,
com Gylmar Chaves
Data e Horário: 3 de março de 2016, às 14h30,
Local: Centro Cultural Banco do Nordeste
(rua Conde d’Eu, 560. Centro)

Sobre o projeto A Invenção de Bárbara de Alencar:
Partilhar o exemplo cidadão vivenciado por Bárbara de Alencar, avó do romancista cearense José de Alencar e uma das maiores defensoras da cidadania no tempo da colônia e da escravidão é um dos principais objetivos do projeto “A Invenção de Bárbara de Alencar”, que levará 42 palestras para alunos da rede pública de ensino, ministradas nas três sedes do Centro Cultural Banco do Nordeste (Fortaleza e Juazeiro do Norte, no Ceará; e Sousa, na Paraíba), nas dependências de escolas públicas que fazem parte desses três municípios, e ainda nas sedes da Rede Cuca. 
Em Fortaleza, o projeto será lançado no próximo dia 03 de março, quando o escritor e pesquisador Gylmar Chaves falará sobre “Bárbara de Alencar e a Construção do Sentimento de Cidadania”, no CCBNB-Fortaleza, a partir das 14h30min. Na oportunidade, haverá distribuição de livros aos participantes.
Para a gerente de marketing do Banco do Nordeste, Luiza Cristina, Bárbara de Alencar teve o grande mérito de exercer sua consciência cidadã numa época em que a dominação e os maus tratos a escravos eram considerados normais. “Ela é um grande exemplo para os nossos jovens. Mais do que nunca, a cidadania se faz necessária nos dias atuais”, afirma.
O projeto “A Invenção de Bárbara de Alencar” tem o patrocínio do Banco do Nordeste e da empresa CORPVS, por meio da Lei de Incentivo Federal.

IMPRENSA - Banco do Nordeste
(85) 3299-3149 / 3299-3323
Twitter: @imprensaBNB

Facebook: /imprensabnb

terça-feira, 1 de março de 2016

"Vaqueiros e Jangadeiros", de Audifax Rios para O POVO


Escrevo em frente a três painéis que serviram de decoração para a festa de lançamento de Os búfalos de Campanário, o primeiro volume da trilogia Memória do Encantamento. O evento aconteceu no Centro Cultural Oboé no já longínquo 2003 e a obra foi apresentada pelo múltiplo escritor Eduardo Campos, o doutor Manuelito, como chamávamos na antiga TV Ceará quando era superintendente dos Diários e Emissoras Associados do Ceará.
Três enormes búfalos pretos ocupam quase a metade das telas, todos com estrela na testa e cascos junto a cactos que brotam do chão. Imitações de xilogravuras com o carimbo da freguesia de Santa Ana o qual surrupiei sorrateiramente e hoje assina meus quadros, minhas ilustrações. Em cima, medalhões com outros ferros de marcar o gado. De Ariano Suassuna e Oswaldo Lamartine de Faria; do personagem central, coronel José do Egito, concebido pelo poeta Virgílio Maia, que também traçou as orelhas. Ah, sim, e o carimbo de Conceição do Limoeiro do Norte e o ferro da família Torquato, do Sertão dos Inhamuns, raízes da artista Côca.
Da cintura para baixo as telas trazem de um tudo: daguerreótipo do Coronel e da concubina Maria Guayana; torre de igreja, claro, com sino e tudo o mais; cão aprisionado em boião de vidro, locomotiva, índia, sereia, seringueira, cavalo e até silhueta de soldado raso. No rodapé, mais búfalos negros, enfileirados. Aliás, o pré-lançamento se constituiu de imagens de uma manada bubalina em nanquim com os dizeres: “Os búfalos estão chegando”. Funcionou. Mostrou que eu havia aprendido a lição dos tempos que atuei na publicidade.
A ideia de fazer este romance vinha de longe, na verdade escrevi duas versões que foram extraviadas. A primeira, depois de pronta me desapontou. Era mais um romance regionalista, todo arrumadinho, falando de seca e inverno. Ora, muito bem já se havia falado nisso, Rachel, Graciliano, Zé Lins, Américo (olha aí a intimidade!), era malhar em ferro frio. A segunda versão foi trocar seis por meia dúzia. A mesma lenga-lenga, só que contada de uma forma mais atraente, em feitio de jornal, influência do livro 1919 de John dos Passos. Esqueci os alfarrábios no mais fundo do baú.
Mas aí uma história verdadeira a me perseguir serviu de mote para o sonhado romance. Um certo senhor de nome bíblico, Balaão das Quantas, trouxera da ilha do Marajó uma manada destes bois selvagens para criá-los na serra da Meruoca, uma aventura. Deu-se que um belo dia uma das reses rompeu a cerca e invadiu, assustado, o vilarejo, assombrando Deus e o mundo. Ficou fácil, enfiei na história o povo de Santana tendo como líder a mistura de três coronéis que conheci na infância.
O certo é que sobrou munição o que motivou a escritura dos outros dois volumes: Migalhas para as serpentes e Voe comigo quando desmorrer. E assim foi fechada a trilogia que se desenrola no mesmo cenário, pra variar, Santana.
Pelo visto, pouca gente leu. Com certeza, Manuelito, Virgílio, Eleuda Carvalho, João Soares Neto, Paulo de Tarso Pardal, Lustosa da Costa e Jorge Tufic, autores de prefácios, posfácios e orelhas. Tenciono editar os três num só volume para ver no que pode dar. Por mera vaidade, aliás já locupletada.
Agora fervilha na minha cabeça novo desafio: uma outra trilogia em cenário diverso. As locações já foram feitas: Mucuripe, seus jangadeiros, suas putas, marinheiros, bêbados, carolas do Padre Nilson, eleitores do Alberto Queiroz, frequentadores do Acrem e do Terra e Mar. As velas do Mucuripe vão sair para pescar, disse o poeta.
Tropel de búfalos é bem diferente do deslizar de jangadas sobre ondas. Talvez as duas andaduras traduzam um ritmo de vida, minha caminhada na arte. De primeiro os rudes passos na beira do rio Acaraú, indecisos, acanhados. Depois o singrar macio à beira dos verdes mares bravios, maduro, consciente. Vamos em frente. Mesmo que esta nova proeza não chegue, igualmente, às prateleiras das livrarias. Que talvez nem mais existam.


Exposição/Lançamento de "Outro Lugar", de Paul de Flers (8.3)


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O Espaço Cultural do Armazém da Cultura
convida para Exposição e Lançamento do livro/catálogo de
Outro Lugar
de
Paul de Flers

Dia 8 de março de 2016,
a partir das 19h,
no Armazém da Cultura

(rua Jorge da Rocha, 154, Aldeota)
Informações: (85) 3224.9780

armazemcultura.com.br