“N-Não é nada
dis-disso, gente! Deixa eu
explicar...”
Janaína era
uma jovem irrevogavelmente tímida e solitária. Havia quem dissesse, por pura
troça, que a moça possuía o segredo do manto da invisibilidade, tal seria a sua
capacidade de “passar em branco” fosse onde fosse. O exagero não era, porém,
distante da realidade. Trabalhava naquele escritório há 5 anos. Entrava calada
e saía muda todos os dias, de forma que um vaso de planta ornamental era mais
popular.
Naquele
dia, no entanto, um detalhe despertou a curiosidade geral: um chupão no pescoço
de Janaína! Sim, a mancha roxa a tomar extravagante o seu pescoço pálido soava
como um escândalo. As colegas, que nunca lhe dirigiam qualquer palavra, quase
em coro, a rodearam: “A noite foi quente, hein, garota? Abre o jogo!”
Janaína, num
misto de surpresa e falsa indignação, corou abruptamente enquanto gaguejava a
sua frustra tentativa de dispensáveis explicações. As colegas a acalmavam: “Besteira...
quem nunca, não é?” Nesse instante, ela notou pousar em seu ora tentador pescoço
o olhar malicioso de seus colegas, que a assediariam pelo resto do dia, afinal,
a inesperada revelação de tigresa tinha lá as suas delícias.
Janaína
custava a acreditar no que acontecia. Sentia-se como subitamente abduzida de
seu mundo paralelo, escuro e sem graça. E o mais engraçado de tudo é que aquele
suposto chupão era, na verdade, fruto da simples picada de um incômodo inseto.
Aliás, em meio à excitação daquela “estreia”, sentia-se também envergonhada,
pois que o seu Romeu, sabia ela e somente ela, tratava-se mesmo de um
borrachudo!
E mais: nunca
havia tido sequer um namorado. Quando não estava no batente, cumpria o dia a
ler mangás, contos góticos e eróticos, escrever fanfics, colecionar figuras de
ação e a se entupir de sorvete e batatas fritas, assistindo a temporadas
intermináveis de animes. Fora isso, era dormir e sonhar com a vida que queria
ter. E, para nossa surpresa, era aquela: ser o centro de atenções, ouvida,
desejada, amada e invejada!
Assim, em
terra de sapos, de cócoras com eles, desatou a exercitar a língua e a
imaginação, ocupando o ouvido das colegas com ousadas e vibrantes histórias de
amantes e namorados imaginários. Elas, boquiabertas, animavam-se e não se
conformavam por não terem nunca reparado na pequena e atarracada Janaína, uma
hedonista, libertina, e por que não dizer, devassa!
Não parou
por aí: nos dias seguintes, em banho de loja, abandonou as rotineiras malhas do
Dragon Ball e Sailor Moon, os seus inseparáveis tênis de cano alto e passou a usar
blusas mais justas, com razoável decote, e uma saia de poderosa fenda, a
equilibrar-se sofridamente nos calçados, mas mantendo seu mundo cenográfico, o
que duraria por mais alguns dias, nos intervalos do cafezinho, na qual era uma
espécie de Sherazade do edredon, uma fabuladora de profanos prazeres.
Todavia, é
sabido, desde sempre, entre a glória e o fracasso, tudo passa! Caindo na rotina
de todas as coisas móveis e sem haver nada de novo debaixo do sol, passou
rapidamente a ser ali qualquer uma. As colegas aos poucos cansaram da mesmice
de suas narrativas, então, mais adocicadas, além do que, nunca apresentava nem
era vista ao lado de tais garanhões e aquele chupão logo ingressaria na modalidade
“troféu antigo”.
Janaína
endoidou. Para ela, antes ignorada do que esquecida. Sentia-se traída, um
verme. Então, não foi de estranhar nem de causar espanto, quando certo dia ela não
compareceu ao escritório, estando hospitalizada após ter desesperadamente
enfiado a cabeça dentro de um vespeiro.