Comecemos a nossa reflexão à mesa do café e com esse título
provocativo de uma questão levantada por Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos.
James Akel, um jornalista reacionário, defensor
da ditadura militar, anticomunista e favorável à tortura, afirmou ter ficado
zangado – como não ficou por outros motivos bem mais sérios nesses últimos 4
anos – e estimulou-se a concorrer à vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL)
por conta de ter sabido que um outro concorrente, o quadrinista e empresário Maurício
de Souza, havia escrito em sua carta de proposição de candidatura à ABL que
os quadrinhos eram “literatura pura”. Akel ainda declarou estar os quadrinhos
no campo do entretenimento e não no da educação. Ou seja, para ele a literatura,
sim, domina este campo. Por outro lado, Maurício de Souza, em muitos momentos,
com hesitações, defendeu a sua tese e explicou: “Esta candidatura é para reunir
esforços com todos os acadêmicos em levar a importância desta entidade secular
para que crianças e jovens conheçam mais a nossa literatura e grandes autores
que por lá estão e já estiveram.”
Ora, na minha anônima, mortal e
proletária visão, declaro que o jornalista, cuja manifesta e exaltada leitura
literária parece nada adiantar para ampliar a sua visão de mundo, está CORRETO
quando afirma que quadrinhos não são literatura. Não são mesmo. Porém, está
completamente equivocado quando diz que quadrinhos são apenas entretenimento e
que a literatura é, por natureza, educação. Não é. Aliás, quadrinhos são muito
comumente utilizados como instrumentos pedagógicos em sala de aula, assim como
a literatura pode ser ou não.
Maurício de Souza, por consequência,
não foi feliz ao afirmar ser os quadrinhos “literatura pura” e, certamente, o
motivo de sua candidatura é outro e bem pessoal, pois é notório que ele não
precisa de nada da vetusta agremiação para conseguir alcançar esses tais
objetivos. Talvez a ABL até o atrapalhe... Mas em uma coisa Maurício tem
absoluta razão: “Os quadrinhos são revolucionários”.
A repercussão dessa luta desigual tomou
vários periódicos e o público (inclusive os jornalistas e articulistas) reagiu,
claro, a favor do pai da Mônica, pois a grande maioria declara que aprendeu a
ler e cresceu vendo e assistindo a turminha do bairro do Limoeiro. Eu também
tive minhas primeiras leituras com os quadrinhos que, para minha felicidade,
nos anos 70, não se restringiam à Turma da Mônica, mas havia vários, bancas
recheadas de títulos de HQs, quando eles eram ainda considerados leitura
medíocre, um subgênero ou mesmo um instrumento divulgador do erotismo, de
violência e criador de psicopatas.
De certa forma, sou forçado a crer que
comparar os quadrinhos com a literatura seria até diminui-los. Quadrinhos são
quadrinhos, uma linguagem própria – Will Eisner dizia tratar-se de uma
“tecnologia singular” –, que defende o seu direito de ser o que quiser e de se RELACIONAR/INTERAGIR
com a literatura, assim como com o cinema, a fotografia e a música. Não é maior
nem menor, é outra coisa! E, para não me deter muito nesses aspectos teóricos,
sugiro a leitura de Quadrinhos e Literatura: diálogos possíveis
(Criativo, 2014), obra organizada e composta por alguns dos maiores
pesquisadores de quadrinhos no país, de onde destaco um trecho que afirma que,
apesar das semelhanças e afinidades, “‘quadrinhos e literatura são linguagens
diferentes’ (RAMOS, 2019, pg.19). Assumimos também que as histórias em
quadrinhos são ‘um sistema narrativo formado de dois signos gráficos: a imagem
(obtida pelo desenho) e a linguagem escrita’ (CAGNIN, 1975, pg. 25). As duas
linguagens (escrita e quadrinhos) diferem não só pela utilização de imagens,
mas também pelo modo como essas imagens são utilizadas e se relacionam entre si
e com os demais elementos constituintes da obra na construção do significado
(PAZ, 2008, pg. 117)” (PAZ, 2014, pg. 154).
Sim, os quadrinhos têm seus próprios
elementos de linguagem que não encontramos na literatura, como os balões de
fala de nosso título acima. E, por falar em balões, nosso espaço já estourou
(POF!), só me restando dizer: Maurício de Souza, ao contrário de muitos que
carregam o medalhão da ABL, assim como muitas estrelas de nossa literatura que
foram por ela ignorados, é IMORTAL, pois essa condição só pode ser conferida
pela OBRA e pelos seus leitores. Se eu fosse ele, abandonava a candidatura inútil
e se voltaria, se quiser, aos seus projetos de incentivo à leitura, algo que o
país precisa e o que na sua história já fez e faz muito bem.