quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Lançamento "Pequenas Eternidades", de Zeca Lemos (30/9), no Ideal Clube


LANÇAMENTO
Pequenas Eternidades,
de Zeca Lemos
Data e Horário: 30 de setembro de 2016, sexta, às 19h
Local: Ideal Clube (área social)
Prefácio de Batista de Lima e capa de Totonho Laprovítera.
Investimento: R$ 30,00
Sobre a Obra:
Pequenas eternidades reúne uma seleção de crônicas e contos do blog homônimo escrito por Zeca Lemos. São textos escritos entre os seus 14 e os 17 anos, como uma forma de depurar as angústias adolescentes e, por meio da imaginação, criar um mundo onde a delicadeza é possível.
Suas narrativas são curtas como os estilhaços de pequenas eternidades.

Por Aila Sampaio

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Cidade Surrealista
                                                                   Zeca Lemos

Eu queria poder ver todas as cores que meus olhos absorveram mais uma vez, mas faltava-me coragem. Arrepiava-me ao conjecturar como seria enfrentar todos os obstáculos novamente. Visitar algumas pessoas era amedrontador. A escuridão em cada corredor, o silêncio em cada quarto e o sentido de cada recordação me tiravam a vontade de levantar. Sonhava com o dia em que recordar os momentos fosse o passatempo de toda a humanidade. No meu universo, o absurdo correspondia ao fantástico, e o mundo se remodelava a cada segundo.
O que havia de mais intimista era o que eu via como mais bonito. Perdi a conta de quantas das minhas noites foram dedicadas a tentativas de desvendamento do que os olhares das pessoas que eu conversava traziam. Eu sabia que cada um podia inventar a história que quisesse para sua vida, mas ficava me perguntando qual o limite que as pessoas davam para suas criações.

Nasci e me criei no lugar em que o calor trazia passagens. E em cada esquina eu podia sentir o coração da cidade. Nos bares antigos, nas paredes desgastadas, nas livrarias quase vazias e, sobretudo, nas bancas de jornais. Cada uma trazia seu aspecto. Os diários estampando suas manchetes e as revistas ostentando suas imagens comerciais faziam as minhas manhãs sorridentes. E eu ficava pensando que estava enlouquecendo, pois não sabia explicar o porquê daquela banalidade me fazer sorrir. Sentia que os jornais exploravam as emoções dos fatos da forma mais poética. Era como se eles fossem fotografias: tomavam cenas estáticas para eternizá-las, como se tempo nenhum fosse capaz de destruir os sentimentos expostos.

Algumas imagens eram captadas como marcantes. O meu olhar fazia os fatos cotidianos se transformarem em narração de histórias. E em cada nova história o meu coração terminava se perdendo em um labirinto. Era tudo difícil, sofrido e complicado. Mas quanto mais me maltratava, mais vontade eu tinha de reviver. Era estranho, mas deixava minha alma pura. Como meu sentimento pelos filmes surrealistas. Eu sabia que não era comédia, drama ou terror. Mas sentia tudo que esse gênero poderia trazer. E foi ali que eu vi que nada me fazia tão realizado quanto ver ideias absurdas tomando forma.


http://palavreares.blogspot.com.br/



sábado, 24 de setembro de 2016

Encontro de Produtores, Formadores e Coletivos em Quadrinhos no Ceará, 28/9, no Dragão do Mar


Data e horário: 28 de setembro (quarta-feira) de 2016, às 19h
Local: Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Convidados da mesa:
· Fabiano dos Santos Piuba (secretário da Cultura do Estado do Ceará)
· Paola Braga (secretária executiva Municipal da Cultura de Fortaleza)
· Glauber Uchôa (coordenador da Economia Criativa do Sebrae)
· João Belo Jr (integrante do coletivo The Comics Café)
· Débora Santos (integrante do Netuno Press)
Mediação: Daniel Brandão (quadrinista e formador em HQs)
Objetivo do Encontro:
O encontro é uma GRANDE CHAMADA que visa reunir e integrar autores (produtores), formadores e coletivos em quadrinhos que compõem as cadeias criativa, produtiva e leitora de HQs para debater assuntos de interesse, entre eles, as políticas públicas de fomento, formação e ampliação da atuação das referidas cadeias, oportunizando espaços alternativos de produção, promoção e fruição de bens e serviços culturais.
Na ocasião, a Secult, SecultFOR e Sebrae apresentarão a sua visão e as propostas ao segmento para o ano de 2017, entre outras novidades.
É fundamental que os autores independentes e integrantes de coletivos de quadrinhos, além de todos os interessados no desenvolvimento das ações relativas às HQs, se façam representar, estando presentes, ouvindo, participando e contribuindo com sua experiência na discussão e na busca de alternativas de fomento do segmento.
Na entrada do auditório, serão registrados todos os autores/coletivos presentes.
Divulguem, compartilhem, reúnam-se e fortaleçam os Quadrinhos do Ceará.
Podemos conseguir mais, se estivermos juntos!
Entre com a gente nessa corrente!
fdr.org.br/uane/hqceara
Apoio
Instituto Dragão do Mar
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Secretaria da Cultura do Estado do Ceará
Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
Realização

Fundação Demócrito Rocha

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Mercado dos Quadrinhos/Projeto HQ Ceará, 17 de setembro, no Mercado dos Pinhões


O universo das HQs vai invadir o Mercado dos Pinhões neste sábado (17/9), a partir das 17 até às 21 horas, com a terceira edição do Mercado dos Quadrinhos. A programação reúne artistas autorais cearenses e um público ávido por novidades no segmento que agrega tanto a fãs como colecionadores. Na ocasião, além de compra e troca de publicações exclusivas, quem comparecer poderá trocar ideias com outros fãs e curtir a seleção musical de Ivan Timbó.
E não para por aí! Outro destaque do Mercado dos Quadrinhos são os painéis temáticos. O primeiro painel, cujo tema será “Projeto HQ Ceará", terá início as às 17h30min e conta com os palestrantes Raymundo Netto e Daniel Brandão. Logo após, às 18h30min, o tema será “Quadrinhos Autobiográficos”, com Brendda Lima, Dhio Barreto e Elisa Azevedo.
Os expositores confirmados para esta edição são: Adriano Sousa (Anarcopato); Alexandre Vidal (The Comics Café); Brendda (Netuno Press); Camila Oliveira de Medeiros (Grupo Tom) ; Daniele Leite (Dani Mãe); Débora Santos (Netuno Press); Dharilya Sales (Grupo Tom); Dhiovana Barroso (Coletivo Arminina); Elisa de Azevedo (Caramujolândia); Felipe Heloi (1000 Traços); Francisco Oliveira (Apenas um Chico); Guabiras; Heitor Ximenes (Nasinecura); Ícaro Araújo (Caramujolândia); Jean Sinclair; João Belo (The Comics Café); João Gabriel Ramos Neto; Julio Belo (The Comics Café); Marcio Moreira (Netuno Press); Mariana Marrie; Maykson Liberato (Mayk); Milene Fernandes (Grupo Tom); Nádia Lopes; Natàlia Mendes Maia (Coletivo Arminina); Natália Prata(Grupo Tom); Nat Matos; Nycola di (4° bagunçado); Oráculo (Grupo Tom); Pedro Lins (Pinhead-Detona); Rafael Dantas; Sirlanney (Magra de Ruim).
E se a fome bater, a expositora de gastronomia Juh Veras estará a postos para lhe atender. 
O Mercado dos Quadrinhos é uma realização da Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal da Cultura.

Mercado dos Quadrinhos
Sábado (17/9), a partir das 16h às 21h
Mercado dos Pinhões (Praça Visconde de Pelotas, s/n – Centro – próximo ao Colégio Militar de Fortaleza)

Informações: (085) 3105.1386 / 3105.1292


domingo, 11 de setembro de 2016

Lançamento "Viagens Introspectivas" e "Escrito nas Jangadas", com Márcio Catunda e Eugênio Leandro (14.9)


Clique na imagem para ampliar!

Dia 14 de setembro (quarta-feira), às 19h, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Espaço Rogaciano Leite Filho), Márcio Catunda, poeta cearense, autor de vasta obra literária em poesia e em prosa, lançará Viagens Introspectivas, seu mais recente livro de poemas. Trata-se de uma colheita de poesia da maturidade de Márcio como escritor, cuja temática versátil abrange os questionamentos existenciais do homem, sua liberdade, sua busca de plenitude e a consciência de sua espiritualidade. A maior parte dos textos foi escrita em Madri (cidade onde o autor trabalhou a serviço do Ministério das Relações Exteriores), e em Argel, onde trabalha atualmente.

No mesmo dia será lançado também o CD “Escrito nas Jangadas”, com poemas de Márcio Catunda musicados por Eugênio Leandro, e com participações especiais de Izaíra Silvino, Nonato Luiz, Fernando Néri e Clarice Trummer, entre outros artistas cearenses.



sábado, 10 de setembro de 2016

Literatura Suicida: "SopÓpera: crônica poemarcelo bittencourt", de Raymundo Netto, em Crônicas Absurdas de Segunda


VIVER! Ainda é a melhor escolha.
10 de setembro
Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

Nasce o poeta à luz de um dia, extraído de gomos de nuvens, forjado em flandres, coração cerzido por cantos de anjos. Vem ao mundo na cangalha de vento, ao caminhar lento de quem nada espera do desperdício das horas que se arrastam pela vida afora num sopro fresco a tremular a cortina fina da janela, a revelar a parede caiada, branca fumaça, tal qual folha sem graça de papel sem rastros de versos.
Ainda menino, sente-lhe cair ao colo a étima poesia. Descontem-se os sentimentos que afloram e afaunam a sua apatia. Como fora luz a mostrar palmo de língua a si mesma, insaita: a poesia não está na palavra, pois que esta é larva; a poesia é não mais que sim, é você antes de mim, é mais antipoesia que poesia e se respira no quintal, na grama verde, no sorriso da criança que comove e se rende à esperança, e, finalmente, a poesia não é a cara do poeta, mas do mundo, e o mundo uma sombra que vaga no fundo de seu olhar.
O néscio, cuja fronte suada é cingida pelos louros do ideal, opta pela vereda anárquica original, musa da loucura melódica a flutuar na monocórdica mansidão do mundo ao som profundo dos estertores de seu peito magro e punho. Mal sabe ter elegido, como destino de vida, um reles rascunho.
Ordena-se, então, com pompas de herói marginal, por meio do sonho, o poeta sem igual e, desdentão, se põe a dançar com os demônios, a rir-se e a se rir, à socapa, com eles, a lhes vender por nada a alma, a deitar em sua lama, em sua cama, a coçar-lhes as feridas às costas, a lhes provar o fel da amargura e dissabor, a transformar todo o infortúnio deste orbe em amor.
Carrega assim, vida sem fim, na aflição da alma lunar, todas as madrugadas, por travesseiros as calçadas e a própria febre como cobertor.
Colhe no ar cada palavra e a semeia com a dura doçura de esteta e palavrador, aquarelas palavras que espinham a garganta, que lhe cortam os dedos e que alfinetam o pensamento ensimesmado. O fio de ideias que lhe escapam o novelo, a embaraçar os cabelos, a enrugar-lhe a testa que, em festa, comemora seu verso engrolado.
O poeta não o sabe – há quem (lhe) diga –, mas carrega entranhado em si a dor de todos, e a ela suporta com olhos lacrimosos no decotar do peito arfante da mulher da rua, no meio-fio frio nas noites de luar, na urina que lhe escapa ainda quente à parede do bar, na volúpia da anca pública, na morte anunciada em seu olhar. E descreve sua poesia com letras da fome, sabendo que as fomes maiores vêm da agonia dos que nada tem, pois que se lhes é arrancado todos os dias pelos insaciáveis tubarões do Congresso que as mantêm.
Dói... Ah, como lhe dói a marcha vida. A ele, e somente a ele, o mundo impõe o exílio, e este, sem auxílio, pode estar aqui em meio a todos, no escárnio, no deboche de quem lhe diz: “Doido! Maluco! Abestado!”
O poeta, sim, sem enfado, sabe, mas não acredita que sabe tudo, pois tudo às suas vistas é imensidão, é indecifrável, é beleza. Ao contrário dos homens doutos que em sua vileza dizem saber tudo, pois conseguem ir e vir da esquina; e têm dinheiro para comprar a esquina, ou aquela que encosta-se a seu poste ou na feira, mas que não veem que nunca a possuirão inteira.
O poeta, deitado em seu quarto, coxas à barriga, morre todos os dias e sonha para esquecer a vida. Veem-no e o dizem preguiçoso, dorminhoco, um pastor com sobrosso de um louco, em querelas de mesa de bar: “Poetas, vagabundos a vaguear!”
Cinzas ilusões, cinzéis de emoções, antes da garganta sufocar e seu corpo, em balanço, pendular, molha para trás os cabelos. A barba negligente, pela última vez, coça. Lê mais um verso do “maldito” e adoça o último orvalhar de sua face a si estranha.
Ao poeta desconhecido, a sepultura forrada com borboletas, a sarjeta pessoal, a mesa posta em mistérios de um universo estrelado de lantejoulas, entre folhas de papel crepom luzidias e amargas balas de celofane.
Quando suas palavras quedam entre as fagulhas do seu poema, diluem-se, estalam-se e viram vidro, caneta, papel e incompreensão.
Da taça que bebes, ó poeta, entornas do seu verso, em semente, a solidão.

SopÓpera: crônica poemarcelo bittencourt, de Raymundo Netto, Crônicas Absurdas de Segunda (2015) - publicado originalmente em O POVO em 5 de novembro de 2010.

Sobre o homenageado: Gentil Marcelo de Barros Bittencourt Filho, o Marcelo Bittencourt, era poeta e boêmio, um dos editores e colaboradores da revista Pindaíba.

Como geralmente acontece, era um cara alegre, mas de espírito atormentado. Alucinado pelo “maldito” José Alcides Pinto, assunto comum em todas as vezes, e poucas, que sentamos à mesma mesa no bar do Assis, na Gentilândia. Suicidou-se numa quarta-feira, dia 6 de outubro de 2010, deixando o Benfica, seu bairro-lar, numa noite escura sem estrelas. Ao Marcelo, meu minuto de silêncio de sonora e gritante poesia.






sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Literatura Suicida: "Intermezzo”, de Raymundo Netto, em Os Acangapebas


VIVER! Ainda é a melhor escolha.
10 de setembro
Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

lasciate ogni speranza, voi ch'entrate
(Dante Alighieri, A Divina Comédia)


(...)

Ela morreu. Ninguém mandou, mas mesmo assim, ela morreu.
Rompeu a lógica num absurdo e abmudo processo.
Caiu num abismo de incertezas e conflitos que, ninguém sabia, trazia entre os cabelos quase sempre desalinhados.
Ela morreu. Difícil crer no vazio de seu quarto.
É estranho poder, agora, ler as cartas recebidas; mexer nas caixas guardadas secretamente no armário; escolher suas roupas; separar o seu prato e o copo; distribuir seus livros, fotos e discos... Aliás, nada do que tanto amava levou consigo, nem a vida nem eu.
Ela morreu. Olhava por aquela janela todos os dias. Parada, encostava a cabeça, empunhava uma xícara de café e lançava o olhar — contornado pelo cansaço das noites indormidas — para adiante. Só o olhar, então, só o olhar.
Mas ela morreu; não, não morreu; sim, foi-se.
Nunca falou nada sobre isso. Por que não gritava, por que parecia que nada, absolutamente nada, lhe pesava tanto? Precisava? Precisava?
Não, ela falava sim, falava o tempo todo, quem quisesse poderia ver na sua inquietude, no silêncio, no toque das mãos, no suor, no olhar... Ela estava lá, o tempo inteiro, naquele olhar.
Ela morreu. A apoteose deu-se à calçada, sem flores nem jardim. O cinzento do céu combinava com o cimento da garagem. Tanto fazia o céu como o chão. Voar ou morrer.
Ela morreu.


Intermezzo, em Os Acangapebas, de Raymundo Netto (2012)






quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Literatura Suicida: "Portas Fechadas", de Raymundo Netto, em Os Acangapebas


VIVER! Ainda é a melhor escolha.
10 de setembro
Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

lasciate ogni speranza, voi ch'entrate
(Dante Alighieri, A Divina Comédia)

Para o amigo Manuel Bulcão

Todo mundo sempre me dizia: quem tem depressão, não pode deixar as portas fechadas!
Não entendia o porquê das portas, mas sabia, sim, o que era depressão. Uma tristeza sem fim, sem razão, e, ao mesmo tempo, com todas elas. Uma sensação de vazio imenso, a angústia, o coração apertado, uma vontade sofrida de chorar... Aliás, certa, certa, só mesmo essa vontade, quase vergonhosa, de chorar.
Geralmente, minha casa estava escura. Trancava as portas e as janelas, não queria ver ninguém. Era doído mostrar um sorriso de aparência, fingir atenção ao ouvir as medíocres histórias do dia a dia de todo o mundo, assisti-los a rir de piadas velhas ou a me contar de suas esperanças e crenças e, o pior: vê-los a zombar das próprias desgraças!
Televisão ou rádio, eu nem ligava. Ouvia música, sim, mas sempre, sempre, as percebia tão tristes quanto eu.
No mais, sempre me diziam: Olhe, quem tem depressão nunca pode deixar as portas fechadas, hein?!
Pus a fazer assim: não as fechavas mais, contudo, também não aparecia mais à porta, para que não me vissem, não me incomodassem... esquecessem de mim! Então, quando os mendigos ou carteiros batiam palmas no portão, eu ficava imóvel, silenciado, olhando pela fresta da basculante até eles se irem de vez.
Eu escrevia. E escrevia sempre, seja o que fosse, escrevia. A cabeça sempre ocupada, cheia de pensamentos a se acotovelarem, não me deixando dormir. Assim, varava as madrugadas e escrevia. Os meus dedos cumpriam por mim aquelas prometidas caminhadas pela praça ou à beira-mar, recomendadas pelos amigos, como terapia. Eles já achavam: precisava de terapia.
Em minha mente se passavam todos os tipos de acontecimentos, porém, na minha vida mesmo, sentia que nada acontecia; nada me suportava a vida!
Sentado diante do computador, lembrava momentos passados, rostos quase esquecidos, antigas promessas, dentre elas a maior, a da felicidade, feita ainda à juventude, que se foi sem que me desse conta. Não acreditava um dia envelhecer. As pessoas diziam: “mas você não tem nem quarenta anos!” Eu nem que acreditava...
Olhava a caixa de mensagens de cinco em cinco minutos: nada! Ficava pensando que logo, logo, alguém escreveria falando de seus planos e eu, com ele, sonharia, desfiando o sonho alheio, ponto a ponto, até cansá-lo e tirar-lhe o gosto. Eu mesmo, fazia tempo, não colecionava sonhos, não esperava por nada nem por ninguém. Eu não acreditava mais.
Nisso, de repente, um vento entrou e fechou-me a porta da sala. A casa escura!
Lembrei: quem tem depressão não pode deixar as portas fechadas!
Senti medo. O que aconteceria, então? Vozes frequentes ao pé do ouvido mudaram o discurso: ele morreu? ele morreu? ele morreeeu... Uma sombra pesada em tom de cinza pairou sobre minha cabeça. O frio desceu-me a nuca e fiquei em silêncio, atônito, a esperar, mas nada aconteceu. Na sala, tudo parecia olhar para mim: os livros, os quadros, as prateleiras, as canecas... até o gato que numa apatia incômoda não ria nunca, também me fitava... eles sabiam... mas nada aconteceu!
Fui ao banheiro, olhei para o espelho, e não era eu quem estava lá. A garganta apertava-me, e eu chorei, chorei, chorei, abri as torneiras... mas nada aconteceu. Nada acontece nunca e nunca mais abri as portas nem os olhos, trancado para sempre na minha mais absoluta solidão.


Portas Fechadas, em Os Acangapebas, de Raymundo Netto (2012)