“Essa mulher é um bagulho! Olha só, gente! Ha, ha, ha...”
No bar,
sede maior da democracia e da galhofa brasileira, onde também as mesas
masculinas esticam as noites mais simplórias de pileques, carros, futebol e
mulheres, a atenção daqueles amigos voltava-se à calçada para conferir o alvo
da maldosa pilhéria.
Entre eles,
Jurandir, o sempre alegre e carismático motorista de Uber, que, como os outros,
correu à janela. Todavia, enquanto todos a apontavam, rindo a valer,
deliciando-se daquela cruel mangação e, por tabela, imaginando o triste par daquele
“bagulho”, ele voltou-se, de fininho, e correu ao banheiro. Ali, a postos e diante
do mictório, Jurandir, envergonhado, se punia: “O bagulho é a minha mulher!”
Suzete, era
esse o nome de sua sua esposa, foi a inapelável paixão de sua juventude. E não
só a dele. No furor destemperado de hormônios contidos de adolescentes, era cobiçadíssima
pelos garotos do bairro, por conta da sua beleza e da volumosa retaguarda, sendo
por eles apelidada de Suzy Locomotiva ou Su Tanajura.
Não raro, na
época, Jurandir ouvia os lamentos de recusas que ela distribuía soberbamente à
rapaziada mais ousada, o que conferia a ela uma aura quase divinal.
Daí
estranhar que, em uma festinha num clube mixuruca de bairro, ela mesma tenha
dado bola a aquele jovem extremamente tímido e gorducho.
Durante meses, Jura assistia, com o orgulho de ganhador de loteria, aos colegas inconformados: “O que diabos essa mulher viu em você?” Ora se ele sabia! Estava feliz, despudoradamente fascinado pela namoradinha a quem dedicava declarações de amor eterno, decoradas de falas de telenovelas.
Com ela, sua primeira vez e
todas as demais de sua vida. Assim, casaram-se, e na fúria de seus impulsos de
paixão alucinada, que fazia tremer as paredes finíssimas da casa de conjunto sem
forro e geminada comprada a perder de vista, colheram cinco filhos, quase que
em escadinha, isolando-os do convívio social.
Num ato de
bravura e para dar conta, Jurandir trabalhava todos os dias, antes, como
motorista de ônibus e, depois, taxista, enquanto Suzete enfrentava o pandemônio
da rotina da filharada e da casa, alimentando-se de comida barata, servida a
granel, e descuidando-se completamente de si.
Ainda no
banheiro, o velho Jura via passar por seus olhos, e pela parede marcada por impropérios,
números telefônicos e propostas indecorosas, o filme do romance de sua vida. Fechou
a braguilha, saiu dali e, sem pagar a conta nem falar com seus colegas de mesa,
voltou para casa.
Ao chegar, Suzete
já dormia, enrolada na colcha extravagante. Admirava-a, em silêncio: “Bagulho...
Bagulho?” Aquela palavra, para ele incompreensível e ultrajante, trazia uma
gravidade a ferir mortalmente o mais íntimo de sua alma.
Naquela
noite mesmo, resolveu: romperia com aqueles homens, passaria a frequentar outro
bar e até deixaria de beber... Claro, mas isto só no caso de um fatalismo profético!
No dia
seguinte, ainda consternado com o acontecimento, cumpria sua rotina de Uber
quando atendeu ao chamado de um jovem, estilo jamaicano, descolado, colorido e
com um gorro forrado de dreads. O
rapaz o achou disperso, meio de bode, e, tirando da mochila uma sacola surrada
de papel, sondou: “E aí, coroa, tu curte um bagulho?”
Jura, diante
de inusitado questionamento, sentiu uma vertigem absurda, desequilibrou na
direção, subiu a calçada e, ao brecar drasticamente, gritou com seu assustado passageiro:
“Eu AMO o bagulho, entendeu? Eu AMOOO!!!”