A
vida pode não ser, mas a morte certamente é segura. Assunto a todos
desagradável – pé de pato mangalô três vezes –, há quem diga que o fim, por ser
a única certeza terrena, merecia maior investimento, ou que seria possível
medir-se o sucesso de uma vida pela qualidade da morte que se tem. Eu, pelo
menos, me ladeei na vida com a morte. Desde pequeno a sinto à mão, sussurrada
no ouvido e presente nos olhos de gente boa demais para esse mundo. Queria, não
nego, ter uma boa morte, não necessariamente feliz, mas intensa, com direito à
trilha sonora e diversidades de planos de câmera, como deveria ser a vida e o
cinema. Mas, ao contrário do nosso almejado projeto de morte, muitos saem do
palco cedo demais, em trágicas performances de violência, descuidos ou renúncia,
ou, pior, em desastrados e ridículos atos finais que bem compõem as coisas
engraçadas de não se rir de uma vida inteira. Nos Estados Unidos, onde se
produz as coisas mais inúteis do mundo, existe até um prêmio, o Darwin Award, que contempla as mortes
mais estúpidas, como: Átila, o Huno, escapou de morrer em centenas de combates
para ser abatido por uma hemorragia pós-matrimonial de baço (?). Empédocles,
filósofo grego, não satisfeito com a falta de reconhecimento intelectual,
espalhava a todos, tal qual o Paulo “mosca” Coelho, que tinha poderes
supra-humanos. Como ninguém acreditava nele nem gostava de filosofia, decidiu se
jogar numa cratera vulcânica para provar o que todos já sabiam: ele era mesmo só
um mala. São famosos os casos do dramaturgo Tennessee Willians, de biografia
interessantíssima, que nem sonhava um dia morrer engasgado com uma tampa de
garrafa, e do contista Sherwood Anderson, morto por uma peritonite porque
engoliu um palito de dentes. Como vemos, não são apenas os leitores que engolem
qualquer coisa. Os escritores também.
Aqui
no Brasil, dia desses, por exemplo, um cidadão morreu quando uma vaca, que
escapava de cachorros espritados, subiu em sua casa e arrebentou o telhado.
Quer mais? Uma suicida, decidindo encerrar a sua dúvida existencial, acabou
levando de carona um espanhol cinquentão que cruzava a calçada do prédio onde ela
morava. Um canadense, professor de direito, para provar a seus alunos que o
vidro da janela de seu apartamento era inquebrável, jogou-se contra ela... e
não era! Um jovem físico quis provar aos colegas, usando de seus conhecimentos,
que conseguiria vencê-los na competição de lançamento de cuspe da varanda de
seu apartamento no paralelo oitavo andar e, de fato, o conseguiu, mas só
recebeu os devidos cumprimentos no térreo. Tem o caso do rapaz acusado de ter
assassinado o colega. Seu advogado, muito habilmente na tentativa de provar que
o cliente não o havia assassinado, mas que este morrera vítima de um disparo
acidental, realizou uma simulação que, de tão real, provocou outro disparo cuja
vítima desta vez seria o próprio advogado. Também um empregado de uma famosa
fábrica de chocolates de meu consumo pessoal escorregou num tanque cheinho da
massa de cacau, morrendo com direito a cobertura e tudo... e nunca mais tive a
certeza de serem apenas castanhas. Tem também o jovem americano comedor de hambúrgueres
encontrado morto em sua casa. Detalhe: ele tinha enfiado em sua cabeça uma camisinha.
Penso: queria certificar-se de não haver furos nela ou não leu as instruções do
manual? Há o estranho caso de um time inteiro de futebol dizimado por um raio durante
uma partida na República Democrática – vai ser democrática assim... – do Congo,
ou a da stripper Gina Lalapola, na Itália, contratada para sair freneticamente
de um bolo de despedida de solteiro. Enquanto os rapazes gritavam “Sai, Gina!
Sai, Gina!”, o recheio não vingou, pois a moça morrera asfixiada. A revista “Super
Interessante” revela que 10 americanos, em média por ano, morrem esmagados por
máquinas de refrigerantes ou salgados, pelo hábito que se tem de balançar as
máquinas até retirar os seus produtos de graça. E mais por lá: uma emissora de
rádio promoveu concurso de “segura-xixi”, ou seja, ouvintes iam aos estúdios e
bebiam litros e litros de água. Ganhava um videogame quem bebesse mais água e
não fosse ao banheiro. A candidata a levar o segundo lugar morreu em casa, intoxicada,
vomitando água. Enquanto isso, num circo, um romeno, engolidor de fogo, na hora
do espetáculo descuidou-se de um arroto e simplesmente explodiu, para alegria
da plateia. Bizarro mesmo foi o rapaz de 19 anos que, chegando em casa, sentiu
a falta de algumas garrafas de licor de seu bar. Crendo ser arte do vizinho,
decidiu vingar-se esfaqueando-se para acusá-lo depois pelo violento roubo. Bem,
ele poderia até entender de licor, mas não de anatomia... Rasgou um vaso
importante e morreu na hora. E aquele ciclista brasileiro, distraído em seu CD
player, a atalhar o caminho pelo aeroporto? Acabou atropelado por um avião
bimotor! No Egito, um caso deu pena: o dono de uma galinha ao vê-la cair num
poço pulou para salvá-la. Não retornando, mais quatro pessoas, uma a uma, pularam
atrás, sendo que nenhuma delas sabia nadar. Daí, só quem escapou mesmo foi a
galinha, certamente, traumatizada. Tem o inglês que ateou fogo em si próprio
para demonstrar que aquela bebida era inflamável ou aquele rapaz que, em seu
primeiro salto de paraquedas, estava tão ansioso em não esquecer a câmera para
filmar e postar no facebook, que acabou esquecendo-se de colocar o paraquedas. Essa
semana, num café, um amigo até me contou a história de uma senhora que morria
de medo de morrer – essa é boa – de câncer. Algum vizinho com mania de médico,
todos temos alguns, contou para ela ser a água uma das medidas milagrosas para
evitar a doença. A mulher, obcecada, não podia nem ver torneira, passou a beber
água feito uma louca. Resultado: escapou de morrer de câncer, pois morreu mesmo
foi de “afogamento interno”.
A
morte se parece menos terrível quando se está cansado, como dizia Beauvoir. Não
há o que temer, apenas a lamentar, quando a vida é breve ou a produção pequena.
Resta-nos à despedida, o alívio do golpe certeiro, da cabeça descer leve na
cesta, sem remorsos nem arrependimentos a nos acompanhar na eternidade do
derradeiro sono. Vai-se hoje, encontra-se amanhã. O mundo é redondo e a alma
descansa mesmo é sobre os nossos ombros...