sábado, 31 de dezembro de 2016

"2017: Ano-Novo de Novo", de Raymundo Netto



Meus amigos(as), leitores(as), conhecidos(as), colegas e gentes em geral da calçada digital deste feicebuquioceano.
2016 se despede pela compulsória e abre as portas para um inexperiente 2017. Ele chega, como toda criança, com promessas tão belas que de jamais poder cumprir – o que não deixa de ser uma grande promessa.
Decerto, somos meninos e meninas crescidos, mesmo quando nossa vida é apenas uma agulha dispensável nesse palheiro de controversas atitudes e discursos retóricos, ensaiados e repetidos todos os anos, todos os anos, todososanos.
Aprendi: a passagem do Ano-Novo é apenas uma vírgula no calendário. E, como todas as vírgulas, umas incompreendidas.
Alguns abusam de seu uso, enquanto outros as ignoram, no mesmo instante que aqueles, entre os quais me incluo, por não saber o que fazer com elas, têm a ciência de que, na dúvida, melhor esquecê-las.
Esqueço assim que essa noite é diferente, pois não é, mesmo com a faixa impensável colada no peito. Logo mais o céu será tarjado em cores de apocalipse, num colorido de festa popular, paga em troca de altos tributos e ao som de música de qualidade magérrima. Sim, são fogos do bem, felizmente, quando poderiam ser fogos em Aleppo, destruindo esperanças e vidas.
Comemoro, então, ser testemunha do hoje, ainda por aqui, na esperança caduca de poder abrir a minha janela amanhã. Farei o meu possível. Tenho tanto para fazer amanhã...
Em minha cabeça, juro que nem sei, a descrença fora arrebatada por planos e ideias de futuro glorioso, correndo junto aos ponteiros do relógio. Num outro instante, senti falta de muita gente, mas todos de uma só vez, democraticamente, sem hierarquias, hegemonias ou pretensões. Gente querida e saudosa. Gente que faz falta e que, de uma forma ou de outra, figura – às vezes protagoniza – a minha história.
Tive a felicidade de viver muita coisa, de errar muito – e acertar às vezes –, de não estar em dia com minha idade. Olho para o mundo em minha volta e percebo a finitude de tudo, menos dos sentimentos, pelo menos daqueles verdadeiros, mais sólidos do que aquelas promessas.
No exercício de perder, assisti a algumas perdas irreparáveis. Tenho saudades que me chegam a doer no fundo dos olhos, mas que, como as águas do Velho Chico, não chegam. Não as digo aqui, porque não há transcrição possível.
Mas apesar de tudo, a esperança, como aquela bactéria incômoda, não me deixa e provoca todo tipo de alucinação. Viver, viver... até quando? Pouco importa. A esperança está ali, do lado de fora da minha janela. E eu, debruçado no seu peitoril, esqueço que ouço a mulher que grita “Hoje a farsa vai acabar” e curto o balançar das folhas distantes a anunciar, como ventríloquo, que o que é bom está para começar agora...
Agora, faz-se a hora, e temos a chance de tentar mais uma vez. É só isso. Mais uma vez. Tentar! Que venha mais uma nova manhã... e que seja leve.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

"A Luneta Mágica", de Raymundo Netto


Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), médico, escritor, dramaturgo e jornalista carioca, famoso autor de A Moreninha, obra que em 1844 traçou a estreia do romance nacional brasileiro, escreveu em 1869 (século XIX) A Luneta Mágica, menos conhecida do que a primeira, mas cabendo aqui sobre ela uma boa “matutada”.
A obra tem como narrador e personagem central Simplício, que inicia: “Chamo-me Simplício e tenho condições naturais ainda mais tristes do que o meu nome. Nasci sob a influência de uma estrela maligna, nasci marcado com o selo do infortúnio. Sou míope; pior do que isso, duplamente míope, física e moralmente.”
De fato, Simplício não enxergava a um palmo do nariz (miopia física), o que não permitia que visse imagens e aparências, ou seja, não teria condições de “julgar pelas aparências”. E, sabe-se lá, devido a isso ou à coisa nenhuma, também não conseguia associar ideias (miopia moral), o “Lé com o cré”, como dizem na boa e colorida linguagem do cotidiano, dando a impressão de ser um parvo, um bobo, não ter opinião sobre nada, absolutamente. Daí, seu maior sonho: poder ver as coisas como elas realmente eram – como se fosse isso possível...
Aparentemente – irônico isso – lhe bastaria um par de óculos. Como tinha recursos, não seria problema, mas já havia experimentado vários e nada. Foi quando lhe apresentaram um mago Armênio, residente na rua do Hospício, que se dizia com o poder de lhe oferecer uma luneta mágica –entendendo que a “luneta” a que se refere o livro é um monóculo – que deveria ser usada apenas durante três minutos, advertência do mago, pois a partir de então, seu possuidor passaria a ter a “visão do mal”, ou seja, ver o mal de todas as coisas e pessoas. E, com mais de 13 minutos, ele teria também o poder de enxergar o futuro e, então, a luneta se despedaçaria. Huuummm.
Foi quando Simplício, como é absolutamente humano e imperfeito, desobedece a ordem de não ultrapassar os três minutos e descobre então toda a maldade e rudeza de um mundo, despertando o seu espírito de sonolenta inocência.
Num segundo momento, recebe outra luneta, com os mesmos atributos, só que, ao invés de ter a “visão do mal”, tem a “visão do bem”, passando a ver apenas o lado bom de tudo e de todos.
Não irei oferecer aqui mais spoilers. Já basta. Que os interessados leiam Macedo, ele merece. Comecemos então a pensar nessa simplícica visão do bem e do mal.
Ora, Macedo, em um momento de seu livro, como costume, filosofa:
“A exageração degenera os sentimentos, desvirtua os fatos, desfigura a verdade. Exagerar é mentir. No mundo há o bem e o mal, como há na vida o prazer e a dor. Mas o bem é o bem, o mal é o mal como eles são e não podem deixar de ser para a humanidade que é imperfeita: perfeito bem, absoluto mal não há para ela. [...] homens absolutamente maus ou absolutamente bons não são possíveis, nem se compreendem. Estudar o mundo e os homens, observando-os pela enfezada lente do pessimismo é tão perigoso e falaz como estudá-los observando-os pelo imprudente prisma do otimismo.”
O povo também brasileiro, tão incipiente de leitura e de maquinário intelectual, sem opiniões ou julgamentos próprios – pelo menos os mais elaborados –, como Simplício, tão facilmente conduzido por aquilo que aparentemente se vê, ou pelo que as suas lunetas televisivas e/ou midiáticas apresentam num alardeado pessimismo ou otimismo, conforme interesses e objetivos de quem as dominam [refiro-me, prestem atenção, às lunetas], parece perdido, numa caravana de ódio e de desespero, precipitado como os bárbaros nos tempos mais remotos, movido por instinto de sobrevivência, raivoso e aguerrido numa batalha gratuita em campo aberto – porém com protetor solar de farmácia –, numa disseminação de inverdades, tomado pelo show pirotécnico do grande coliseu judiciário, embasbacado com o espetáculo da corrupção, como se, pela primeira vez, lhe fosse desvendada a maldade humana. Haja Cabral... Quanta inocência.
O povo noveleiro, sempre imerso na sua ridícula vida individual, com a barriga cheia de si e dos seus, na busca dos penduricalhos materiais, de repente se vê convocado pelos titãs – os manda-chuvas e pais adotivos da maracutaia – que sempre lhe comandaram a vida. E ele, povo ignaro, de então, acha-se militante, coloca a camisa da corrupta CBF, representando o que chama de sua pátria, “ó mãe tão esquecida”, mas sem reconhecer-lhe a maternidade, a agride com verborragia desnecessária, contraditória, ensandecida, nunca que preocupado com seu país, com os famintos ou desassistidos, mas com o calo que lhe é apertado por aquele Nike comprado no shopping dos brilhantes.
Ou aquele povo, aquele que se insere nas ditas lutas sociais, que grita, berra, anda de alpercatas – porque esconde os sapatos italianos para outras ocasiões – mas que na verdade tem pretensões de vagas e cargos no governo, que defende a SUA camisa, o SEU partido e não o seu país e/ou aqueles filhos mais explorados ou excluídos. Aquele que se diz – e às vezes acredita mesmo – “politizado”, mas na verdade é apequenado pelo seu ideal individual de crescimento ou parasitismo político, tal qual aqueles que ali estão desembarcando do atual governo, feito ratos, sem merecer os votos que receberam nem as calças que vestem.
São iguais. Ambos os “povos”. Usando as lunetas que lhes deram, veem o bem e/ou o mal a seu bel prazer, como lhe convém. Julgando-os como absolutos, criando uma batalha sem sentido com palavras bonitas como “democracia”, que poucos sabem o que representa a não ser o seu querer único e indivisível. Seu egoísmo pátrio de torcida organizada.
Resta-nos saber que entre um povo e o outro existem pessoas dignas, honradas, críticas, sérias. Pessoas com princípios que não precisam ou não vivem para uma coisa ou outra, mas têm a noção do outro, da divisão, são sensíveis e defendem o seu país por entenderem o que é chão, semeadura e colheita. São pessoas bem formadas, não necessariamente com diplomas ou letradas, com caráter, curiosas e sedentas da descoberta da liberdade, da fraternidade e da união.
A guerra que assistimos hoje é insana e nós a criamos durante anos, como uma doença que silenciosamente nos toma de repente, fruto de um movimento histórico e social de alienação, de capitalismo predador –como se existisse outro tipo –, ganância, ambição, de adoração e manutenção daquilo que nos consome, que consumimos e que desperdiçamos, numa mentira não tão dura até ser contada para nós mesmos.
Quanto de mal ou de bem trazemos conosco? Quem é bom ou ruim nessa história?
A luneta do bom senso é a melhor, mas pertence a poucos. Cuidado, meus amigos e amigas: “Exagerar é mentir!”
(*) Publicado originalmente no blog "Matutando o Brasil", em 2 de abril de 2016.


"Um Brasil de Caranguejos", de Raymundo Netto


Você que inventou esse estado e inventou de inventar
toda a escuridão. Você que inventou o pecado
esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você, amanhã há de ser
outro dia!
(Chico Buarque)

O Ministério da Cultura voltou! O presidente interino – não por bondade nem por entender a necessidade estratégica da cultura para o desenvolvimento do país, o que é lastimável – voltou atrás e decidiu manter o Ministério.
Para quem sabe o que é cultura – e não estamos falando de mero entretenimento – e percebe o que a diversidade cultural de um país de proporção continental e miscigenado como o nosso representa enquanto riqueza – quem pensa que riqueza é apenas um tríplex com piscina e um Ferrari na garagem, não sabe, mas é pobre, pobre, pauvre de marré deci – o anúncio da extinção desse Ministério, que não já não atuava em toda a sua plenitude – nunca foi prioridade de governo – e que levaria anos para alcançar seu objetivo, é de uma gravidade extremosa e reveladora.
Vivemos num país no qual o seu conceito ainda é muito mal interpretado, menos ainda interiorizado como pertença e não é abraçado por muitos, além de que a sua ausência favorece aos interesses dos doutores da elite burra e gananciosa, afinal: um povo sem cultura é gado que em vez de chocalho bate panelas e desgasta o sofá no horário nobre de TV.
O tecnicismo de alguns governos que veem apenas a riqueza material como fonte de sobrevivência da nação nos indica o nível de miséria cultural de seu povo. E essa miséria cultural atrai a outra, de agarro e abraços com a injustiça e a desigualdade social. Claro que quem tem uma pontinha de segurança, os favorecidos historicamente e muitas vezes com poucos méritos de conquista, principalmente os homens, os brancos e os de classe alta e média, não se importam com questões de cultura e muito menos com a defesa de garantias sociais. Não é com eles! Daí, tremem de raiva ao ouvir falar de bolsa família, lei de cotas – que beneficia os negros e aqueles em situação de vulnerabilidade social –, favorecimento de casas populares, questões do aborto, o direito de transexuais e travestis em usarem um nome social (direito ora ameaçado por projeto (des)encabeçado por parlamentáveis dos partidos do atraso, como o PSDB, PRB, PV, PR, PHS, PSC, PROS, DEM e PSB, sempre eles), do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos – afinal, vociferam: “lugar de mulher bela e recatada (recalcada?) é servindo, por obrigação, ao macho em seu lar (cárcere privado)”; “negro não é raça” (e o branco é o quê?); e “direitos humanos é coisa de comunista (mas fui mau aluno em sociologia)” – entre outros benefícios que rondam a periferia de suas vidas e que só incomodam quando lhe chegam na esquina e gritam: “Fortaleza – a nossa – apavorada!”
Junte-se a esses atrasados, a bancada cruel, ignorante e preconceituosa mantida pelos evangélicos, e não pelos evangelhos (que significam “Boas Novas”), e que usa o nome de Deus e da família – recusam as novas configurações familiares –  para patrocinar a tortura e a opressão humana, o machismo e a domesticação feminina, a castração da sexualidade, a visão da arte como vagabundagem (só entendem de dinheiro, que é o negócio deles), e a expropriação livre daqueles que já nada tem em troca da vacina da resignação e da promessa de um paraíso de fundo de rede.
Cadê a manifestação dessa turma diante da atualíssima crise no sistema público de educação? O que há na cabeça desses infelizes, egoístas e infiéis à revolução cristã? Ora, Jesus não nasceu e defendeu os pobres, as minorias, os excluídos, com quem conviveu e dividia pães e peixes até a sua execução ser encomendada pelo poder e pela bancada sacerdotal da época?
A Educação e a Cultura, as maiores e mais duráveis conquistas de um povo, os verdadeiros instrumentos do progresso e do desenvolvimento, da harmonia e da autoestima de uma nação, sempre foram colocadas em segundo ou terceiro plano, e só lembradas durante campanhas eleitorais.
Há de se chegar a hora de ser abominosa e inaceitável toda a hipocrisia desses fariseus que manipulam as leis e as manobram em sacrifício do povo e em benefício próprio. Há de chegar a hora do povo despertar desse sono profundo e entender que somos um todo e que este país só será forte e respeitado pelo Mundo quando houver transformação social. Que esse dia venha pelas mãos do nosso povo e não por aventureiros. É querer demais? 
 #ELEIÇÕESGERAISJÁ  

(*) Texto publicado originalmente no blog "Matutando o Brasil", em 22 de maio de 2016.


"Carta a Capistrano de Abreu: de 1916 a 2016". de João Soares Neto


O historiador cearense João Capistrano de Abreu foi – e é – referência no Brasil e até no exterior. Sisudo, língua solta para falar a verdade, amigos conservados, pleno de problemas de saúde, apertos familiares e refundador da História e da Historiografia do Brasil. Gênio.
Sou desde há muito, leitor de Capistrano e de suas famosas cartas. Por exemplo: em 16 de agosto de 1916, saindo do sério, ele escreve à família Assis Brasil: “O grande acontecimento deste aldeão é o foot-ball. O Brasil só tem pela frente o Uruguai. Vencerá? Há para isto um estimulante forte. Um Guinle, creio que Arnaldo, cabo das sociedades desportivas, disseram-me, tomará para si a dívida de mil contos de um empréstimo feito no Banco do Brasil, se o triunfo nos assegurar o campeonato sul-americano. Nunca assisti a uma partida, não posso fazer ideia de como é, e os termos técnicos soam-me aos ouvidos como a mais atravessada das gírias; mas, enquanto tudo for independente de socorros federais ou municipais, contará com minhas simpatias incondicionais o jogo do foot-ball” (vol.3, pg.70, MEC).
Como você sabe, mestre Capistrano, o Brasil perdeu. O vencedor foi o Uruguai. O que me levou a essa citação foi a sua parte final: “...enquanto tudo for independente de socorros federais ou municipais, contará com as minhas simpatias...”.
Caro mestre Capistrano, essa mania de socorros federais é uma praga e uma das causas destes problemas vivenciados, exato um século depois de sua carta de 1916.
 O Brasil tem jogado dinheiro fora, desde o Império e todas as repúblicas (velha, nova etc.). Está pleno de dívidas e de incertezas.  O país, por suas empresas, patrocina times de futebol e de tantos esportes. Seria cediço descrever.
Estamos entrando no sexto ano de seca no seu e no meu Ceará. Enquanto isso, o Brasil desmanchou estádios prontos e em funcionamento, tornando-os novos de novo. Para se adequar aos “padrões” da Fifa, a empresa multinacional a fazer eventos mundo afora, metida em encrenca com polícias internacionais. Tal qual 1916, o Brasil perdeu a Copa.
Depois, outros devaneios, aí no Rio de Janeiro, terra escolhida por você para morar a maior parte de sua vida. No começo do século XX, lembra você, mexeram com o centro do Rio.
Era necessário seguir as modernidade de Paris e de Washington, cidades desconhecidas, por ter optado nunca sair do Brasil. Sabe, aquela região Central do Brasil, Candelária e avenida Rio Branco, Passeio Público, ficou bonita. A propósito, mestre Capistrano, lembra-se da praça Mauá? Cais da atracação do navio “Guará”, que o levou ao Rio, por recomendação de José de Alencar. Era dia nublado e os seus olhos míopes, embaçados. Recorda?
Limpe, agora, as grossas lentes de seus óculos e, se o seu espírito puder se transportar, veja: quase tudo foi derrubado e surgiu um “Museu do Amanhã”, pomposo, caríssimo e sequer registra a sua presença naqueles pagos. Mas não ficou só nisso, mexeram na área da Marinha, hoje um grande bulevar.
Criaram arenas e vilas novas. Para quê? Uma Olimpíada com jogos neste 2016, tal como na Grécia antiga, como sabe. Pois bem, o Rio de Janeiro ficou tão bonito quanto endividado. Não há dinheiro para pagar os milhares de funcionários públicos.  E, como em 1916, Brasil não brilhou como devia.
Estou terminando, não sem dar notícia do hoje. O presidente atual é Michel Temer, 75 anos, paulista, filho de libaneses, advogado e político, desde sempre. Discursa e fala como tribuno, usando colocações pronominais. Está em sufoco grande. Se houvesse espaço, diria mais coisas. Hoje, peço apenas que o nosso país tome tento e supere as dificuldades. 2017 está na soleira.
Ia esquecendo, sua Columinjuba possui uma academia de letras. Fui convidado e lá palestrei sobre o João mais admirável de Maranguape.
O Ceará está melhor que o país. Aguarda, ansioso, a transposição das águas do Rio São Francisco, obra atrasada. Tais como as das sua época.  
Respeito e admiração

De um outro João.


domingo, 25 de dezembro de 2016

"É Natal?", de João Soares Neto


O que caracteriza o Natal? A sociabilidade aumentada? A mudança do estado de espírito? Mais proximidade com a família? Ouvir e ver os anseios encomendados nas televisões? Acreditar em saúde melhor? A intenção, mesmo passageira, de servir, ajudar o próximo? A cultura do nosso dia a dia? A esperança de fazer algo novo, empreender?  E como ficam as finanças no balanço já em curso?  Empatam, pelo menos?
Há um pouco de cada um do especulado no parágrafo acima, mas Natal é, antes de tudo, simbologia. A necessidade pessoal de se sentir melhor do que é na realidade; deixar por menos os inesgotáveis motes familiares; ver a saúde como o resultado da genética, dos exercícios feitos ou não, do comido, do bebido e de como nos aceitamos no nosso mundinho real e no imenso universo.
Natal é, mesmo assim, sinal de vida. Somos parte da humanidade. Essa a enfrentar-se no Oriente Médio de forma absurda para os nossos olhares não árabes; ver a decadência política e econômica do Brasil causada pelo descaso de cada um de nós, os eleitores. Não era para ser assim?! Era. Nós somos causa e efeito do todo a nos aturdir. 
Em seguida, logo ali, o ano novo, um dia igual a todos, pois feriado dito da confraternização universal. Exato nesse dia nos trancamos em nossas casas, dando trato à imaginação e na reflexão feita não encontramos a pedra filosofal ou mera saída.  Daqui a menos de um mês, a Casa Branca voltará a ser branca. E o Jaburu? Feliz Natal!


sábado, 24 de dezembro de 2016

"Os Conterrâneos", especial da FM Assembleia 96,7 MHz

Clique na imagem para ampliar!
A rádio FM Assembleia (96.7 MHz) apresenta neste sábado (24/12), às 22h, o especial de Natal e fim de ano Os Conterrâneos. A produção faz uma reverência aos compositores Belchior, Ednardo e Fagner, reunindo importantes composições gravadas em shows realizados ao vivo e raramente tocadas no rádio.
O especial Os Conterrâneos apresenta também depoimentos de artistas, amigos e familiares, os quais revelam detalhes da convivência pessoal e profissional com Belchior, Ednardo e Fagner.
O especial é uma realização do coordenador de programação e áudio da rádio FM Assembleia, Ronaldo César, com direção de Fátima Abreu, produção de Tarciana Campos, edição de Jorge Luiz e Nabucodonosor Queiroz, e conta com a narração de Haroldo Holanda; Jânio Alves e Renato Abreu.
A produção vai ao ar neste sábado (24/12), às 22h, e no domingo (25/12), às 15h.
Com reprise no sábado, (31/12), às 22h, e no domingo, dia 1º de janeiro, às 15h.
NÃO PERCA!


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Lançamento "Miudezas do Azul", livro de poemas de Diogo Fontenelle


“Abro meu coração para o azul-sonhar.”

Lançamento
Data e Horário: 30 de agosto de 2017, a partir das 19h30
Local: Terraço Cultural do Ideal Clube
Apresentação: Carlos Augusto Viana

“Toda distância é azul.”
Otto Lara Resende

Miudezas do Azul, obra dividida em três azuis – azul-infância, azul-dia a dia e azul-amém –, é o 17º livro publicado deste profícuo – e, desnecessário dizer, sempre onírico – poeta das estrelas: Diogo Fontenelle.
Em “Miudezas do azul-infância”, sob o luar ou copa de árvores, regressa ao imaginário infantil, embalado por “Conceição”, tangendo em linhas melódicas, “feito um bandolim”, os acordes de seu passado, cosidos em coloridos e alegóricos versos de lembramentos e agonizantes saudades, a ondular toda a obra como bolhas de sabão no ar: quintais, jardins, árvores de estimação, piões e pipas, doce de leite, sonhos, objetos afetivos, alfenim, a rede branca de cordas, pregões de rua, contos infantis, personagens, cartas, telegramas, fotografias, folguedos, as cadeiras nas calçadas, lendas, leituras, pessoas queridas – entre elas, claro, dona Carmelita, mulher, mãe e guardiã, marchetada na caligrafia amorosa do poeta –, para imprimir num suspiro desabafado: “Hoje, desfolho-me em lamentos de antessala/Hoje, toureio razões de um desamado ancião.”
“Miudezas do azul-dia a dia” também leva o poeta ao passado, entretanto, não é mais a nostalgia que nos escreve, mas, sim, o gole amargo da desilusão, do desperdício, de juízos e a dor da incompreensão num “reino do não agendado”, vertido em sua “lágrima de pierrô”, que reside em uma Fortaleza que “virou mais uma metrópole banal de almas desencantandas.”: “Meu olhar infantil se foi: vejo tudo pequeno demais.”
Atentemos que nessas miudezas é possível perceber e compartilhar os aspectos sinestésicos que provocam e apuram seus poemas, além de causos, histórias e até anedotas transformadas em poesia, o “sumo de afeto em gota com bagaço de melancolia.”
Há, entre os poemas, a expressão de sua insubmissão à desigualdade social: “Sonho de menino pobre é luz de fósforo na escuridão.”
Engana-se quem pensa que “Miudezas do azul-amém” versa sobre doutrina ou religião. Essa tércia parte, embaciada pelo chuvisco nas vidraças de sua janela, se destina a amigos, a crenças de seu viver-sonhar, aos mortos, à sua leitura do mundo e à certeza de ser impossível aprender “as medidas dos afetos”: “Nem sei se o tempo passa, ou se sou eu que passo./ Nesse mistério sem proporção nem luz na escuridão,/ Vou eu ser vagalume pelo desvão do tempo-espaço/ Na desproporção de um poeta sem voz nem canção.”
Há em “Miudezas do azul-amém” a insistência obstinada do “nunca mais”, representada na certeza de Otto Lara Resende – pelo que nos lembra Diogo –, ao clamar: “toda distância é azul”. Aliás, também é Otto que diz: "Uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê.” E, por isso, nosso poeta-menino ainda assegura: “Quando os ventos me chamarem, serei caravela”.
Como o sol que se afoga na tarde e a noite que desliza nos telhados, os versos azuladores de Diogo sangram afetos e vaporam alfazemas, plenos de amores. Impossível não provocar as nossas próprias recordações diante de quadros tão bem produzidos em seus matizes pessoais. Apesar da maturidade de sua poesia, Diogo consegue imprimir nela o encanto e a doçura necessários ao olhar de criança. Como ele mesmo diz: em sua “alma de menino-ancião”.
Para o leitor, seguramente, deparar-se com essas páginas de desmedidas miudezas será como encontrar, a germinar em silêncio, uma rica botija enterrada no coração do poeta.



Resenha: "Todo mundo tem direito a um segredo", de Lia Sanders, por Raymundo Netto


Todo mundo tem direito a um segredo?

“A vida é maior que qualquer literatura.”

Parece que sim, pelo menos é o que afirma o título do romance de estreia de Lia Sanders, escritora, médica e artista plástica, que, curiosamente, é dedicado à dona Lirinha, sua avó, “a maior contadora de histórias”.
Todo mundo tem direito a um segredo, ganhador de menção honrosa no Prêmio Sesc de Literatura e publicado pela editora Substânsia em 2015, é um diário cinematográfico cuja a tela é a mente fluente da protagonista, uma jovem órfã de 25 anos, estrábica, chamada simplesmente de “Neta”, que nunca frequentou escola, mas que escrevia sob pseudônimo no maior jornal da cidade, o Diário do Povo, e que não tinha sequer certidão de nascimento nem carteira de identidade, nem nunca amigos, namorado ou namorada. Residia com a avó Rebeca, sua antagonista, de 86 anos, mulher ríspida, razão de seus “recalques”, e que com ela mantém conflitos regulares durante toda a história permeada de segredos indizíveis, e com a inexpressiva Maria, uma sexagenária, empregada da casa e cúmplice, com seu silêncio, das artimanhas de Rebeca.
O “metalivro” que temos oportunidade de ler seria o fruto de uma encomenda. Rebeca, avó de Neta e dona do jornal em que escreve – mas que não ganha – pagaria, e pagaria bem, para que ela contasse a história de sua vida, “um tristonho livro de memórias alheias”. Entretanto, Neta não consegue sair do picadeiro de papel, trazendo ao texto o seu inconformismo pessoal, suas dúvidas, traumas, confusões, angústias, embates – sabotagens e desconfianças mútuas – com a avó e a ansiedade de desvendar a sua verdadeira identidade e buscar um sentido para sua vida. Afinal, quem era ela realmente? Qual a sua origem? Quem eram aqueles pais? Por quê? Por quês?
Tudo que sabia de si, vinha da boca da avó, pessoa que, segundo ela, não merecia crédito e com a qual disputava autoridade – isso me lembra o texto “Romances Familiares”, de Freud.
Sua mãe morrera no momento do parto. Seu pai se suicidara. Seu avô Joaquim também morrera – outra vítima da avó, dizia ela. Levara “metade da vida para descobrir algo errado com seus pais e a outra metade para acatar as suas ausências”.
Onde a personagem falha na escrita do sua proposta, a autora, ao contrário, é bem sucedida, e adverte em sua apresentação que o livro “foi escrito como quem descobre” e é exatamente assim que, provavelmente, você o lerá.
 No romance, de características psicológicas, o leitor vai enredar-se na trama bem construída, acentuada por um fluxo de consciência peculiarmente feminino – e quase adolescente – em busca de sua autoafirmação, com suspense e tensões que aguçam a curiosidade, provocam reflexão e inquietudes, o que já seria por si um mérito louvável para qualquer escritor. Ademais, não há apenas um, mas um espectro de segredos que nos surgem e nos são revelados aos poucos e, involuntariamente, caímos no trilhar desse mistério que é a vida. Abrir a porta da casa de uma família para expô-la ao público é sempre um risco... de sucesso. No caso do livro de Lia, funcionou.
Não bastasse, Lia convocou entes espirituais e denominou-os de Eurípedes (referência ao poeta grego, que ressaltava em sua obra as inquietações da alma humana, em especial as das mulheres) e Julius (o Higino, referência ao escritor e astrônomo que, entre outros, resumiu enredos de algumas tragédias de Eurípedes), que entre diálogos relativamente humorados assistem aos confrontos de avó e neta, torcem, e chegam a decidir o destino das duas mulheres.
Gostaria de deixar nota também para outro aspecto da obra, que é a possibilidade de repensarmos ou refletirmos sobre o modelo familiar tradicional, entendendo a família como esse conjunto de arranjos sociais e afetivos, beirando en passant as novas configurações familiares, tema de interesse diante da dinâmica social que faz com que reconheçamos as famílias monoparentais, as relações homoafetivas, paternidades e maternidades socioafetivas, entre outras composições não mais tão raras nos dias atuais, rupturas que se tornam um grande desafio para manutenção da tolerância, a promoção da diversidade e o exercício daquilo que apenas apelidamos de amor.
Todo mundo tem, sim, direito a um segredo. Você também deve ter um... na sua estante.

Sobre Lia Sanders
Nasceu em Fortaleza, em 14 de novembro de 1983. Formada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com doutorado em Neurociência Cognitiva / Psicologia pela Humboldt Universität zu Berlin, é também escritora e artista plástica autodidata. Atualmente, divide-se entre Psiquiatria, Literatura e Artes Plásticas. Reside em Fortaleza.   

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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

"Peito Vazio", de Cartola, em 1974.

Cartola, só porque gosto de janelas.


Cartola: programa “Ensaio” em 1974.
“Peito Vazio”, entre outras.
Para ouvir e assistir ao vídeo, acesse o link:


Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta.
Foge-me a inspiração.
Sinto a alma deserta.
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto
Em meu peito um vazio.
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio.
Procuro afogar no álcool
A tua lembrança,
Mas noto que é ridícula
A minha vingança.
Vou seguir os conselhos
De amigos
E garanto que não beberei
Nunca mais,
E com o tempo
Essa imensa saudade que sinto
Se esvai.


sábado, 17 de dezembro de 2016

"Dentro do Passado": Otacílio de Azevedo, de Raymundo Netto para O POVO


Há cem anos, rebentava de vez no mundo, pela Tip. Moderna – Carneiro & Cia, a obra de estreia do poeta, pintor, fotógrafo e boêmio, cria de Redenção, Otacílio de Azevedo (1892-1978). Otacílio, mais reconhecido pela sua obra póstuma Fortaleza Descalça – tive o privilégio de ser editor da sua 3ª edição (revista) em 2010 –, nunca frequentou escola, aprendeu a ler sozinho, inclusive Gorki, chegando a publicar poemas, ainda adolescente, no periódico Ceará Operário. Dentro do Passado (1916) trata-se de um poema único, originalmente distribuído em 14 sonetos – a versão definitiva, incluída em seu segundo livro, Alma Ansiosa (1918), converteu-se em 10, onde alguns foram cortados e outros modificados. Assinando como Octacílio Azevedo, o autor – na época, com 24 anos – nos conta a sofrida história de um amor frustrado pela musa Cleonice – em Sugestão do Luar (1921), ainda amargaria a sua lembrança –, antes possuidora de “tristíssimo olhar”, mas que, ao se encontrar em amores pelo poeta, “simples fazedor destes magoados versos”, “tornou-se um sorriso de luz, repleto de alegria!” Porém, o autor confessa: “Que importa se hoje a dor todo o meu ser transtorna,/ se a sua boca vermelha enlanguescida e morna/ foi a concha aromal de meu primeiro beijo?” Apesar das notas e ais românticos, Otacílio se classificava como um parnasiano-simbolista, o que foi e sempre quis ser até o fim. Retratista que era, fez da sua literatura, não só na poesia como na prosa, uma rica produção imagética, a ponto de ainda nos dias de hoje, pesquisadores de distintas áreas busquem captar de suas produções a cidade, os costumes, os hábitos e os tipos cearenses. A impressão e a expressão que a leitura de Otacílio nos deixa, leva-nos a crer que, como diria Lúcio Alcântara ao sucedê-lo na cadeira de número 26 da Academia Cearense de Letras, “...escreveu com o coração nas mãos.”
Um bom exemplo dessa expressão, registro aqui em uma das estrofes de seu poema “Carro de Bois” – muitos contemporâneos se referem a ele como o “poeta de Carro de Bois”, devido ao sucesso que teve essa composição, incluída em diversas antologias e ganhadora do 3º lugar no concurso da Federação das Academias de Letras do Brasil, pela revista Ilustração Brasileira (1951), merecendo o destaque de Antônio Girão Barroso que afirmou ser o poema “equiparável, no gênero (e no espírito que foi feito), a que existe de melhor no Brasil.”
“Rodam, tardas, gemendo, as rodas, arrastando/os pesados pranchões de pau-darco. Angustiado,/ora altivo e roufenho, ora moroso e brando,/todo o carro de bois é um soluço abafado...”
Quem viveu para assistir a um gemente carro de bois assente esse pungente quadro pintado pelo poeta. Mais ainda, acolhe esse passo e o tempo “ora moroso e brando” como um “soluço abafado”. Que delícia de metáfora. Afinal, quantos soluços abafados carregamos em nosso peito? Otacílio, menino de “olhos tristonhos”, “boca amarga” e “expressão dolorosa”, de origem pobre, e que desde os 8 anos teve que trabalhar “numa roupa de sacos de farinha” para colaborar no sustento da família – em Musa Risonha (1920), sua autobiografia em versos – e que foi operário boa parte da vida, também carregava os seus, bastando um rápido mirar em alguns dos poemas que preenchem seus 12 títulos, nos quais o amor, a morte, a melancolia, o fim do mundo e/ou da vida, a inconformação com a injustiça, o descontentamento com a miséria e a fome do mundo ocupam a sua faina poética de escritor andante e amoroso, a grassar a sua vida, numa mescla de tristeza e de saudade, mas sempre de poesia, dentro do passado.


EM TEMPO: Por sugestão de Urariano Mota, escritor e jornalista pernambucano, leitor do AlmanaCULTURA, colocamos a seguir, na íntegra, o poema “Carro de Bois”, de Otacílio de Azevedo, publicado em 1918, em Alma Ansiosa, dedicado a Mário Linhares.

Rodam, tardas, gemendo, as rodas, arrastando
os pesados pranchões de pau-darco. Angustiado,
ora altivo e roufenho, ora moroso e brando,
todo o carro de bois é um soluço abafado...

À hora viúva e glacial do crepúsculo quando
o sol desce, o seu canto é tão doce e magoado
que ora nos prende à terra, ora nos vai levando
na asa de oiro de sonho a um longínquo passado.

Choram, tristes, à frente, os bois mortos de sono...
Há uma vaga tristeza, uma ansiedade em tudo
e a paisagem dir-se-ia um pôr de sol, no outono...

Oh! Natureza-Mãe! sei quanto sofres, pois
vejo, ansioso, rolar todo o teu pranto mudo
pelos bons olhos melancólicos dos bois.









quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O que o editor pensa de você, autor criativo?


Um editor, após uma temporada de análise de originais.

Trechos de cartas de editores recusando originais:
Editor Insensível
Escute, meu senhor,
Não sei se alguém o encorajou a escrever, mas uma coisa é certa: essa pessoa perdeu uma boa oportunidade de ficar calada. Você escreve tão mal que não resisti à tentação de ler alguns trechos em voz alta para os colegas da editora. Nós nos mijamos de rir.
Editor sem rodeios
Senhor,
Para dizer as coisas com clareza e sem rodeios, após a leitura de algumas páginas de seu manuscrito, chegamos à conclusão de que nunca, jamais, em tempo algum, o publicaremos.
Solicitamos a gentileza de não incomodar no futuro os integrantes de nossa equipe de leitura com outras remessas de mesmo teor.
Editor incomodado
Em trinta e cinco anos de trabalho no ramo editorial, nunca me deparei com um manuscrito como o seu. Como ousa chamar isso de romance?! Meu senhor, posso garantir duas coisas: o senhor não é um escritor e o senhor precisa de ajuda.
Essa porcaria que nos enviou nos chocou profundamente. Nossa casa editorial é modesta, sem dúvida, mas isso não lhe concede o direito de nos afligir com tão indigesta salada mista de frutas podres.
Editor desalentado
Senhor,
Estou farto! Acabou! Cheguei ao limite. Trinta e dois anos seguidos lendo manuscritos ruins, histórias tediosas escritas por gente sem talento. E pensar que eu tinha a ilusão de que a profissão de editor fosse me fazer conhecer pessoas maravilhosas e, ao mesmo tempo, me propiciar a descoberta de grandes escritores. Como fui tolo! É preciso ser realmente muito ingênuo.
Editor enojado
Senhor,

Essa imundície defecada pelo seu cérebro em mais de trezentas horrendas páginas está emporcalhando minha mesa de trabalho. Fiquei enojado com essa obra fedorenta e pavorosa que o senhor ousou qualificar de romance. Essa bosta gosmenta que o senhor confunde com a verdadeira literatura me causou grave mal-estar e me deixou com ânsia de vômito.
Novato e rabugento
Mas o que vem a ser isso? Será que é possível? Toda semana é a mesma ladainha: estou tranquilo em meu canto, cuidando das minhas tarefas e um desgraçado me aparece para jogar meia dúzia de manuscritos sobre a mesa dizendo: "Senhor Paul, o senhor poderia ler tudo isso e nos apresentar um relatório detalhado na segunda-feira?" Eles vão ver que tipo de relatório eu vou fazer!

Trechos da obra A arte de recusar um original, do canadense Camilien Roy (Rocco), que reúne dezenas de modelos de cartas de recusa.