domingo, 18 de outubro de 2015

"Ocupação SecultFOR: solidariedade!", por Raymundo Netto


Quando a mesa cresce, a cultura desaparece”, já dizia há tempos Augusto Pontes.
A mesa continua a crescer nos bastidores políticos, onde toda manipulação é bem-vinda ao preço do poder, da falsa democracia, da falta de bem querer ao povo que se diz representar.
A cultura, em 1988, com a “Constituição Cidadã”, e me refiro a ela apenas enquanto marco legal, pois que isso deveria ser uma verdade atávica, nos foi assegurada como direito fundamental. Desde então, seria de se esperar uma maior motivação para a construção de políticas públicas para a cultura por meio do Estado com ampla participação da sociedade civil, incluindo, naturalmente, os artistas das diversas expressões culturais e todos aqueles segmentos direta ou indiretamente envolvidos.
É vulgar o discurso de que no Ceará não se tem cultura. Esse discurso é mais do que falso e devemos tomar cuidado com ele, ou melhor, erradicá-lo! O Ceará tem sim cultura, ainda, mas nos faltam plateia, por diversos motivos, e essas políticas públicas que incluam a formação (inclusive dessa plateia), o fomento, a difusão e a fruição de seus bens e serviços.
Recursos nunca se tem. Motivos tem-se demais. Qualquer motivo é motivo para não se investir em cultura. Hoje, é a crise, não apenas a econômica, mas a moral, da falta de ética, do partidarismo selvagem, da gula do poder. Ademais, os políticos, curiosamente sempre depois de eleitos, consideram cultura um luxo, coisa supérflua.
Já em entretenimento, pães e circos (que me desculpem aqui os grandes artistas circenses), principalmente no que se refere às “atrações” do mundo, tipo axé-music, bandas de forró de plástico, bandas de rock ou estrelas ditas nacionais, entre outros, as secretarias de turismo encontram bons recursos, aliás, recursos generosos. E qual a justificativa desses infelizes? “É o que o povo gosta. É o que reúne gente (leia-se “eleitores”!”)
O tenor espanhol Plácido Domingo, em única apresentação – com dispensa de licitação – para um grupo fechado (quase particular) de amigos do rei (apenas 3 mil convidados), dentre eles, Roberto Cláudio, o prefeito de Fortaleza, recebeu um cachê que correspondeu à quase totalidade do valor destinado a todas as linguagens artísticas no edital da SecultFOR em 2011, último do gênero até hoje, ou seja: três milhões e trezentos mil reais do bolso do contribuinte. Nessas horas não se fala em crise nem em déficit de recursos. O governador o quer e pronto: jurídico, planejamento, financeiro, todos trabalham para que aconteça e deixem o gestor em extrema feliCIDade. O que deve ter acontecido também quando o gestor assistiu ao Nemo e, num instante epifânico, desejou transformar a praia de Iracema num berço caríssimo de peixes-palhaços, como deve entender o nosso povo.
No ano passado, jornais do Brasil, incluindo a Folha de S. Paulo, anunciavam que Fortaleza teve os shows mais caros do país em seu reveillón, no valor de cerca de DOIS MILHÕES de reais, em apenas nove apresentações, dentre elas: Gusttavo Lima (600 mil), Paula Fernandes (484 mil) e Paralamas do Sucesso (460 mil).
Agora, em 2015, após todos esses anos sem nenhuma grande contribuição à cultura, a SecultFOR apresenta uma proposta de edital – que eu, particularmente, e muitos artistas, acreditam ser um importante instrumento de fomento e custeio à produção cultural – no valor pífio de UM MILHÃO de reais, pensando ela contemplar todas as linguagens artísticas, o que gerou uma revolta generalizada da classe artística do estado, fruto de um desleixo crônico, uma barriga vazia de anos e anos de espera.
Essa revolta se transformou na maior e talvez a mais relevante, certamente a mais legítima, programação artística que a SecultFOR já proporcionou nessa gestão, e de graça, sem gastar um tostãozinho, por meio dos manifestantes e com amplo apoio popular: A Ocupação da SecultFOR.
Não há negociação, não há prefeito, não há diálogo, não há coisa nenhuma nessa nossa oligárquica terra de coronéis, e certamente, a população vitimada pela falta da educação, por um sistema de saúde indigno e pelo excesso de violência ainda continuarão a não entender como a cultura pode contribuir para a construção de um mundo melhor. Entendendo nós que o Poder Público, mais arrogante do que soberano, vai usar da ferramenta da não-cultura para manter esse povo na sua mais absoluta e eterna escuridão. Já dizia Nelson Werneck Sodré, em sua A luta pela cultura: “Uma cultura só pode afirmar suas bases nacionais quando livre, e só é livre quando cada um não conhecer restrições ou ameaça ao seu modo de pensar e ao direito de expressá-lo, de realizá-lo artisticamente. Cultura natural e democracia, assim, são problemas conjugados. E há imensas tarefas à nossa frente, como, só para citar uma, a da integração de enormes parcelas da população na vida nacional, de que estão distanciadas enquanto mantidas na miséria e na ignorância, sua consequência inevitável.”
Assim, prefeito Roberto Cláudio, converse com o seu povo, melhore o discurso e colabore na construção da democracia e plante a árvore (sei que não gosta muito delas, mas...) frutífera da cultura, elemento básico e indispensável na manutenção da nossa identidade, da nossa memória, da nossa dignidade. E, secretário Magela Lima, tão exigente e combativo à favor da cultura em seus tempos de redação, por gentileza, assenhore-se desse espírito, represente o seu papel de gestor PÚBLICO, e lute por essa conquista. Nós, povo de Fortaleza, agradecemos, mas, antes, EXIGIMOS. #solidariedadeocupaçãosecultFOR!.



5 comentários:

  1. Excelentes argumentos. Também fico muito triste quando escuto essa história de que o cearense não tem cultura ou de que só gosta dessas novas tendências musicais... Quarta-feira estive em frente ao Theatro José de Alencar escutando cordéis com o grupo das Mulheres Cordelistas, e vi pessoas parando, aplaudindo, se enxergando naquelas palavras e histórias... e pensei: "Por que, meu Deus, não investir em espaços assim?". Fico feliz quando vejo os Cordéis na Praça dos Leões, os saraus literários que têm acontecido pela cidade... e tantos outros movimentos (independentes!) que me envaideço de ser cearense! Gente que escreve, que dança, que recita, que lê, que compõe, que acredita que a educação e a cultura fazem a diferença... Aí, acordo com o RC dizendo em programa de rádio que alavancou a saúde na cidade, que é humilde e reconhece que ainda há muito a fazer, mas estamos avançando... Não dá!

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