Moral
da História: a vida é o exercício do perder!
Essa
fábula ao inverso nada mais é do que a minha tese de pós-torturado
da faculdade da vida, na qual nem pedi a inscrição, mas onde tenho
cadeiras obrigatórias desde a primeira tapa, e onde jurei: até a
morte hei de viver!
Pois
sim, que não acreditem em mim, mas é mesmo a vida, tão querida ad
respirata, dentre as tantas coisas que desaprendi, um exercício
de perdas. Desde a nascença, nada nos é tão certo quanto a perda,
cosida, pontilhadamente, até de um dia perder, irreparavelmente, a
própria vida. Vai-se infância, saúde, amores, amigos, cabelos e,
dolorosamente, os dentes, tudo se vai e, acreditem pelamordedeus,
rapidamente num cadinho.
Nos
meus 40 anos, já perdi tanta coisa, deixei tanto para trás, nem
vale a pena o sofrer por isso... Ciente da prática de perdas, tenho
desapegado franciscanamente, exercitado ao máximo, a ponto de, às
vezes, ficar me rindo da ausência do peso das tantas coisas que não
tenho... Sempre disse: Posso perder tudo, menos as pessoas... E as
tenho perdido mesmo assim, aqui e ali, sem jeito.
Por
que é charmoso e chama a atenção, vez ou outra grito a todo
pulmão: “Desisto!”, mas continuo insistindo nas mesmas burradas
a perguntar-me por que as coisas não me hão de nunca dar certo.
Chego a ter dó de mim, um dó em si tão grande de fazer choro, não
fora eu um nordestino, cem por cento negro, um forte Xunembó,
caucásio-brasileiro, sem carteira assinada, nem dinheiro no banco,
sem parentes importantes e nascido embaixo de fogos de São Pedro.
É
quando me lembro da passagem literária, essa de Queiroz, d’Os
Maias, em seu último capítulo, quando Carlos e o João da Ega,
numa conversa descontraída de meio da rua, conceituam os românticos
de “indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento
e não pela razão...” e resumem: “não vale a pena viver!”
Explicam inda mais: “Não valia a pena dar um passo para alcançar
coisa alguma na Terra, porque tudo se resolve, como já ensinara o
sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.” Aconselham: “Não
saia deste passinho lento, prudente, correto, seguro, que é o único
que se deve ter na vida.” Os dois fanfarrões estavam convictos da
descoberta da fórmula do mais seguro viver: “não fazer um
esforço, nem correr com ânsia para coisa alguma... Nem para o amor,
nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...”
Foi
quando avistaram, ao longe, uma carruagem. Atrasados que estavam,
entreolharam-se e “os dois amigos romperam a CORRER
desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira
claridade do luar que subia”.
E é
assim, meus amigos, que corremos quando temos que correr — a vida
não espera —, mas das vezes temos que parar um pouco e apenas
olhar o movimento das ruas, encantar-nos com as pessoas que nunca
víamos chegar, ouvir histórias demorosas com amigos, arriscar novos
pratos, novos sons, tomar banho de chuva e de sol, nunca dizer nunca
nem sempre, pensar menos no passado e no futuro, viver mais o
presente, ganhar o mundo, não pentear sempre os cabelos, nem fazer
sempre a barba, trocar a cueca sempre é bom, mas, acima de tudo
isso, fazer as pazes com a gente mesmo, não nos cobrarmos tanto e
dar-nos a pequena chance de não nos perdermos, a não ser de amor.
Feliz
Dois Mil e Doces para todos.
Caro Netto,
ResponderExcluirVotos de Ano Novo cheio de idéias, palavras e boas emoções.
Abs
Mauricio Cals
Na gíria de antigamente: massa! bom estilo (sintaxe enxuta mais melodia fonêmica) a altura do tema (reflexão em vez de anedota). E concordo: temos que ter projetos de longo prazo, porém não viver em função do futuro. Até porque, como escrevi em uma de minhas crônicas, "o normal é morrer absurdamente, quando menos se espera." Vou parar devido a uma zoada de fogos. Coisa de futebol, provavelmente um clássico: Ceará x Fortaleza. Abraço, Manuel Bulcão
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