“São duas!” Era o que saltava à garganta a um telefone público numa manhã ventosa da praça da Igreja do Carmo, em 1999. Saíra da clínica onde Ana Rachel, minha esposa, grávida, fazia exame ultrassonográfico. “São duas!”: Luana Rachel e Liana Rebeca. A Lua e a Lia de ainda hoje e sempre.
Casados há quatro anos, aguardávamos melhor momento para ter filhos — hoje, elas têm onze, e vejo, pelos critérios da época, tal momento ainda não chegou —, mas um dia, ao ser tangido pela sensação involuntária de que casamento sem filhos é dividir morada, decidi planejar a “gravidez familiar”. O estranho nisso? Não comentei tal plano com a futura gestante, certo de ela ser a maior interessada — até hoje não acredita em patavina da história que agora escrevo.
Pus-me a escolher o destino deste “seria” (como ainda não “era”, ao invés de “ser”, “seria”): nasceria em junho, canceriana — como eu —, signo artístico, emotivo, cujo astro regente é a Lua... Preferia fosse menina — há de sempre me gostava mais as mulheres — e o nome gritava: Lua Rachel. Tudo a ver! — mais tarde, pensando na possibilidade de tornar-se motivo de chacota entre coleguinhas despeitadas de classe — haveria de encontrá-las e de ser linda —, “Lua” virou “Luana”.
Para garantir o êxito do meu plano, consultei um ginecologista, tracei cálculos conceptivos, marquei a data de “lançamento”, o dia propício para o “big-bang” e, finalmente, DEUS-e o resultado. Não vinda, ineditamente, a “regra” — nunca me dei bem com regras —, Rachel procurou sua médica. Contrário ao esperado, esta afirmou que a chance de gravidez seria “de uma em mil”, desfiando, sem pena, o seu rosário semiótico de contas micropolicísticas dentre outros motivistos.
Rachel saiu dali certa da condenação, mas eu, embora não saiba baseado em quê, não. Chegou a data de recebimento do exame laboratorial e — “Para quê?” — não foi buscá-lo. Pois fui eu. Resultado positivo: “Rachel, você está grávida!”, contei-lhe ao telefone. E, assim, a expressão dessa alegria em seu rosto nunca vi, mas por motivos que só pondera o imponderável, eu não a esqueço. Ah, claro, não mais voltou àquela médica agourenta que de nunca será contemplada em loterias.
Meses após, íamos à ultrassonografia e, nesse dia, sonhei: olhava com atenção, deitadas na cama, duas meninas bem parecidas, como os são os irmãos, não como gêmeas. Incomodava, deu-me a entender, imaginá-las de parentesco tão próximo e, ao mesmo tempo, completamente estranhas... acordei!
Daí, a surpresa ao exame. O médico, olhando à tela, disse: “Uma menina... Já tem nome?” “Sim, Luana Rachel, doutor” “Rachel? Pois vamos ver agora a Rebeca...” “São duas?” Sim, eram, e eu, dado a crer em “sinais”, aceitei de pronto o batismo de São Doutor: Rebeca. Liana Rebeca. A nossa Lia.
Nasceram assim, minhas DUAS meninas, porém, em oito meses, malogrando o meu plano de canceriano, na madrugada do dia DOIS de maio de DOIS MIL, no quarto 222 da maternidade.
Onze anos depois, como quando naquele sonho, inda as estranho, principalmente no instante em que me reconheço nelas e as abraço como se fora possível tomar-me de volta uma vida inteira.
Raymundo Netto: raymundo.netto@uol.com.br
Lua e Lia
ResponderExcluirNua, uma; via, a outra.
Nua via por onde cronicam emoções cancerianas.
Duas vias. O sentido?
Dizei, ó Pai!
Grato, meu amigo poeta!
ResponderExcluir