quarta-feira, 22 de junho de 2011

"Pelas Paredes", crônica de Tércia Montenegro para O POVO (22.6)


As paredes de minha casa não são apenas sustentáculos do teto ou fronteiras métricas para cada aposento. Elas inauguram espaços para a existência de livros e quadros. Sim, pois não há convívio mais harmonioso do que entre tais objetos. Sinto-me realmente feliz dentro de um ambiente que alterne bibliotecas com pinturas. Nas prateleiras ou nos pregos, as obras descansam verticais, à espera de contemplação. São novas janelas, abertas para diversas e artísticas paisagens.

Desde que me lembro, sou uma apaixonada pelo olhar – sobre palavras ou imagens, igualmente. Assim, comecei a comprar livros e também réplicas de quadros. Na minha ânsia de adolescente, eu não tinha grande critério, coisa que se consegue aos poucos. Mas recordo muito bem a primeira tela autêntica que comprei, e já de um ótimo artista. Na época, Fernando França era meu colega no mestrado em Letras, e dele adquiri um quadro azul, da sua série dos gatos.

A experiência de ter um original foi viciante. Não me tornei colecionadora nem especialista, mas ao menos comecei a observar com atenção a qualidade das imagens. Passei a visitar museus e galerias, em busca de arrebatamentos. Aprendi os muitos modos de olhar uma pintura ou fotografia, descobrindo detalhes e nuances a cada captura de vista. E também, claro, ganhei outras peças para minha casa, de vários materiais e formatos. Hoje vivo rodeada por vários quadros, desenhos e esculturas do Glauco Sobreira. Tenho duas telas do Weaver Lima e, na cozinha, três pratos pintados pela Mariza Brito. Na geladeira, ímãs reproduzem obras da Frida Kahlo ou azulejos lusitanos: servem para pregar avisos, mas ao mesmo tempo seguram cartões-postais, desenhos e charges que recorto, a depender da circunstância.

No quarto de hóspedes pendurei um tapete vermelho que meu pai trouxe da Índia. A atmosfera ficou perfeita, junto com as almofadas, a estante de livros e o toca-discos com alguns LPs. Pelas paredes, estão ainda exemplos de artesanato anônimo, a preencher prateleiras e nichos secretos. É o caso do ex-voto, uma cabeça que comprei no mercado, por ser parecidíssima com a fisionomia de Drummond. Ela fez um belo par com uma peça africana encontrada na feira das nações. E no meu escritório – agora no chão –, coloquei uma réplica da roda de bicicleta, ready-made do Duchamp.

Finalmente, nas minhas paredes exponho também as fotos que realizo, num painel disposto para esta finalidade, na sala. São as únicas imagens rotativas de toda a casa: ponho-as à vista para estudar, por temporada, as características de seus êxitos ou fracassos. Como sua autora, tenho permissão e rigor para substituí-las e até descartá-las. A obra dos outros artistas, ao contrário, eu sempre recebo como definitiva – e sagrada.

Tércia Montenegro

(fotógrafa, escritora e professora da UFC)

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