sábado, 8 de janeiro de 2011

"O Vazio", de Tércia Montenegro, para A Opinião de O POVO

Angústia, de Picasso


O Vazio

De vez em quando, sinto um impulso específico que me faz refletir sobre o destino e seus arredores. Ponho-me a pensar que tudo deriva de circunstâncias ocasionais, que escapam ao nosso poder. Se, por exemplo, eu tivesse nascido num século medieval, é provável que não chegasse a completar trinta anos. Muito antes, estaria morta de parto ou de peste. Teria vivido minha curta existência num estado bruto e analfabeto; seria selvagem e suja, e talvez tivesse gasto o tempo reclusa num monastério. Porém, por mais que essa mulher fosse diferente de minha atual condição, num ponto seríamos a mesma: no desejo de aprendizado. Tal ímpeto não muda, embora tanto variem os ensinamentos e as verdades.


Qualquer que seja a época, passamos os dias aprendendo a melhor forma de viver e de entender a nós e ao mundo. As pessoas de hoje têm, teoricamente, mais condições e saúde para isso – no entanto, nunca se viu tanta superficialidade, tanto apelo ilusório para que a gente se mantenha de olhos fechados. Existem inúmeras convicções e dogmas contemporâneos, fórmulas infalíveis que espocam tanto na mídia como no discurso de um alcoolizado. Ora, não é através de certezas que se chegará a algum tipo de segurança – muito pelo contrário. As respostas não interessam; os estudos filosóficos e históricos mostram bem como elas são instrumentos frágeis e reformuláveis. Em nome de soluções e palavras finais, quantos crimes e guerras já não tentaram ser explicados? Tudo absurdo, pois não existe o definitivo ou o permanente.


Interessantes, sim, são as perguntas, que apontam para abismos. É um fascínio perceber como a espécie humana formula dúvidas, cria assombrosas angústias. A ajuda espiritual ou psíquica surge como outro gesto de resposta, afirmação que abranda as dores abstratas. Mas não é isso o que importa – mais valiosa que a tranquilidade é a vertigem, a pré-decisão frente à encruzilhada. Porque cada um de nós parece cair dentro de vida como se encontrasse um koan, mensagem enigmática que os monges budistas lançam, feito um mote para a meditação. A maioria das pessoas então luta para racionalizar, formular leis... e nisso, perde a beleza do enigma.


Maravilhoso é mergulhar no mistério, exercitando o ato de desconhecer o mundo. Dessa maneira, mantém-se a curiosidade, o gosto infantil de conceber perguntas. Quem recebe doutrinas e verdades acha conforto na concordância, mas – quase inevitavelmente – fossiliza a vontade de criar. De olhos fechados, não vemos as miúdas tiranias que estão por toda parte e nos repetem a cada hora: “É assim e tem que ser assim!”


Desconfio dos que têm certezas cegas e brandem seus lemas como bastões da justiça. Quero antes a dúvida dos humildes, quero a fome dos que ainda têm vazios insaciáveis. São essas incompletudes que me servem e me fazem aprender, na vida.



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