domingo, 1 de dezembro de 2019

Lançamento "Retorno de Bennu", de Majela Colares (12 de dezembro, a partir das 19h - Livraria Lamarca)


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Sobre a Obra "Retorno de Bennu"

O retorno de Bennu, livro que o leitor tem em suas mãos, divide-se em quatro seções, “Percepções”, “Alumbramentos” – palavra que nos recorda imediatamente o nosso amado Manuel Bandeira –, “Confluências” e “Lampejos”, sendo que a primeira e as duas últimas são constituídas de uma forma entre o aforismo e o poema em prosa, esse admirável achado de Aloysius Bertrand em seu Gaspard de la nuit que, genialmente desenvolvido por Baudelaire nos Petites poèmes en prose e por Rimbaud nas Illuminations, entrou de maneira altamente prestigiosa século XX adentro, aí incluído o Brasil, com exemplos magistrais de Jorge de Lima, do pouco acima lembrado Manuel Bandeira, de Carlos Drummond de Andrade, de Mário Quintana e muitos outros. Já na segunda e mais vasta das seções deparamo-nos com a arte característica de grande parte da obra de Majela Colares, a de um consumado poeta lírico, oscilando, com notável liberdade, entre a forma fixa e o verso livre, mesma liberdade com que prescinde das rimas ou as utiliza em suas numerosas espécies, das quais as relativamente bem divulgadas não passam das consoantes e das toantes. Em relação ao título, aparentemente enigmático, uma nota do autor nos explica que “Bennu” é o nome egípcio para a Garça-real, a Fênix da mitologia clássica, o que aclara tudo de forma meridiana.
Os cinco poemas em prosa que compõem “Percepções”, de um andamento rítmico irretocável, formam como um pórtico do livro. Se “Manuscrito” é uma crítica clara à automação da vida, e, mais ainda, da consciência humana, a reflexão sobre a Natureza dá origem a “Cantata”, assim como, mas agora num nível cósmico, a “Miragem”. Já em “Mormaço” e “Ruminança”, a Natureza brilhantemente pintada é a do sertão do seu Ceará natal. Em todos os poemas o olhar em profundidade do poeta, aquele mesmo que dá origem a toda a filosofia, casa-se à sua específica experiência vital.


Já em “Alumbramentos”, a única seção de O retorno de Bennu inteiramente composta em versos, o poema inicial, “Trilha umbilical remota”, que remete ao título, volta-se da Natureza para a História, inserindo-a, por fim, no seu quadro cósmico, enquanto a Natureza retorna, religiosamente, no poema em dístico que lhe sucede, “As horas de Deus”. Pouco depois chegamos àquele que nos parece ser o poema central do livro, e que, muito coerentemente, lhe dá título. Vasta composição em versos livres, trata-se de um desses raros poemas totalizadores, um desses ainda mais raros momentos em que a visão do poeta, confundido com Bennu/Fênix, a que renasce eternamente das próprias cinzas, procura abarcar a Humanidade num único relance, histórico, geográfico (numa fascinante enumeração fluvial) e especificamente humano, neste caso através de uma plêiade de mestres, mestres artísticos, filosóficos, científicos, éticos ou espirituais, da eleição formativa do autor. Trata-se, enfim, de um poema de uma ambição quase inencontrável na poesia brasileira contemporânea, cada vez mais gostosamente refestelada no confortável e informe território das bagatelas e das insignificâncias.
Em seguida o leitor se depara com uma série de poemas especificamente líricos, todos de um lirismo reflexivo, diretamente centrados na vivência do poeta, carregados de uma religiosidade algo panteísta, como naqueles que repetem a invocação “Vai, amigo vento, vai”. Perto deles, em “Insônia de uma noite moderna”, reaparece a visão bastante crítica da contemporaneidade que já encontráramos no primeiro poema do livro, “Manuscrito”. Em toda essa parte, composta em forma fixa, as duas referências centrais, formalmente falando, são os sonetos uma e forte proximidade com a terza rima, de mais do que provável ascendência dantesca, relembrando que é de Dante uma das epígrafes que abrem o livro, bem como seu nome é um dos citados entre os Faróis – para usar a imagem baudelairiana – do poema “O retorno de Bennu”.
“Muito além do mistério”, poema final de “Alumbramentos”, é como uma declaração de princípios de um poeta para o qual o cerne da poesia está justamente naquela que consideramos uma das suas mais agudas definições: “a arte de dizer apenas com palavras aquilo que apenas as palavras não conseguem dizer”.
Ao adentrarmos “Confluências” o verso fica definitivamente para trás, pois daí até o encerramento do livro nós nos encontraremos na fronteira sutil entre o aforismo e o poema em prosa. Nesta terceira seção a forma do aforismo nos parece, sem dúvida, dominante, aforismos de índole filosófica, voltando o poema em prosa a tomar a dianteira em “Lampejos”, como já a tivera na curta seção inicial “Percepções”. A reflexão sobre a Poesia – assim com maiúscula –, sobre a sua alta e ao que tudo indica para sempre perdida função de “Mestra da Humanidade”, posição que manteve da noite dos tempos até pelo menos a decadência da Grécia sob o domínio macedônico e romano, é um dos temas de eleição do autor, motivo pelo qual “Lampejos” consiste numa muito curiosa fusão entre poema e prosa e crítica, ou até mesmo, poderíamos dizer, profissão de fé.
Encerra o livro o pequeno poema em prosa “Convicção”, onde aflora o tema dos temas, o tempo, nosso mistério fundador e nosso palco inarredável, o que nos remete diretamente à ave mitológica que, em seu mais remoto avatar egípcio, dá título à obra.
O explícito Humanismo que domina a poesia e a visão do mundo do grande poeta que é Majela Colares situa-o numa posição altamente sui generis dentro do panorama da nossa poesia contemporânea. Sob o império do mais completo relativismo, a grandeza de sua convicção soará anacrônica ao império do efêmero e do seu cortejo de modismos, que avassalou o Ocidente, o qual, diga-se de passagem, se esforça heroicamente para espalhá-lo para todo o resto do mundo.
Felizmente tal fato não arranha um verso, uma palavra, uma vírgula dos poemas que aqui se encontram, o mesmo que ocorre em relação a toda e qualquer poesia autêntica.

Carlos Vasconcelos

Sobre o Autor


MAJELA COLARES, poeta e contista, nasceu em Limoeiro do Norte, Ceará, julho de 1964. Publicou os seguintes livros em POESIA: Confissão de Dívida, 1993; Outono de Pedra, 1994; O Soldador de Palavras, 1997; A Linha Extrema, 1999; Confissão de Dívida e Outros Poemas, 2001; O Silêncio no Aquário / Die Stille im Aquárium, 2004, edição bilíngue português-alemão, trad. Curt Meyer-Clason; Quadrante Lunar, 2005; As Cores do Tempo - 2007 1ª ed. – 2009 2ª ed.; Memória Líquida, 2012; Margeando o Caos/Vorejant el Caos, 2013, edição bilíngue português-catalão, trad. Joan Navarro e O Retorno de Bennu, 2018. EM CONTOS: O Fantasma de Samoa, 2005. Tem participação em antologias publicadas no Brasil e no exterior.




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