Para Cleide e Sabrina
Li ontem, estampada em camisa escolar
comemorativa do dia das mães: “Mãe, o amor que se expressa por meio do dom de GERAR
a vida!” Logo que a vi, pensei: “Fazer” filhos é a coisa mais fácil do mundo,
até por ser, na maioria dos casos, frutos de um instante prazeroso. Gestá-los,
todavia, não é tão simples – como não sou mulher, não correrei o risco de
avançar nesse tópico –, mas, dependendo dos fatores de entorno, qualquer
complicação, mesmo às de acentuado grau, quando diante desse significante acontecimento,
pode ser completa e absolutamente irrelevante.
Cientes, aqui, que nenhuma mulher tem a
obrigação de ser mãe para ser plena ou realizada. Aliás, seria um grande favor às
futuras gerações que algumas reconhecessem a sua inabilidade, inaptidão ou consciente
malquerer ao exercício, em vez de ouvir ao clamor da opressora e inconsequente práxis social.
Algumas mães, entretanto, ou nunca
experienciaram esse momento gestacional ou mesmo que o tenham vivido,
sobra-lhes ainda amor suficiente para dividir com outro(a) filho(a), sendo este
“de coração”. Sim, “mães de coração”, como são comumente denominadas as mães
adotivas, aquelas que ousam crer ser possível uma história de AMOR superar a de
abandono de berço.
Atualmente, no Brasil, existem cerca de
37 mil crianças distribuídas em unidades de acolhimento institucional – antigos
“abrigos” –, mas apenas 7 mil são consideradas aptas a serem adotadas. Entre as
30 mil, algumas ainda têm vínculo com a família biológica – mesmo que não
afetivo – e outras aguardam a tardíssima Justiça na conclusão da destituição do
poder familiar, processo este que, por lei, deveria durar até 120 dias, mas
que, na “vida real”, muitas vezes chega a 5 anos. Dá para imaginar o imenso
prejuízo que essa lentidão traz para a vida de uma criança?
Por outro lado, o número de famílias
habilitadas para adoção é bem superior: 36 mil. Daí a dúvida: se temos 7 mil
crianças querendo ser adotadas e 36 mil famílias querendo adotar, por que ainda
encontramos crianças esperando nessa fila? Desconsiderando a questão dos
trâmites legais, entre as respostas, a mais comum: cerca de 70 a 80% desses pais
preferem crianças – geralmente meninas – brancas, com, no máximo, 3 a 5 anos –
quando a maioria tem entre 6 e 17 anos –, e que não tenham problemas de saúde
nem irmão(s) – cerca de 36% das crianças habilitadas têm irmãos também
inscritos no Cadastro Nacional de Adoção.
A “gestação” da mãe de coração, para
quem não vive essa realidade, não é nada fácil, correspondente a um fórceps
legal – a parteira, no caso, é a assistente social; e a sentença de
habilitação, o parto.
A princípio, caberia ao leitor sentir na
pele empática a história muitas vezes marcada por frustradas tentativas
convencionais ou não e/ou mesmo por experiências de luto. Depois, transcender
aos preconceitos, ao inesperado julgamento familiar – às vezes, familiares não
entendem e a recriminam –, à(s) culpa(s), possíveis fragilidades e ao exercício
de paciência e resignação diante das visitas e despedidas dolorosas, da coleta
documental, de infindáveis entrevistas e a perda do irrecuperável tempo.
Contudo, o mais importante é o
reencontro, o momento único de definitivo amparo, acolhida e de aceitação um do
outro, ação movida pelo amor, independentemente da forma como este lhe chega e
que, portanto, não há menor diferença, pois adoção nada tem a ver com caridade
e nenhuma dessas maternidades é menor do que as biológicas, já que o amor que
nasce desse coração não se limita aos esboços do sangue nem ao umbigo.
Neste Dia das Mães, preferia ter lido:
“Mãe, o amor que se expressa por meio do dom de APOSTAR na vida!” Nossas vidas
e vivas às mães e filhos do coração.
Não sou mãe biológica, e penso em ser mãe do coração...depois desses escritos então.
ResponderExcluirVou amadurecer a ideia.
Parabéns Ray, pela sensatez.
Oi, Soraia. Obrigado pela leitura e parabéns, independentemente de.
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