quarta-feira, 24 de maio de 2017

"José Albano: versos de 1906", de Sânzio de Azevedo para o jornal O POVO


Sânzio de Azevedo

Doutor em Letras pela UFRJ e
membro da Academia Cearense de Letras

sanziodeazevedo@gmail.com

Rodrigo Marques, meu amigo e professor da Uece em Quixadá, presenteou-me com um exemplar do Almanaque Brasileiro Garnier de 1908, sob a direção de João Ribeiro. Sabendo-me estudioso da literatura cearense, a razão do presente é o fato de nesse livro haver umas “Redondilhas de José d’Abreu Albano”. Como esta “Esparsa”: “Há no meu peito uma porta / A bater continuamente, / Onde a esperança jaz morta/ E o coração jaz doente; / Em toda parte em que eu ando, / Oiço este murmúrio infindo:  / São as tristezas entrando /   E as alegrias saindo.”
Possuo três opúsculos sob o título geral Rimas de José Albano, editados em 1912, em Barcelona, Espanha, nas oficinas de Fidel Giró. Num deles, Redondilhas, esta “Esparsa” traz no verso 4º “coraçam” e, no penúltimo, “sam”, em vez de “são”. Houve quem achasse que o poeta queria salientar o caráter arcaico do poema.  Mas na Antologia Poética publicada em Fortaleza, em 1918, deixaram de aparecer essas formas, o que me levou a concluir que se tratava de recurso para contornar o problema tipográfico de não haver na Espanha o til sobre vogais.
Os outros opúsculos são Alegoria e Cançam a Camoens e Ode à língua portuguesa. Note-se que o nome de Camões está grafado à maneira espanhola.
O menos desconhecido texto de Albano é o soneto que se inicia assim: “Poeta fui e do áspero destino / Senti bem cedo a mão pesada e dura. / Conheci mais tristeza que ventura / E sempre andei errante e peregrino.” Manuel Bandeira, que em 1948 organizou as Rimas de José Albano, disse que esse soneto “nos soa em verdade como um soneto póstumo de Camões”. Prefiro ficar com Braga Montenegro, que escreveu: “assim como Camões imitando Petrarca redigiria o soneto camoniano, José Albano imitando Camões comporia o soneto à própria maneira”.
Desconsiderando os fracos poemas nos jornais de Fortaleza em 1901, creio que essas redondilhas do almanaque presenteado por Rodrigues Marques são os primeiros poemas de Albano publicados no Rio de Janeiro.
Mesmo escrevendo no século XX à maneira quinhentista, José Albano (1882-1923) foi considerado por Manuel Bandeira “um altíssimo poeta”. E o grande Manuel Bandeira era um vanguardista.     


Nenhum comentário:

Postar um comentário