VIVER! Ainda é a melhor escolha.
10 de setembro
Dia Mundial de Prevenção
do Suicídio
lasciate ogni speranza, voi ch'entrate
(Dante Alighieri, A Divina Comédia)
Para o amigo Manuel Bulcão
Todo mundo
sempre me dizia: quem tem depressão, não pode deixar as portas fechadas!
Não
entendia o porquê das portas, mas sabia, sim, o que era depressão. Uma tristeza
sem fim, sem razão, e, ao mesmo tempo, com todas elas. Uma sensação de vazio
imenso, a angústia, o coração apertado, uma vontade sofrida de chorar... Aliás,
certa, certa, só mesmo essa vontade, quase vergonhosa, de chorar.
Geralmente,
minha casa estava escura. Trancava as portas e as janelas, não queria ver
ninguém. Era doído mostrar um sorriso de aparência, fingir atenção ao ouvir as
medíocres histórias do dia a dia de todo o mundo, assisti-los a rir de piadas
velhas ou a me contar de suas esperanças e crenças e, o pior: vê-los a zombar
das próprias desgraças!
Televisão
ou rádio, eu nem ligava. Ouvia música, sim, mas sempre, sempre, as percebia tão
tristes quanto eu.
No mais,
sempre me diziam: Olhe, quem tem depressão nunca pode deixar as portas fechadas,
hein?!
Pus a
fazer assim: não as fechavas mais, contudo, também não aparecia mais à porta,
para que não me vissem, não me incomodassem... esquecessem de mim! Então,
quando os mendigos ou carteiros batiam palmas no portão, eu ficava imóvel,
silenciado, olhando pela fresta da basculante até eles se irem de vez.
Eu
escrevia. E escrevia sempre, seja o que fosse, escrevia. A cabeça sempre
ocupada, cheia de pensamentos a se acotovelarem, não me deixando dormir. Assim,
varava as madrugadas e escrevia. Os meus dedos cumpriam por mim aquelas
prometidas caminhadas pela praça ou à beira-mar, recomendadas pelos amigos,
como terapia. Eles já achavam: precisava de terapia.
Em minha
mente se passavam todos os tipos de acontecimentos, porém, na minha vida mesmo,
sentia que nada acontecia; nada me suportava a vida!
Sentado
diante do computador, lembrava momentos passados, rostos quase esquecidos,
antigas promessas, dentre elas a maior, a da felicidade, feita ainda à
juventude, que se foi sem que me desse conta. Não acreditava um dia envelhecer.
As pessoas diziam: “mas você não tem nem quarenta anos!” Eu nem que
acreditava...
Olhava a
caixa de mensagens de cinco em cinco minutos: nada! Ficava pensando que logo,
logo, alguém escreveria falando de seus planos e eu, com ele, sonharia,
desfiando o sonho alheio, ponto a ponto, até cansá-lo e tirar-lhe o gosto. Eu
mesmo, fazia tempo, não colecionava sonhos, não esperava por nada nem por
ninguém. Eu não acreditava mais.
Nisso, de
repente, um vento entrou e fechou-me a porta da sala. A casa escura!
Lembrei:
quem tem depressão não pode deixar as portas fechadas!
Senti
medo. O que aconteceria, então? Vozes frequentes ao pé do ouvido mudaram o
discurso: ele morreu? ele morreu? ele morreeeu... Uma sombra pesada em tom de
cinza pairou sobre minha cabeça. O frio desceu-me a nuca e fiquei em silêncio,
atônito, a esperar, mas nada aconteceu. Na sala, tudo parecia olhar para mim:
os livros, os quadros, as prateleiras, as canecas... até o gato que numa apatia
incômoda não ria nunca, também me fitava... eles sabiam... mas nada aconteceu!
Fui ao
banheiro, olhei para o espelho, e não era eu quem estava lá. A garganta
apertava-me, e eu chorei, chorei, chorei, abri as torneiras... mas nada
aconteceu. Nada acontece nunca e nunca mais abri as portas nem os olhos,
trancado para sempre na minha mais absoluta solidão.
Portas Fechadas, em Os Acangapebas, de Raymundo Netto (2012)
Gosto demais desse livro. Sempre que releio, tenho a sensação de estar andando pelas comunidades que visito, conversando com uns e outros... Incrível como você consegue descrever a dor e o amor, é claro, dos verdadeiros protagonistas dessa cidade que pode ser qualquer uma... Abraço! E viva a vida!
ResponderExcluirViva a vida, Rejane. Muito obrigado por esse depoimento maravilhoso. Ganhei a noite. Abração.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNunca havia lido algo tao parecido com o que sinto nesses últimos meses...
ResponderExcluirE vc, caro Raimundo, a fez de uma forma espetacular descrevendo o pesar com leveza.
Quero o livro, onde compro?
Oi, Brenda. O livro é "Os Acangapebas", de contos. Por enquanto só à venda na livraria do jornal O POVO. Parece-me que a R$ 20,00.
ExcluirJa estou lendo! Arelano Luiz me deu de presente! Estou adorando, MT bom...
ResponderExcluirObrigado, Brenda. Que bom. Abraço.
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