VIVER! Ainda é a
melhor escolha.
10 de setembro
Dia Mundial de
Prevenção do Suicídio
lasciate ogni
speranza, voi ch'entrate
(Dante Alighieri, A Divina
Comédia)
(...)
Ela
morreu. Ninguém mandou, mas mesmo assim, ela morreu.
Rompeu a
lógica num absurdo e abmudo processo.
Caiu num
abismo de incertezas e conflitos que, ninguém sabia, trazia entre os cabelos
quase sempre desalinhados.
Ela
morreu. Difícil crer no vazio de seu quarto.
É estranho
poder, agora, ler as cartas recebidas; mexer nas caixas guardadas secretamente
no armário; escolher suas roupas; separar o seu prato e o copo; distribuir seus
livros, fotos e discos... Aliás, nada do que tanto amava levou consigo, nem a
vida nem eu.
Ela
morreu. Olhava por aquela janela todos os dias. Parada, encostava a cabeça, empunhava
uma xícara de café e lançava o olhar — contornado pelo cansaço das noites
indormidas — para adiante. Só o olhar, então, só o olhar.
Mas ela
morreu; não, não morreu; sim, foi-se.
Nunca
falou nada sobre isso. Por que não gritava, por que parecia que nada,
absolutamente nada, lhe pesava tanto? Precisava? Precisava?
Não, ela
falava sim, falava o tempo todo, quem quisesse poderia ver na sua inquietude,
no silêncio, no toque das mãos, no suor, no olhar... Ela estava lá, o tempo
inteiro, naquele olhar.
Ela
morreu. A apoteose deu-se à calçada, sem flores nem jardim. O cinzento do céu
combinava com o cimento da garagem. Tanto fazia o céu como o chão. Voar ou
morrer.
Ela
morreu.
Intermezzo,
em Os Acangapebas, de Raymundo Netto (2012)
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