O
poeta Mário Gomes, enfim, alcançou a liberdade maior, aquela almejada duramente
em sua estrada de vida. Apenas o corpo velho, sofrido, decadente e exangue o
impedia de viver na mais absoluta poesia. Hoje, nada mais.
Às
13h5 do dia 31 de dezembro, aos 67 anos, rompeu com todas as normas deste mundo
e ingressou de vez no sossego mental, envolvido num manto celeste a observar de
perto as estrelas, a descortinar a poesia infinita com seu olhar azul.
Antes, pedira ao Tota para arranjar um espelho e pente, pois sairia dali direto para comemorar o ano novo.
Antes, pedira ao Tota para arranjar um espelho e pente, pois sairia dali direto para comemorar o ano novo.
À
tarde, ao saber da sua passagem, corri ao IJF, seu leito derradeiro, onde
estava desconfortavelmente instalado desde o dia 29 (ele não sabia ficar parado
assim).
Quando
cheguei, havia um movimento singular causando um reboliço maior do mundo: “Comequié?
O homem não tem identidade? Não tem documento nenhum?”
Não.
Não tinha, ele é o Mário Gomes, queria o quê?
Lembrei-me
de uma vez em que encontrei o Mário. Tinha que entregar-lhe um livro. Daí, perguntei,
sem pensar: “Mário, onde você estará amanhã?” Ele, porém, me respondeu como um Mário
Gomes: “E eu sei lá!” Pronto. É esse o cara que não tem documentos.
Felizmente,
a irmã e o cunhado, Nancy e Braga, gente boníssima, ainda muito sensibilizados pela
perda, tiveram a assistência do capitão Chagas, da Polícia Militar, que, passando por ali (estava de folga), decidiu tomar a frente para resolver a
situação e facilitar todos os trâmites, o que também o fez a assistente social
Natália Frota, abrindo portas de cada dura e burocrática etapa em casos desse
tipo.
Presentes
no local o Tota, amigo do poeta, presente desde a sua internação, e João Soares
Neto, que veio voluntariamente para oferecer apoio e tentar ajudar a família no
que fosse necessário.
Após a passagem pelo Instituto José Frota (IJF), fomos ao Instituto Médico Legal (IML) onde, mais uma vez, a busca de
documento. Eu, ligando para o cemitério, alertaram-me: traga os documentos dele!
Enfim. Fomos conversando, apresentando o morto, contando com amigos e costurando
diversas ligações até que conseguimos um documento oficial oriundo do próprio
Instituto.
Às 19 h, saímos, deixando o Mário descansar por ali, curtindo a noite mais fria
de sua vida. Amanhã, primeiro dia do ano de 2015, a romaria terá início.
Além
dos protocolos de sepultamento, o Tota está fechando um velório na biblioteca
Dolor Barreira, na av. da Universidade, Benfica. Dia 1º de janeiro, a quem
interessar, fiquem atentos.
O
sepultamento será no cemitério da Parangaba, onde o poeta voltará aos braços de
d. Nenzinha, sua mãe e guardiã, que lá se encontra.
Aliás, só mesmo o Mário para morrer num ano e ser sepultado no ano seguinte. É quase bíblico, quase poético, quase mentira. Mário!
Voltei
para casa, a pensar de uma noite que não sei, relembrando minha meta de 2015: “Tentar
não morrer!”
Na
despedida, o poeta me faz uma última e honrosa gentileza: permitiu-me o
empréstimo sem volta de meu paletó verde e gravata, para se apresentar bonito a
São Pedro, que na sua bondade já deve ter reservado para ele um banco largo e
ventilado na major Facundo do Céu.
Adeus,
Mário Gomes, agora você é só lenda. Uma das maiores dessa nossa Fortaleza
sentimental.
Uma crônica toda repassada de sensibilidade. Uma crônica para um poeta, um poeta livre, que a morte libertou das últimas amarras desta "outra vida de aquém-túmulo".
ResponderExcluirSensíveis as pessoas citadas no gesto amoroso da generosidade!
São Pedro já deve, sim, "ter reservado para ele um banco largo e ventilado na major Facundo do Céu."
Crônica poética, à altura de Mário Gomes, um poeta que sabia a prosa da vida.
ResponderExcluirTemos a mesma meta para 2015, querido Raymundo. E viva Mário. E viva a vida.
ResponderExcluirDe poeta para poeta! E vamos seguindo, tentando não morrer e não matar!
ResponderExcluirParece mesmo conhecer a alma do seu amigo!
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