Dava-se dia ensolarado e, à calçada, encontrei aquele escritor que acabara de lançar o livro príncipe. Poesia, para variar e aderir à coorte. O “poeta”, reconhecendo-me em suposta conta de intelectual — tal como o próprio, certamente — discorreu sobre o sucesso do lançamento de tão aguardada obra. Sorrisando largo o olhar faiscante, segredou, com devido anúncio de reserva, que o TT da madrugada anunciara — coisa que fez também, e ele não sabia, com todos os 500 usuários de seu espaço cultural —, o recorde, o maior sucesso da história de lançamentos nesta província.
Discreto como um elefante dançando a “macarena”, citou a cifra de 100, ou quase isso, livros vendidos — lidos, não garantiria nem o da mãe — e isso porque presentes apenas os seus familiares — membro de família do interior, ocupou o auditório inteiro — pois os dois escritores, os únicos que conhecia no Ceará, e, portanto, os melhores, prometeram de ir, mas no calor do derradeiro instante, assuntos de relevância os impediram, infelizmente, gratos por tão elevado galardão e certos da falta de uma justificativa original.
Daí, não deu outra: haja falar compulso de tal “úbere opúsculo”, ler seus trechos, compará-los à obra drummondiana, quitaniana e poetiana em geraliana, explicar-me a escolha dos títulos, denunciar-me a dedo os neologismos e metáforas, enfim, decifrar o indecifrável como se a descobrir ali, em momento invulgar, após a abertura da última pirâmide do Egito, o verso.
Já delongada a conferência de auto-encômios, porém, embaciou o olhar, agora terno e doce. Prenunciava esgotar o martírio do monólogo posto em pé e debaixo de sufocante sol quando desceu-me a voz, então, serena:
— Desculpe-me, senhor, mas é que sou um apaixonado pela poesia. Quando começo, até me emociono... Não estou deixando-lhe falar, não é? Pois bem, agora é a sua vez... Fale um pouco do que achou do MEU livro.
Dito isso, assomou-se todo em orelhas e ouvidos, de envergonhar-me por inteiro, certo de que nada que eu dissesse seria o suficiente ou tão preciso para exprimir a grandeza que ele achava — e sabia — que tinha. Uma palavra mal colocada ou esquecida evocar-lhe-ia, da alma lírica e embevecida, os gran terríveis demônios, aqueles mesmos que regozijam-se ante os destinos trágicos e merecidos dos poetas, mesmo os falsos e parcos, e que só enaltecem da aventura humana um único e transcendente sentimento: a inveja!
Fragilizado, cansado e confuso, com a moleira a ferver e a garganta seca, antes de tremer o lábio, nem sei como, mas senti meus olhos arderem e, creiam, lagrimejarem.
O rapaz, surpreso, fitou-me os olhos saltados, esticou os lábios, quase maternos, tal qual rede em varanda, e, insílabo, abraçou-me demorosamente enquanto apertava-me a lembrança, naquele momento, de perder a hora marcada com a minha oculista.
Coluna Quinzenal
Raymundo Netto que não é o macaco Simão, mas é parente,
por culpa exclusiva do Darwin.
Contato: raymundo.netto@uol.com.br
Blogue AlmanaCULTURA: http://raymundo-netto.blogspot.com
"Fale um pouco do que achou do MEU LIVRO", é de emudecer qualquer, principalmente depois de ele próprio tê-lo comparado (o livro) com obras de valiosíssimos ou valorosos? escritores. Apreciei muito e ainda enriqueci o meu vocabulário. Sem mais para o momento. Um forte abraço em ti e em teus pais.
ResponderExcluirSol Brandão