sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

"Enquanto os Bárbaros Não Voltam", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO (26.2.2010)


I-Origens


Desde que cheguei a Fortaleza no início da década de 1980 foram pouquíssimos os feriados que passei na cidade. No início de estudante secundarista ia com a mochila pronta pra última aula, dali pra estação João Felipe ou Rodoviária dos Pobres no Antônio Bezerra. Só retornava no último dia de férias, com lágrima nos olhos... uma saudade imensa do torrão natal, da comidinha da mãe, do zelo do pai, da zoada dos irmãos e primos. A cidade grande sempre foi um exílio, apenas um exílio... quem é do interior vai morrer sendo do interior; mesmo que não reste mais um parente vivo, um amigo de geração... E ainda hoje, quando chega um feriado, me pego juntando as melhores roupas, o tênis menos gasto e arrumando minha mala imaginária. Ainda não me acostumei. Nunca vou me sentir daqui. (Dia desses, visitando meu torrão natal, um velho amigo me disse desolado que só voltava lá pra se desiludir mais uma vez de que a cidade nossa de infância não era mais a mesma, ``jamais vai ser a mesma``... Não tive outra escolha senão concordar com ele: Ela só existe em nossas lembranças.)


II-Bairros


Com o tempo passei a perceber que os bairros funcionam assim como cidadezinhas do interior. Quem é do Montese (eu já fui) às vezes passa anos sem ir a Fortaleza, isto é, ao Centro ou aos outros bairros, quem é da Piedade também, do Mucuripe... Como mudei bastante de bairro durante estes 30 anos de exílio, conheci quase todos eles. Vão se formando pequenas castas e diversos locais, vão se aglomerando por afinidades ou apenas por oportunidades. Aqui no meu distrito da Gentilândia, sede da cidadezinha do Benfica, tem-se as castas mais variadas: a das senhoras que fazem ginásticas na praça de tardinha (entre elas se inclui o magricelo jornalista Tom Barros e um que outro senhor menos machista), a dos sofredores que torcem Ceará do Bar do Manel (antigo reduto do Seu Luis Picas), a dos frenquentadores do antigo Bar do Chaguinha, a fauna diversa do Bar do Assis e outros mais, a dos esforçados ginastas da Academia do Big, a das senhoras que tiram o terço de casa em casa, a dos bebuns inveterados (cujo patrono maior é Zé Bolero, que recentemente entregou o cajado pro Pelezinho), a dos que fazem o carnaval, a dos que apenas se sentam nas calçadas... Há até a dos que trabalham (sic)... Acreditem: também se trabalha na Gentilândia!


III-Vizinhanças


Na contramão de toda a propalada globalização, humildemente proponho que cada vez mais sejamos regionalistas, bairristas!... Ainda mais: ``ruístas``, que cada vez mais nos apeguemos ao aconchego dos mais próximos, do vizinho do lado, do camarada do quarteirão, do vendedor de loterias, do entregador de gás... A impressão que temos é a de que ao tentarmos ser universais nos tornamos vazios, ao querermos ser cada vez mais cidadãos do Estado, do País, do Mundo... mais e mais nos fragmentamos, nos tornamos ninguém... Adoro quando alguém se refere a outro como sendo aquele, sim, aquele gordinho lá da Francisco Pinto, sim, aquele careca que só anda de boné. E cada dia mais detesto quem se refere a alguém pelo título hierárquico, pela ``famosa`` profissão... Sejamos, amigos, portanto, mais intimistas, menos sofisticados... mais compadres que sócios. Amem! Amém!


PEDRO SALGUEIRO é morador há três décadas do distrito da Gentilândia, sede da cidade do Benfica, capital de Fortaleza, localizada no estado do Ceará, que por sua vez é um mísero pedaço do imenso Brasil, emergente país da América Central, do hemisfério Sul, do Planeta Terra, do Sistema Solar, da Galáxia...

2 comentários:

  1. Muito bom, ler uma crônica assim deixa até nosso dia mais leve e nos tira um pouco aquela "responsabilidade" de sempre mostrar o melhor...
    E me fez lembrar de uma certa pessoa que se não fosse chamada de Dr. professor a confusão era grande. rsrs

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  2. Muito bom o texto do Pedro. já falei outro dia que no futuro próximo a maior odisséia será conseguir chegar até o vizinho próximo. muito legal.

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