Sempre fui de viajar bastante. Quando
criança transitava pelos distritos mais próximos da minha pequena Tamboril,
adorava visitar com meu pai os parentes nos vilarejos à beira do Acaraú; sempre
corria estradas a pé ou de bicicleta com os amigos. Um dia fiquei encantado
pela primeira vez com uma cidade “grande”, Crateús à beira do Poti. Certa vez
fui conhecer minha avó paterna, Inácia, em Nova Russas. Já quase rapazinho
corri de ônibus ainda em estrada de terra até o fim do mundo, era Fortaleza.
Depois ganhei mundo com muita
vontade, vivia de mochila pronta; até descobrir que, naquela ânsia toda, apenas
fugia de mim mesmo. As viagens para mim foram antes de tudo terapêuticas,
aliviavam ansiedades, frustrações; então senti que, se não parasse, nunca mais
voltaria: à minha cidade, à minha família, a mim mesmo. Com dois filhos fui
fazer viagens imaginárias, pelos interiores; perdi quase que por completo a
vontade de percorrer mundos.
Dia desses sonhei que tentava
correr e algo me segurava ao chão, como se galhos imaginários se enroscassem em
minhas pernas, tentava alçar voo e uma espécie de imã gigante me prendia ao
solo: comecei a pensar que era a fatal atração da terra, que vai, a partir de
certa idade, nos prendendo, nos sugando ao inevitável pó.
Como antídoto, imaginei-me
viajando: peguei novamente a velha mochila já bem avariada; pus no sol para
tirar o mofo, catei as roupas mais confortáveis, um que outro livro de
aventuras (dessa vez não esqueci o cartão de crédito, o plano de saúde, o
termômetro e os indispensáveis remédios da pressão). Será, penso, a minha
última tentativa de fuga.
Sempre detestei ser um turista
típico, daqueles que se vestem como turistas, que agem como turista, que
compram como turista. Desses que antecipadamente mapeiam os pontos turísticos
em cada cidade a que vai visitar, que tiram mais fotografias do que olham (e
sentem) propriamente as paisagens.
Sempre adorei me disfarçar de
nativo, sem dar mínima “bandeira” de que era de fora: enfim, me incorporar a
cada lugar percorrido, sentir seus sabores e saberes, ouvir seus sons,
preconceitos e blefes.
Dia desses cheguei, ao conversar
com um garçom, a assumir uma identidade falsa de morador que tinha família
quase secular na cidade, que estava apenas retornando depois de muitos anos
fora; aproveitei para me inteirar das novidades, do “povo mais novo”; dos
lugares da moda.
Acabei confessando que fui na
meninice parceiro de futebol do pai dele, lá pras bandas daquele bairro antigo
do qual fiquei no dia anterior pela primeira vez encantado.
Marquei até de visitar o velho
uma semana depois, quando seguramente eu já teria retornado à minha casa do
outro lado do país.
Mas o bom mesmo das viagens é ver
o nosso seguro mundinho bem de longe; ver que ele segue inabalável com sua
rotina como se jamais tivéssemos feito parte dele. Ver como as coisas andam tão
bem sem a nossa presença, como não fazemos a mínima falta.
E depois desse susto o melhor
mesmo é voltar. Antes que seja tarde demais!
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