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Ilustrações de Audifax Rios
AUDIFAX RIOS era um príncipe... em pele
de sapo! Assim, para reconhecê-lo era inevitável, acima de tudo e de tantos,
amá-lo, condição única para o desencantar dos olhos viciados a se deslumbrarem
com fachadas enganosas, caiadas de injustificada arrogância e empavonamento,
ilusões pela conta bancária e por medalhas de araque que, solenes, apenas
imitam e plagiam o ouro.
Tímido, virtuose da humildade, não se
enganem: trazia no peito amoroso a convicção do seu trabalho, do talento e da originalidade.
Empunhava o bastião da cultura “para que não desabasse por falta de quem por
ele lutasse, pois olho grande é o que não falta”, e assim inventava De Um Tudo:
pintava, desenhava, escrevia, pesquisava, publicava, cercava-se de amigos,
admiradores e o escambau.
Contudo, costumava dizer que os artistas
visuais da maroceânica Fortaleza não o reconheciam como tal e por isso
preferia, por ora, escrever. Como assim não reconheciam? É “oito ou oitenta!”
Lembro-me de uma ocasião em que estava
no lançamento de uma revista nossa – não perdia eventos dos amigos – e soube da
presença da Ana Miranda. Acanhado, perguntou se eu poderia fotografá-lo com
ela. Chamei a Ana e o apresentei. Ela imediatamente disse que era sua leitora e
o nosso artista quase se desmanchou: “Deve ler uma vezinha ou outra...”, disse,
disfarçando a face encarnada com sorriso da criança que nunca deixou de ser.
Tive a sorte de conhecer e aprender muitas
coisas com o mestre combo-artista. Trabalhamos juntos em alguns projetos.
Gostava de estar a seu lado, pois, além de ouvir cambalhóticas histórias da sua
confidente e amante lourinha, sentia a segurança de falar, de rir, de ser eu
mesmo, e de ele gostar disso! Audifax nada nos pedia, nem queria. Sua alma já estava
de todo salpicada de riquezas invulgares.
Certo dia, um gaiato ao ler a crônica que
escrevi em que Audifax era o protagonista, disse-lhe: “O Raymundo Netto falou
mal de você no jornal!” Ele, por sua vez, com sua voz pachorrenta, tascou:
“Cara, o Raymundo é meu amigo, pode falar mal de mim. Os inimigos é que eu não
deixo!”
No mais a mais, recebia seus telefonemas
ou o acolhia na recepção do O POVO. No
meio da conversa, leitor dos cronistas da casa, lançava uma graçola no ar. Às
vezes eu “voava”. Ele, percebendo, me chamava a atenção: “Cara, está na tua
crônica dessa semana...” E ria-se. Daí, eu retornava falando sobre a sua, a das
sextas, de palavreado sertanejo, meio moleque, narrativa gostosa e irônica, de
riso, fé e dor, nas quais conseguia o milagre de trazer à vida e à humanidade
personagens que se foram há tempos e que, para mim, até então, tinham ares de
estátuas frias.
Em “Rio Acaraú: um filete de esperança”,
última crônica publicada no jornal O
POVO, Audifax profeticamente se despedia da Santana infantil de não tantas
priscas eras, pisando na beira do rio, revendo amigos que se foram e o sol
risonho que sempre pintou, caminhando por entre o rosário de serras, acenando com
lenço branco as velhas promessas, as lapinhas licânicas e histórias como a de
um Raimundo, outro que não eu, o canoeiro, vítima, imaginem, de um infarto
fulminante. Um infarto. “Haja Nostradamus!”.
Ultimamente tenho escrito frequentes crônicas-obituários,
o que entristece e me farta de vazio, exceto pela saudade daqueles que nos
deixam no meio do caminho. Penso que o Audifax, trajando uma de suas berrantes
camisas, pegou carona em um de seus peixes voadores cobertos de escamas
coloridas, feito lantejoulas carnavalescas, entre nuvens miscelânicas, no meio
de uma procissão de um conselheiro Antônio, sendo recebido pela luz e pela
glória daqueles que ele nunca nos deixou esquecer.
Ah, como é ingrata a dona morte, que
pegou na distração nosso amigo de coração mole de ribeirinho, silenciando a ceia
larga do seu caprino clube, no qual enquanto fiel sentinela e guardião não nos
deixava sair sem assinar o irreverente caderno de atas. Deixa para trás e para nós
o lamento distribuído entre Deus e o mundo, ciente de que o Altíssimo dessa vez
acertou e levou o melhor entre todos nós.
Dobram os sinos e o sineiro, e, como
dizia AR: “depois do episódio maligno, tudo
divino no quartel de Quirino”. Vai com
Deus, querido Audi, e voe com a gente quando desmorrer!
Entronização no livro de atas do Clube do Bode,
Galeria Caprina nº 225,
Galeria Caprina nº 225,
abril de 2015, por Audifax Rios
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