domingo, 7 de maio de 2023

"Pacatuba em Ruínas", de Raymundo Netto para O POVO


Há quase dois meses escrevi um texto no qual anunciava que o município de Pacatuba estaria de LUTO pela inadmissível e inconformável situação de RUÍNAS que então nos apresentava.

Cantada em verso e em prosa por muitos dos grandes escritores cearenses, a “cidade queridinha”, antes reconhecida pela existência e permanência de seus casarões, sobrados e casarios que resistiram durante anos, vem perdendo pouco a pouco o seu maior tesouro e maior atrativo: o seu patrimônio histórico e arquitetônico.

Em apenas três anos, dois casarões foram demolidos. Um deles, o maior de todos, o de Mariana Cabral, que conferia um charme todo especial à praça onde, diante dele, se encena a Paixão de Cristo, completando assim outra via-crúcis.


Demolido

Demolido

Agora, após um extenso período de abandono e sem nenhuma ação preventiva de preservação, o sobrado, um dos dois que pertenceu ao capitão Henrique Gonçalves da Justa e que compõe há séculos um majestoso conjunto arquitetônico no centro de Pacatuba e que deveria ser para o povo pacatubano o símbolo da própria origem e orgulho da cidade, está prestes a ser demolido. E isso ainda não se deu devido à intervenção do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará e do Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público do Ceará que requer, agora, a declaração de Patrimônio Histórico para o sobrado. Contudo, passado esse tempo desde o acontecido, durante o qual a administração da cidade chegou a passar pelas grades da lei por outros motivos, nada mudou e a tônica da demolição assombra novamente esse legado desprotegido.

Henrique Gonçalves da Justa foi o primeiro presidente da Câmara (ou seja, na época, o prefeito da cidade), também o primeiro arruador e grande benfeitor de Pacatuba, que empresta o seu nome, ainda hoje, à sua principal praça, que hoje assiste à tragédia causada não pelas águas da chuva, mas pela desmemória, pela ausência de legislação e de políticas públicas eficientes nesse campo e, pior, pela falta de vontade política e do clamor popular por longos e imperdíveis anos. Dói-me supor que a população não sofra e não se envergonhe com isso.

Além da sequência de prédios demolidos nos últimos anos, percebo, toda vez que volto a Pacatuba, mais casas descaracterizadas, sem nenhum incentivo de manutenção dessas fachadas. Este belíssimo sobrado, percebia, indiferente à sua importância, estava cada vez mais deteriorado, mesmo quando ainda ostenta na triste sacada de ferro as iniciais altivas de seu saudoso proprietário: “H. G. J.”.



Em sua História da Seca, Rodolfo Teófilo, protegido e grande amigo do capitão Henrique, escreve que no dia de sua morte “a florescente Vila de Pacatuba cobria-se de luto e pranteava a morte do seu benfeitor, o capitão Henrique Gonçalves da Justa. A fatalidade pesava IMPLACÁVEL sobre a família cearense. Henrique Justa [...] dedicou-se, desde os verdes anos [...] a trabalhar pelo engrandecimento e prosperidade de Pacatuba, então pequena e acanhada povoação. Empregou grande parte dos seus capitais em construir casas, aformoseando assim a futura vila, influiu para a regularidade dos serviços públicos, animou a instrução, desenvolveu mais a indústria, deu-lhe todos os elementos de prosperidade. Progredindo assim a Pacatuba, e já ligada à capital por uma linha férrea, foi elevada à vila, de cuja Câmara Municipal foi ele o primeiro presidente.”

E, então, nos chega essa fatalidade: a sua residência, supostamente também a primeira sede da farmácia de Rodolfo Teófilo, líder do movimento abolicionista em Pacatuba, a ponto de desmoronar. Não fosse o Ministério Público, a Defesa Civil da cidade não se incomodou de precipitadamente determinar a sua execução. A Prefeitura e a Câmara Municipal também não cumpriram o seu papel. Mesmo provocada, a Secretaria da Cultura do Estado, por meio de seu Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural, também silencia, assim como o Iphan e a Assembleia Legislativa.

Perdemos, aos poucos, o doente, sem os devidos socorros, sem a atenção merecida. Pergunto: é isso mesmo? Vamos ter que engolir mais esse descaso com o nosso Patrimônio? Ainda há tempo de mudar o final dessa história.




 


 

2 comentários:

  1. imagino você, ao escrever, tomado por reais sentimentos de inconformismo por esse está de coisas. comentários comuns de que o cearense não preserva seu patrimônio.

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  2. Parte do prédio já foi demolido.

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