“E mais... vou dizer
a você algo que eu nunca disse antes: Eu te amo, Maria Regina!”
Roberlândio
era um homem que se orgulhava, de bater forte no peito, por não mentir nunca,
em hipótese alguma. Nisto, era um obsessivo, um quase santo. Como ela conhecia
bem essa sua ideia fixa, naquele instante da discussão, sentiu um alívio
extraordinário, baixou a guarda, e ele se aproximou, em passos lentos, meneando
a cabeça e com um sorrisinho patético que a ela causava, sabe lá Deus o porquê,
um certo elã. Dali até mais tarde ninguém mais responderia por si naquela casa.
No dia
seguinte, bem-amada, Maria Regina chegou ao trabalho como se pisando em nuvens.
Estava no corredor do cafezinho com as colegas e não se conteve: “Vocês não vão
acreditar... Roberlândio me disse que nunca amou outra mulher na vida.” As
amigas se entreolharam, descrentes. Umas riram muito; outras apenas ponderaram:
“Mulher, deixa de ser besta. É claro que amou.” Maria Regina, na paz de céu de
brigadeiro, nem ligou: “Amou nada. Ele me disse que nunca havia dito ‘eu te amo’
para alguém antes de mim... E ele não mente!” As meninas saíram de fininho –
alguém, talvez, até com certa inveja –, deixando Maria Regina a só, encostada
num umbral de porta, suspendendo na ponta dos dedos uma xícara no ar a esfriar,
ao contrário dos pensamentos românticos calientes que a tomavam: “eu, o seu primeiro
amor...”
Naquela
noite, ao chegar em casa, o marido encontrou a mesa bem posta, a mulher
sorridente e carinhosa em sua nova lingerie e banhada a Avon Cristal
“Toque de Amor”. À mesa, seu prato favorito: “Minha flor, não precisava...”
Ela, delicadamente, estendeu o indicador nos lábios dele, sorriu, cerrou a luz
do olhar e o beijou cirurgicamente.
Aquele
lar, durante uns dias, era de uma felicidade intolerável, até a Remédios, cunhada
de Maria Regina, aparecer para tentar vender a ela uns pontos de rifa. Conversa
vai, conversa vem, Maria Regina soltou, numa excitação adolescente: “Menina,
fiquei tão feliz... Seu irmão me disse que nunca amou outra mulher antes de
mim.” Remédios franziu a testa, olhou para ela por cima do aro dos óculos, num
pasmo igual ao que temos quando se cogita que a Terra é plana: “Roberlândio? O
meu irmão? Ele lhe disse isso?” Encostou-se no sofá, segurando o antebraço de
Maria Regina, e se pôs a gargalhar a ponto de engasgar. Maria Regina
assombrou-se: “Ele me disse, juro!”
Recompondo-se,
Remédios foi categórica: “Ele, desde rapazola, era um apaixonado compulsivo.
Teve muitas namoradas. Quando acabava, era um sofrimento desgraçado. O coitado
chorava, se escondia no quarto, não queria comer, só falava que o coração
estava partido, doente, morto. Como é que não amava, criatura?” “Mas ele não
mente...”, asseverou a envergonhada Maria Regina, que sentia ali como se as
estrelas tombassem por sobre o seu desapontado coração. “Olha, cunhada”, disse
Remédios, “se mentiu ou não mentiu, se amou ou não, sinceramente, mulher, isso
não tem importância alguma.” Maria Regina, escancarou os olhos, escandalizada:
“Para mim, tem sim... e muita!” Despediram-se ao portão e ela entrou em casa
fervendo de ódio por sua ingenuidade. Deitou-se de bruços e pôs-se a chorar.
Quando
Roberlândio chegou em casa, estranhou: nem mesa, nem mulher, nem cheiro de Avon.
Como a casa estava escura, se guiou pelos soluços sofridos de Maria Regina. Sentou-se
à beira da cama, mas quando a tocou, recebeu um safanão que o fez tombar no
chão: “Que é isso, Maria Regina?” Ela levantou-se e começou a dar-lhe palmadas,
chamando-o de muitas coisas, entre elas, de mentiroso. Roberlândio se revoltou:
“Mentiroso, eu? Eu não minto, eu não minto.” Então, quanto mais ele dizia que
não mentia, mais e mais forte ela batia: “Você me disse que nunca amou outra
mulher antes de mim, e é mentira, seu mentiroso!” Desviando-se das mãos pesadas
da mulher, Roberlândio explicou: “Meu amor, eu nunca menti para você. O que eu
disse foi ‘Eu te amo, Maria Regina’. Ora, é claro que eu nunca disse isso antes...
Eu disse ‘Eu te amo, Fulana’, ‘Eu te amo, Sicrana’... mas ‘Eu te amo, Maria
Regina’, eu só disse isso para você..., Maria Regina...” E ali, numa solenidade
besta e descabida antes do próximo e derradeiro bofetão, ainda ouviu-se: “Eu
não minto jamais!”
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