Ela chega frouxa e muda, se
atrapalhando com as chaves da porta nervosa.
O marido acompanha àquele
ramerrão com o olhar também silencioso: ela lança as chaves no console, a bolsa
no sofá, os sapatos atrás da porta e avisa que vai se deitar um pouco, não
estava se sentindo bem.
Todo dia o mesmo mal-estar, o
mesmo mau-humor. Quisera poder dizer à mulher que deixasse aquele emprego
indigesto. Mas como abrir mão daquele salário indispensável para cumprir os
compromissos da casa?
Ele esquenta o jantar. Senta
no canto da cama, acaricia seu rosto, chama a mulher a levantar-se no arrasto.
Sentam-se à mesa. Como sempre, nenhuma palavra sobre o trabalho, colegas,
chefes, rotina. Ele a provoca, quer saber o que a incomoda, mas ela é resoluta:
"Não estrague meu jantar, pelo amor de Deus!".
Depois, apenas o consolo da
novela e, ao deitar, mais uma noite fria de sofrer por enxaquecas à véspera.
Cansado de meses de
desestímulo, apatia e desânimo, ele toma uma decisão: vai visitá-la no emprego.
Precisa entender o porquê daquilo. Pensa em convidá-la para um almoço, uma
caminhada em shopping ou apenas para sentar-se num banco de praça e tomar um
sorvete, qualquer coisa que mude aquela rotina e lhe dê algum prazer.
Entretanto, ao chegar ao endereço indicado, não encontra a referida firma.
Estranha. Busca na internet e também não a encontra. Decide ligar para a
esposa. Contudo, ela ao atender, reage: "Não venha aqui. Eles não gostam
que empregados recebam visitas no trabalho, homem". Desliga na cara dele.
Aborrecido, retorna para casa, com a pulga atrás da orelha, iria conversar com
ela mais tarde. Porém, a mulher chega com a mesma indisposição e se nega a
explicar qualquer coisa: "Depois de um dia desses, ninguém merece!".
Na manhã seguinte, ele se
oferece para deixá-la no trabalho. Quer que ela seja feliz. Vê-la chegar
arrasada todos os dias estava acabando com ele. Ela se recusa. Vai não.
Deixasse de besteira: "Sozinha, eu não me atraso. Você é muito
lento!".
Curiosamente, naquela noite,
ela chega animada, receberia a tão esperada promoção. Finalmente, havia o
reconhecimento. Cantarola, improvisa um novo jantar. Conversa sobre sonhos
esquecidos e se deita com ele, com o amor de antes.
Mesmo assim, quando ela
estava saindo para o trabalho, ele anuncia: "Quero ir com você. Não
encontrei o endereço de sua firma. Preciso saber". Ela se indigna,
pergunta o que ele está pensando. Acena com a cabeça e bate a porta em sua
cara: "Machista, possessivo, ciumento!".
O marido, sem compreender
tamanha ira e mistério, dirige-se novamente em busca do endereço que ela lhe
confirmou e nada! Liga para o telefone da empresa: engano! Liga para ela:
ninguém atende! Se desespera, enraivece, chora e ela nunca mais voltou para
casa.
Raymundo, que fim inusitado deixa todos os leitores a inventar histórias. Muito bom!
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