domingo, 3 de julho de 2022

"O Meu Aniversário de Meu Pai (29 de junho)", de Raymundo Netto


Meu pai (José Pedro), eu e minha mãe (Zenaide)
 

Hoje é aniversário de meu pai.

Faríamos uma festa junina, almoço, alguma brincadeira qualquer, como sempre foi, não fosse pelo fato de hoje ele não estar mais aqui. Digo que ele não está aqui, mas é pura ilusão, uma convenção besta e materialista. Ele está aqui, sim, sempre está, sinto isso em mim, em meus irmãos, nos amigos ou mesmo em velhos conhecidos que me encontram casualmente em qualquer lugar e fazem questão de falar dele, de como ele foi importante na vida deles, de quanto a saudade aperta o peito quando falam de seu nome. Daí, após expressarem em lágrimas uma dor que não consigo medir, nem ouso compartilhar, eles contam piadas ou casos engraçados de um homem sempre animado, sensível, positivo, esperançoso, do diálogo, absolutamente generoso e... pai! Não apenas de seus filhos biológicos, mas de toda uma ruma de gente que precisava de um e o encontrou no senhor José Pedro, o Deca.

Ele era militar. Decidiu ainda novo seguir carreira, certamente influenciado pelo pai, o mestre carpinteiro Raymundo – de quem herdei o nome –, funcionário do extinto Ministério da Guerra.

Quando aquele rapazinho magérrimo se apresentou para servir, a primeira coisa que fizeram foi jogar em suas costas dezenas de sacos arroz (60k cada) para carregar um trem. Diziam: “se quer ser soldado, tem que estar pronto para tudo”. Depois, estando em uma revista do pelotão, tendo apenas o 1º grau, descobriram ter ele o curso de datilografia, coisa de valor naquele passado. Ah, sua vida melhoraria...

Sempre se orgulhou de seu Exército Brasileiro, porque era um ótimo profissional, como outros, espero, ainda existam. Ganhava pouco, não tinha direito à greve, não recebia 13º salário nem hora extra – mesmo quando passava as noites em serviço ou quando, de última hora e sem direito a recusar, tinha que ficar no quartel até o dia seguinte pela falta de um colega. Contudo, sem exagero, nunca o ouvi reclamar de nada!

Não tinha muito estudo – só concluiria o 2º grau depois dos quarenta anos –, mas era “doutor em vida”. Determinado e objetivo, resolvia, com sorriso e leveza, os problemas mais diversos e “impossíveis” dos seis filhos, da esposa, familiares, amigos e até de desconhecidos – nossa casa era “pensão” para mulheres que saíam de casa por conflito com esposo, filhos que se desentendiam com os pais, suicidas e domésticas expulsas das casas por estarem grávidas (ele estava sempre levando uma para o parto), entre outros.

Amava a farda, a vida, a sua família e os passarinhos. Era louco por passarinhos. Acordava de madrugada para limpar as gaiolas e guarnecê-las de alimento e água. Enquanto isso, cantarolava nos despertando em sua paz: “Você, mulher, que já viveu, que já sofreu, não minta./Um triste adeus, nos olhos seus, a gente vê, mulher de 30...” Sofria terrivelmente quando algum deles adoecia. Pudesse, não saía de perto.

Pelo ofício, tinha porte de arma e uma em casa. Mesmo assim, quando sentia que havia alguém andando no telhado, na intenção de roubar, é claro, ele pegava em seu armário um saquinho de papel com bombas “rasga-lata”, jogava no jardim e gritava, assistindo com os filhos às gargalhadas, os meliantes pulando lá de cima e tomando carreira.

Hoje é o aniversário de meu pai. E é o meu também.

Minha mãe dizia: você foi o melhor presente que ele recebeu. Não, mãe, o privilégio desse presente é meu. Como seu legado, continuo tentando por aqui ser um pouco do muito que me ensinou, fazendo valer a sua generosa e feliz passagem neste mundo. Espero que isso baste.

Feliz aniversário, meu amado pai.



O sargento Costa, meu pai.


23 comentários:

  1. Parabéns a quem por ideal serviu a pátria. Minha continência ao sargento Costa!

    ResponderExcluir
  2. Ah! eu me emocionei lendo cada palavra!

    ResponderExcluir
  3. quanto de bom há em relembrar um pai presente, cuidadoso. dádiva que muitos não tem. como não aplaudir, elogiar. um abraço ao também pai Raymundo

    ResponderExcluir
  4. Tal pai,tal filho, na generosidade e na alegria.... parabéns pelo texto.

    ResponderExcluir
  5. Raymundo meu comentário sai como anônimo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não tem problema, amiga Inês. A mensagem é ótima. rsrs

      Excluir
  6. Muito bom! Mesmo podendo usar arma. Optou por não usar e sim.fazer um momento de leveza. rsrsrsr

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, ele era contra violência. Presenciei vários momentos onde poderia usar de força e tentava educar.

      Excluir
  7. Linda homenagem! Amei cada comentário. Também tenho ótimas lembranças do meu pai. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Então, parabéns pelo seu pai também. Obrigado pela leitura.

      Excluir
  8. Excelente texto! Parabéns aos dois, pelos aniversários e pelo que cada um representa na vida do outro!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eita, amigo Luciano, e você sabe o que é ter um pai a admirar, não é? Meu amigo Horácio.

      Excluir
  9. Lindo texto. Parabéns ao pai e ao filho, com certeza ambos muito orgulhosos em do outro.

    ResponderExcluir
  10. passaria a noite lendo e não sentiria o tempo passar❤linda foto continuam vivos em nossos corações💞

    ResponderExcluir
  11. Amei o texto. São as lembranças dos detalhes que me emciona. #Deca #MAJORcosta #amoreterno #melhorpai♡

    ResponderExcluir
  12. Parabéns Raymundo pelo pai que você teve, infelizmente não tive um pai como o seu.

    ResponderExcluir
  13. Muito obrigado. Como está assinado como anônimo, nada posso dizer sobre sua afirmação. Mas espero que esteja bem.

    ResponderExcluir