Guardo lindas lembranças dos natais de minha infância, em
Fortaleza. Nossa árvore era um pinheiro natural, alta, ainda mais aos olhos de
uma menininha. Tenho até hoje uma lata com adornos dos natais de minha
infância, delicadas peças embrulhadas em papel de seda.
Talvez eu
as tenha guardado por sua extrema fragilidade, são quase películas de vidro em
forma de alaúde, sino, rosa, estrela... O mais surpreendente e belo da árvore
eram uns apliques de metal presos nas pontas dos galhos, como pequenos
candelabros com uma base de flor que suportava velinhas brancas acesas, todas
elas, antes da ceia, de uma em uma.
Era
preciso apagar as luzes da sala para vermos a árvore com sua luz tremulante,
mais poética do que as mimosas lampadinhas de hoje. Lembro de alguns presentes,
claro, porém ainda mais do momento em que o embrulho ia sendo aberto e o
brinquedo revelado!
O Natal
cristão é medieval, foi o ato de um papa que desejava cristianizar, em vez de
oprimir os ritos dos pagãos, ou os cultos solares comemorados pelos romanos, pelos
celtas, pelos germânicos, em que se ofereciam sacrifícios propiciatórios e se
suplicava pelo retorno da luz.
Os nossos
símbolos natalinos são ecléticos: a árvore, dizem ser luterana, mas também
egípcia, e ainda, romana, quando se dependuravam máscaras de Baco em pinheiros
nas festas a Saturno. Papai Noel é um desenho de cartunista americano, mas a
partir da tradição de um arcebispo na Turquia, são Nicolau, que jogava um saco
com moedas de ouro pela chaminé de quem estivesse em dificuldades financeiras,
em particular três órfãs de um homem pobre.
Os
cartões com mensagens de paz e felicidades são invenção de ingleses do século
19. A data vem de quando povos antigos comemoravam o solstício do inverno e o
nascimento do deus Mitra, em 25 de dezembro. O Menino Jesus não nasceu nessa
data, que foi preferida num processo de sincretismo.
As
clássicas imagens de Madonas com filho já existiam antes do nascimento de
Jesus. As velas são de origem pagã. As guirlandas à porta adornavam lugares de
adoração pré-cristã. As comidas, das mais variadas origens.
As
leituras folclóricas, como as nossas pastorinhas, são imaginativas. Mesmo o
presépio, criado por são Francisco de Assis, único símbolo verdadeiramente
inspirado nos Evangelhos, tem alguma ambiguidade, pois a presença do boi e dos
carneiros é registro de evangelhos apócrifos. A natureza real da estrela de
Belém continua motivo de debates entre biblistas.
E os
magos não eram reis, mas sacerdotes astrólogos zoroastristas, conselheiros de
reis, vindos da Babilônia, Pérsia e Arábia, e os nomes, Gaspar, Melchior e
Baltazar, constam apenas em evangelhos apócrifos. Talvez essa amplidão de
significados seja a grande força do Natal, hoje comemorado não apenas por
cristãos, mas por pessoas de outras crenças, ou descrenças. O Natal deixou de
ser um ritual religioso para se tornar uma festa da família, de aproximação
familiar.
Os natais
mais bonitos de minha vida adulta foram os de frei Betto. Durante anos,
comemoramos juntos essa festa, que ele tratou de espiritualizar. Mandava com
antecedência as receitas, as instruções, os textos, as músicas. Chegava cedo,
ele mesmo cozinhava, nós em volta ajudando a descascar batatas, lavar alfaces
ou cortar cebolas.
Minha
irmã, cantora, ensaiava músicas com as crianças, vozes de comover qualquer
coração de pedra. Na sala arranjávamos uma mesa com toalha branca, um pão e um
cálice com vinho, apenas. As crianças cantavam com suas vozes puras e
irradiadas. O texto escolhido por frei Betto era lido, frase por frase, pelas
pessoas em torno da mesa.
Depois
cada uma dizia uma palavrinha, se quisesse. E cada uma comia do pão e tomava do
vinho. Ao final, era posta uma mesa com alguns pratos, sem excessos. Presentes,
somente para as crianças. A simplicidade era o nosso luxo.
Íamos em
seguida levar presentes e alimentos para o porteiro, para as pessoas que
estavam trabalhando naquela noite de festa, distantes de sua família.
Feliz Natal
para todos!
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