Vou ficar contente por estar vivo,
por morar em um país em que não há terremotos e avalanches de neve, as novelas
de TV são picantes e coloridas, há bons jogos de
futebol onde as torcidas são animadas, mas corteses. Vou usar o grande tempo em
que passo dirigindo para ouvir as músicas pacientemente escolhidas: Tiririca,
Wesley Safadão e duplas sertanejas.
Tampouco, reclamarei
se me oferecerem água “mineral” a R$1,00 a garrafa batendo no vidro do meu
carro. Tirarei fotos dos comedores de fogo, dos esquálidos meninos acrobatas
com roupas esfarrapadas e dos afáveis “flanelinhas” sempre risonhos, com suas
bisnagas e apetrechos.
Escolhi “A Voz do Brasil” como
programa de rádio favorito ao começo de cada noite. Aos domingos, optarei pelo
Faustão, tão bem vestido, educado e legítimo representante do humor cordial.
Ouvirei prédicas em emissoras pentecostais e as compararei com as suas
congêneres católicas.
Anotarei todas as contas bancárias
para onde deverei mandar dízimos e comprarei terços, medalhas e imagens pela internet. Estou pensando seriamente em fazer uma nova excursão
à Terra Santa, quando arriscarei fazer as pazes entre alguns judeus e
palestinos.
Na volta, pararei em Roma onde há um
curso sobre “Desburocratização do Vaticano”. Gravarei esses ensinamentos e
repassarei para alguns coachings,
exímios resolvedores de problemas empresariais, familiares e pessoais.
Pagarei, sem reclamar, os juros altos
do meu cartão de crédito e ficarei feliz em colaborar para o desenvolvimento do
sistema bancário brasileiro, tão solidário com o povo sofrido.
Ouvirei palestras de ex-diretores do
Banco Central e me encantarei em ler artigos de ex-detentores de cargos
públicos, sempre disponíveis para solucionar os fáceis problemas que
encontraram e não resolveram.
Acreditarei em todas as reformas
propostas e aplaudirei os que, aos domingos, tomam banho de sol na avenida
Paulista. Uns de bicicleta, outros empurrando carrinhos de bebês que não choram
e até aquele ex-bancário gorducho sentado na velha espreguiçadeira deixada pela
tia setentona abrigada em excelente casa de repouso para idosos.
Nada de falar de Gramsci, Marx,
Deleuse e Guattari, dou a palavra a Platão na República, quando diz: “aquele que verdadeiramente gosta de saber,
tem uma disposição natural para lutar pelo Ser, e não se detém em cada um dos
aspectos que existem na aparência, mas prossegue sem desfalecer nem desistir de
sua paixão, antes de atingir a natureza de cada Ser em si”.
Falou!
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