sábado, 28 de janeiro de 2017

"Dia do Quadrinho Nacional - Gustavo Barroso: Herói?", de Raymundo Netto para O POVO


Oscar, personagem de Gustavo Barroso em O Tico-Tico (1908)

Dia do Quadrinho Nacional
Gustavo Barroso: herói?

No Sul e Sudeste do nosso país, pesquisadores e aficionados do universo dos quadrinhos se perguntam: seria realmente um brasileiro o criador do primeiro super-herói do mundo? Não me interessando em desfiar a polêmica, o que tenho a acrescentar é que esse brasileiro é um cearense e que se chama Gustavo Barroso (1888 – 1959). Sim, um dos escritores que mais produziu obras no país – cerca de 128 –, entre contos, romance, poesia, crítica, estudos, ensaios, além de cenografia, xilogravura, caricatura e... histórias em quadrinhos!
No período em que podemos constatar a participação de Barroso na “O Tico-Tico”, primeira revista em quadrinhos brasileira, esse rapazola de apenas 20 anos, aluno da Faculdade de Direito do Ceará, colaborava em periódicos não apenas em Fortaleza, onde residia, mas no Rio de Janeiro, como ele mesmo nos diz em seu “O Consulado da China” (1941): “Enviava caricaturas e trabalhos literários a jornais e revistas do Rio de Janeiro [...] A ‘Careta’ estampou vários contos humorísticos meus [...], entre 1907 e 1910. De fins de 1908 a princípio de 1909, a primeira página de ‘O Tico-Tico’ foi tomada pela história ‘O Anel Mágico’, ‘textos e ilustrações de João do Norte’ [em vez de ‘João do Norte’, pseudônimo usado por Barroso em algumas composições, vemos a sua assinatura ‘G. Barroso’] que fez as delícias da meninada daquele tempo, segundo o depoimento pessoal de Luís da Câmara Cascudo [...]”
Sua estreia se deu na “O Tico-Tico” nº 161, Ano IV, numa quarta-feira, dia 4 de novembro de 1908, estampando a capa da famosa e popular revista com o seu “O Anel Mágico”, narrativa em capítulos, que, em 1924, seria publicada na íntegra sob o título “O Anel das Maravilhas”, talvez a primeira graphic novel nacional, mais tarde um dos prêmios ofertados em concursos pela própria “O Tico-Tico”.
Mas do que se tratava tal história? Conta o narrador existir num tempo distante um reino dominado pela mais absoluta paz. Ali, as pessoas entravam e saiam com a maior liberdade, bastando atravessar uma pesada ponte levadiça que há anos não se via sair do chão. O seu soberano era o bondoso e justo rei Canuto XXX, pai do casal: Borboleta (19) e Oscar (18).
Entretanto, no entorno do reino, havia outro, tenebroso e horrendo, regido por Higino, um gigante feroz que, sabiam, possuía um anel mágico que lhe conferia grande poder. Um dia, não tão belo, o gigante deu pelo encanto da princesa Borboleta e decidiu tomá-la como esposa, claro, ansiando também pela riqueza do rei Canuto que, certamente, rejeitou a proposta do vilão.
Higino, furioso, convocou toda uma legião de espíritos do mal que, em covarde investida, avançou sobre as muralhas despreparadas do castelo e matou um a um de seus habitantes, com exceção de Borboleta, agora prisioneira na torre, e de Oscar, o nosso herói, que mesmo ferido consegue escapar na densa floresta onde encontra a fada Mariposa. Ela, então, revela ao cavaleiro que a única forma de ele libertar a irmã é conseguir se apoderar do anel mágico de Higino, oculto na torre do cume da montanha Zohnomin, guardada pelo terrível dragão Pyrogrulos. Para tal cruzada, a fada oferece relíquias mágicas: um carbúnculo (talismã), um cavalo (que não se alimenta) – não sei o porquê do cavalo, pois Oscar voa em estrelas, águias gigantes, entre outros seres fantásticos – e uma espada (que nunca perde o fio). Depois, aponta o primeiro de uma série de obstáculos que terá de desafiar para conseguir encontrar a irmã, vingar a morte do pai e derrotar o gigante de uma vez por todas. De posse do carbúnculo, no caminho mostrava-o a seus aliados, como o duque da Prata, guardião da Porta de Ouro, a rainha Batrachia, senhora da Lagoa dos Encantos, São Pedro – que o ensinaria a vencer o dragão –, o rei dos cometas, Volantina, a rainha das águias, entre outros. É curioso perceber que aquele jovem e talentoso jornalista criou e quadrinizou – ilustração, roteiro e história –, há mais de 100 anos, uma narrativa de fantasia que hoje impulsionaria best-sellers e a bilheteria de cinemas...



5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito bom, Raymundo Netto. Um resgate justo e oportuno. A militância política de Gustavo Barroso no Movimento Integralista foi extremamente prejudicial à sua carreira como escritor e ofuscou também a sua atuação como fundador e diretor do Museu Histórico Nacional. Foi praticamente banido dos compêndios que tratam da história da literatura brasileira, apesar de ser autor de 128 obras e ter sido presidente da ABL em duas oportunidades. Nos últimos anos, o resgate de sua obra vem sendo feito de maneira lenta e gradual por iniciativa de seus conterrâneos cearenses, dentre os quais incluo você e o professor Sânzio de Azevedo com o resgate de "O livro dos enforcados" coletânea de contos históricos habilmente engendrados por Gustavo Barroso a partir de registros históricos deixados pelo Barão de Studart e por Paulino Nogueira. Tomara que isso ocorra com outras obras como "Casa de Marimbondos", "Ao som da viola", "A ronda dos séculos" e outros livros de igual valor. Por coincidência, horas antes de ler esse artigo aqui no seu blog, estava me deliciando com a leitura de FÁBULAS SERTANEJAS, outro livro infanto-juvenil de Gustavo Barroso, ilustrado por Osvaldo Storni e publicado pela Biblioteca Infantil do Tico-Tico. Com a sua permissão, vou reproduzir essa postagem no blog Acorda Cordel.

    ARIEVALDO VIANNA

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    1. Meu amigo, fique à vontade. Honra-me a sua reprodução. Você é o cara, "Cancão" Ari.

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  3. Não sabia que Gustavo Barroso chegara a tanto, o cara era realmente impressionante em sua versatilidade artística! De fato, como disse o sr. Arievaldo Viana sua passagem pelo integralismo, onde exacerbava um veemente antissemitismo, serviu para condenarem-no ao ostracismo literário brasileiro. São deliciosos e imperdíveis seus livros de memórias, em que fala com detalhes a vida cotidiana de Fortaleza na passagem do séc. XIX para o XX. Parabéns então, por esse pioneirismo e por tudo (menos as obras integralistas), ao Gustavo Barroso, o qual pode ser considerado o nosso Câmara Cascudo.

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  4. Oi, Tião. De fato, essas obras não têm para a maioria (já que existe um movimento que se diz neointegralista) a menor importância, mas as demais são caríssimas para nós brasileiros e devem retornar aos leitores. Grato, Tião.

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