quinta-feira, 26 de maio de 2016

"Um Brasil de Caranguejos", de Raymundo Netto para o blog "Matutando o Brasil"


Você que inventou esse estado e inventou de inventar
toda a escuridão. Você que inventou o pecado

esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você, amanhã há de ser
outro dia!
(Chico Buarque)

O Ministério da Cultura voltou! O presidente interino – não por bondade nem por entender a necessidade estratégica da cultura para o desenvolvimento do país, o que é lastimável – voltou atrás e decidiu manter o Ministério.
Para quem sabe o que é cultura – e não estamos falando de mero entretenimento – e percebe o que a diversidade cultural de um país de proporção continental e miscigenado como o nosso representa enquanto riqueza – quem pensa que riqueza é apenas um tríplex com piscina e um Ferrari na garagem, não sabe, mas é pobre, pobre, pauvre de marré deci – o anúncio da extinção desse Ministério, que não já não atuava em toda a sua plenitude – nunca foi prioridade de governo – e que levaria anos para alcançar seu objetivo, é de uma gravidade extremosa e reveladora.
Vivemos num país no qual o seu conceito ainda é muito mal interpretado, menos ainda interiorizado como pertença e não é abraçado por muitos, além de que a sua ausência favorece aos interesses dos doutores da elite burra e gananciosa, afinal: um povo sem cultura é gado que em vez de chocalho bate panelas e desgasta o sofá no horário nobre de TV.
O tecnicismo de alguns governos que veem apenas a riqueza material como fonte de sobrevivência da nação nos indica o nível de miséria cultural de seu povo. E essa miséria cultural atrai a outra, de agarro e abraços com a injustiça e a desigualdade social. Claro que quem tem uma pontinha de segurança, os favorecidos historicamente e muitas vezes com poucos méritos de conquista, principalmente os homens, os brancos e os de classe alta e média, não se importam com questões de cultura e muito menos com a defesa de garantias sociais. Não é com eles! Daí, tremem de raiva ao ouvir falar de bolsa família, lei de cotas – que beneficia os negros e aqueles em situação de vulnerabilidade social –, favorecimento de casas populares, questões do aborto, o direito de transexuais e travestis em usarem um nome social (direito ora ameaçado por projeto (des)encabeçado por parlamentáveis dos partidos do atraso, como o PSDB, PRB, PV, PR, PHS, PSC, PROS, DEM e PSB, sempre eles), do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos – afinal, vociferam: “lugar de mulher bela e recatada (recalcada?) é servindo, por obrigação, ao macho em seu lar (cárcere privado)”; “negro não é raça” (e o branco é o quê?); e “direitos humanos é coisa de comunista (mas fui mal aluno em sociologia)” – entre outros benefícios que rondam a periferia de suas vidas e que só incomodam quando lhe chegam na esquina e gritam: “Fortaleza – a nossa – apavorada!”
Junte-se a esses atrasados, a bancada cruel, ignorante e preconceituosa mantida pelos evangélicos, e não pelos evangelhos (que significam “Boas Novas”), e que usa o nome de Deus e da família – recusam as novas configurações familiares –  para patrocinar a tortura e a opressão humana, o machismo e a domesticação feminina, a castração da sexualidade, a visão da arte como vagabundagem (só entendem de dinheiro, que é o negócio deles), e a expropriação livre daqueles que já nada tem em troca da vacina da resignação e da promessa de um paraíso de fundo de rede.
Cadê a manifestação dessa turma diante da atualíssima crise no sistema público de educação? O que há na cabeça desses infelizes, egoístas e infiéis à revolução cristã? Ora, Jesus não nasceu e defendeu os pobres, as minorias, os excluídos, com quem conviveu e dividia pães e peixes até a sua execução ser encomendada pelo poder e pela bancada sacerdotal da época?
A Educação e a Cultura, as maiores e mais duráveis conquistas de um povo, os verdadeiros instrumentos do progresso e do desenvolvimento, da harmonia e da autoestima de uma nação, sempre foram colocadas em segundo ou terceiro plano, e só lembradas durante campanhas eleitorais.
Há de se chegar a hora de ser abominosa e inaceitável toda a hipocrisia desses fariseus que manipulam as leis e as manobram em sacrifício do povo e em benefício próprio. Há de chegar a hora do povo despertar desse sono profundo e entender que somos um todo e que este país só será forte e respeitado pelo Mundo quando houver transformação social. Que esse dia venha pelas mãos do nosso povo e não por aventureiros. É querer demais?


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