Audifax Rios, colunista e artista plástico
O menino, já taludo, havia de
continuar os estudos fora da sua cidadezinha e fez fincapé. Adorava caçar
passarinhos nas cercanias, pescar piabas e tomar banho no rio Acaraú. O
saudável convívio com os companheiros era a marca da liberdade e não queria
abdicar daquela vidinha maravilhosa. Porém era preciso buscar o saber, aprender
uma profissão, então o único jeito foi amarrar o traquinas Adauto no lombo de
um burro que durante sete dias e sete noites percorreu tortuosos caminhos entre
Santana e Fortaleza, onde já se encontrava o mano Cláudio. Era o ano de 1924 e
Joaquim Adauto Araújo, a graça completa, contava, então, nove anos de idade,
posto que nascera na seca do quinze, no dia três de agosto.
O pai tinha posses, podia educar
os filhos em bons colégios, assim Adauto foi matriculado no Cearense dirigido
pelos irmãos maristas franceses e lá conviveu com Thomaz Aragão, Murilo Borges,
Augusto Carneiro, Aurélio Mota, Ernesto Valente e outros que, como ele, mais
tarde se destacaram em suas atividades. O pai, como ia dizendo, agropecuarista
e industrial, era prefeito de Santana do Acaraú, respeitado cidadão João
Alfredo Araújo, mais conhecido por Coronel Joca Marques ou Fanico herdado do
pai. Ou simplesmente Seu Joca da estirpe dos Araújo e Marques, casado com
Eutália dos Rios, Carneiro e Frota, todos povoadores da ribeira.
Seis anos interno no casarão da
Duque de Caxias, hora de partir para o Rio de Janeiro, cursar medicina como
queria o sensato Joca que sentenciara definitivo: “Se for pra ser médico, pago
os estudos”. Em Ouro Preto já estava Cláudio, cursando engenharia. Embarcou num
paquete que demorou no Recife por conta de greve dos portuários, o que foi
definitivo para a vida do jovem Adauto, então com dezessete anos. É que
estendera a mão para uma cigana na beira do cais que lera nas linhas
misteriosas a sina: “Você terá muitas brigas na justiça e vencerá todas”. O
vaticínio o perseguiu pelo resto da vida.
Demorou seis anos na “Cidade
Maravilhosa” entre estudos na Faculdade de Ciências Médicas Universidade
Estadual e os antros de perdição da Lapa onde morava; entre o fuzuê boêmio e os
protestos estudantis contra a ditadura Vargas. Amigos, os colegas Guarany
Mont’Alverne, Arimateia Monte, Thomaz Aragão... os mais chegados, cearenses,
sobralenses. Companheiros de Noel Rosa nos bancos escolares e nas mesas dos
bares.
Canudo na mão, o destino era
voltar para o Ceará. O consultório custou ao velho Joca a razão de vinte e
cinco contos de réis e depois de um estágio em Fortaleza estabeleceu-se
definitivamente em Sobral como ginecologista e obstetra. Aparando filhos das
distintas damas da sociedade como pobres mulheres do povo. Durante vinte anos,
de 1938 à seca do cinquenta e oito. Nesse interim casou (1940) com Ivone Frota,
união que lhe deu treze filhos, nove homens e quatro mulheres.
O rebanho vacum se tornara bem
maior, assim como as imensas léguas de terra. O famoso doutor Adauto se
transformara num agropecuarista bem sucedido e partiu, com os irmãos Walter e
Cláudio, para a instalação de uma usina de beneficiamento do seu próprio
algodão.
Agora entra o vaticínio da cigana
do cais do Recife. Mais parecendo advogado que médico, Adauto Araújo vivia às
voltas com questões de terras, indispondo-se com a parentela, sobraçando
processos e mais processos e, de sobra, desferindo desaforos e estampidos de
armas de fogo. O mundo do respeitado esculápio agora era a imensidão dos eitos
da Bahia, Raposa, Pitombeira, Andreza, Paraná, Água Branca... espalhados pelos
municípios de Santana do Acaraú, Forquilha, Santa Quitéria e alhures.
E ao mesmo tempo em que folheava
os calhamaços das pendências judiciais frequentava a Academia Sobralense de
Estudos e Letras onde ocupava a cadeira no. 1, ao lado de Dom Expedito Lopes
(ainda padre), Ribeiro Ramos, Clodoveu Arruda, Tancredo Halley, Paulo Aragão,
Gil de Carvalho e outros.
E a cultura persegue ainda a
trajetória de Adauto Araújo, a antiga fábrica cedeu espaço para uma escola de
artes e ofícios planejada pelo saudoso Augusto Pontes, olhando para o rio
Acaraú, o mesmo onde brincava na infância. E o filho Régis Frota Araújo,
cineasta e professor universitário, ocupa atualmente uma cadeira na dita ASEL.
Régis, autor da biografia do pai que comemora seu centenário em agosto deste
ano. Enquanto os pássaros ainda sobrevoam o Rio das Garças onde nadam eternas
piabas e caribodós.
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