A solidão é o retiro em si mesmo. O monólogo
diante da plateia vazia. A arena devoradora de leões. A nascente da criação. A inspiração
de capela. A sugestão da palavra contida. A cortina cerrada na janela. O soluço
de medo. O piscar do olho. A luz das estrelas quando do nascer do sol.
Muitos não se permitem a companhia da solidão.
Tentam se lhe escapar, entretidas em birôs abarrotados de trabalho ou em risonhas
mesas de bar, nas constantes reuniões de grupos, na conexão ininterrupta das
mídias e redes sociais, cercados de amigos eletrônicos que, como nuvens e
sonhos, os deixam no primeiro soprar de vento. Entretanto, inconscientes, aproximam-se
cada vez mais dela, só que de mãos vazias, sem nada lhe oferecer. A solidão exige
completude, dedicação e, acima de tudo, verdade!
No exercício da solidão, deve-se permitir
o autoabandono, o salto de paraquedas – ou sem ele –, o caminhar doloroso nas
brasas de pânico daquilo que desconhecemos ou do que tememos perder ou mudar. É
mais fácil lançar as nossas chagas num retrato a óleo de Dorian Gray, do que permitir o mergulho dentro
de si, ir além das rugas e acnes, explorar as dobras e depressões íntimas,
geralmente escuras e úmidas, aqueles infernos que nos revelam e nos assemelham
ao propalado Deus da creação, pois, como
espelhos distorcidos, nos amedrontam, nos causam estranhamento diante da
máscara ridícula e preenchem de ilusões a nossa vã identidade.
O ser humano é um átomo diante do grande
universo. Talvez menos do que isso, se eu tivesse sido melhor aluno de Física, o
que não fui, assim como consegui não aprender tudo aquilo que, por um motivo ou
por outro – geralmente imposição era o grande motivo – decidi não levar comigo,
assim como o xadrez e a datilografia.
Escolhas. A nossa vida é determinada por
elas. Nada nos chega que não tenhamos construído (leia-se “escolhido”) ao longo
dos anos. Vale responsabilizar-se pelas consequências que atribuímos à má sorte
ou àquele(a) criatura que nunca nos deu a mão ou negou o seu amor.
Carregamos nos ombros o entulho dessa má
elaborada engenharia. E ele pesa, cega, sufoca e, se nós deixarmos, não nos
abandona.
Não raro, por não suportar a si mesmos,
os solitários necessitam de lugares com espaço, ar, pouca luz e muitos ruídos. Saem
à noite, em fuga do seu espinhoso encontro consigo mesmo, e sentem carência de pessoas,
muitas delas. Encostados em paredes, feito espectros algemados em correntes de angústias,
não são notados nem ouvidos. Incapazes de pensar ou decidir um futuro – não que
precise fazê-lo, pois quem é solitário priva de uma liberdade à beira da indecência –, torna-se um observador a viver a vida do outro, alimentando-se das
sobras das alegrias e emoções alheias, em simbiose com esses estranhos comuns,
num consortismo antihedonista social.
Noutros dias, a seu redor, apenas os
grilos lhe despertam do andar superior dos pensamentos e penosos psiquismos. É
quando ouve a canção que diz ser a sua alucinação suportar o dia a dia e o
porvir da lembrança do corpo delirado que cai do oitavo andar.
Belo texto!!
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluirAmigo, tudo o que você escreve é muito bom.
Parabéns!